Bruno Ivo Ribeiro
(texto e foto)
Nestes tempos em que o sol parece ter há já muito tempo mergulhado no ventre do mar, sem não mais o vermos ressurgir na alvorada do novo dia a despontar.
Nestes dias em que a morte, mais que nunca calcorreia os infindáveis e negros trilhos da nossa mente.
Nestes dias em que o sol para brilhar, tem de irradiar de dentro de cada um…
Eu Canto!
Eu canto, e eu falo,
E eu gemo e grito!
Eu choro e eu clamo,
E eu sou chaga aberta e sangue a escorrer.
Sou ventre que chora e sou morte que ri.
Sou vida que sorri e flor que desabrocha.
Sou todo um prado verdejante numa gargalhada perpétua que louva a Deus.
Mais do que nunca, nestes tempos tenebrosos, canto a alegria de ter nascido e sofro o sorriso que não dei hoje.
Amargamente mergulho em mim, afogo-me dentro de mim, mato-me.
Renasço!
Nestes dias em que chove dentro do peito, nestes dias em que relampeja dentro da alma,
Nestes dias eu sou fogo de luz a arder e a irradiar.
Sou fogo e sou chama
E sou chaga e sou sangue
Sou fruto e sou ventre
E sou toda a natureza que comunga em mim mais o que em mim morre e se renova
Para enfim, de novo RENASCER!
Sou a força do sangue que me cai das orbes,
Sou o amor do sorriso que meu punho cerrado convoca para dentro de si.
Sou o médico da minha morte, sou o juiz da minha sentença
E sou rasgo entre tudo o que conheço.
Tudo rasguei, porque a nada pertenço.
Sou ventre rasgado e ferida aberta que beija Deus na face, enxuga os olhos e acolhe nos braços a misericórdia da Eternidade.
Tenho em mim o canto dos peixes, o choro das águas e o poema que todos os pássaros entoam nos céus.
Tenho em mim o vento do dia e a flor da morte.
Sou anoitecer rindo pela vida sorrindo.
Tudo rasgo, e a nada pertenço.
Mas nestes dias taciturnos, em que o sol queima o peito, dilacera o coração e corre nas veias; eu sou o fogo que Deus alimenta em mim, a chama que Ele aquece e faz luzir. Sou enfim o que não sei ser, mas que Deus quer que seja.
Não sou o que quero, não sou quem quero, e sê-lo era ledo engano, falsa vida e mentiroso estágio temporal vivido. Sou quem devo ser, que tudo rasgou e daqui não é.
Sou enfim uma enorme incompreensão, não só para os outros, mas principalmente para mim mesmo. Não sou o que de mim pensam, não sou o que de mim acham, nem muito menos o que penso ser. Sou o que sou, e sabê-lo, é já demais.
Assim nestes dias sou o choro que canta do cimo de uma serra para o confim do vale. Sou a lágrima que jorra e o sangue que brota. Sou a morte da vida, e sou a vida nesta morte em que existo temporalmente.
Sou o sonhador do meu sonho.
E por isto eu digo e eu canto, e eu falo e grito,
E por isso eu clamo e choro, estrebucho e suspiro.
Por isso eu quero e luto
Por isso eu morro e renasço
Por isso eu mato e vivo
Por isso me mato e renovo
Por isto eu agarro, e largo
Por isto me alargo e aparto
Por isso fico perto
Por isso estou perto
Por isto me aperto
Por isto te aperto e por isso te mato
Por isto morro e por isso vives
Por isso vivo contigo na vida apartada
Por isso sobra uma parte
Por isto de mim fica a parte
Por isso parti
E por isto me aparto partido
Por isso me aparto e reparto
Por isto me junto
E por isso me singo
Assim vingo e assim renasço
Assim vivo e assim parto
Por isso desato e me aparto
E grito e canto e choro e louvo
Por isso agradeço e por isso morro
Por isto foges e disto te apartas.
Porque onde resto em campa térrea
Sobra de mim a parte partida,
do que de mim se não apartou no tempo.
Por isto eu canto!
01abr20