Carla Ribeiro
No dia 6 de Abril, tive a necessidade de ir comprar um medicamento esgotado em quase todas as farmácias, mas que ainda estava disponível na Farmácia na Circunvalação, mesmo do outro lado do Hospital de São João.
Arrepiou-se a alma e o corpo, só de pensar que teria que me deslocar para aquele local, mas a necessidade assim o exigiu.
Como sempre que fazia até aquela data, calcei as sapatilhas e vesti o casaco da pandemia, calcei as luvas e desinfetei-me.
Saí de casa, entrei no carro, e o silêncio da estrada colava o carro ao asfalto.
De repente uma ambulância em marcha de emergência, rasgou o cruzamento num silêncio arrepiante, onde o motorista cumpria todas as normas de segurança pois ia todo protegido e com o EPI que se exigem para esta pandemia.
Nem o rádio tocava no carro, imperava um silêncio irrequieto, ofegante e desafiante, que nos costurava as palavras e selava os lábios.
Outrora, há um mês, nesta zona reinaria um trânsito infernal de romper, as buzinas incomodavam, e os transeuntes passariam apressados até muitas vezes a desrespeitar as regras, com a pressa de chegar a algum lado… a alguma universidade ou simplesmente a casa depois de um dia de trabalho.
Hoje, nesta estrada, rasgava-se o silêncio, com o motor do carro, sem buzinas, com ambulâncias a passarem num silêncio gritante.
Finalmente, cheguei à farmácia, e a pressa que tinha era de correr para casa.
Saí, e do outro lado, nem parecia estar o Hospital de São João do Porto.
Lágrimas corriam em mim, com tanto silêncio e dor.
Fotografei, com o olhar, aquelas ambulâncias, e os imensos profissionais que de um lado para o outro corriam entrando e saindo das tendas e do edifício, como se nada e todo fosse urgente, como se não estivéssemos a viver um Estado de Emergência.
Dentro de mim tudo gritava e chorava,..
Tirem-me daqui!…
SABES O QUE MAGOA
Sabes o que magoa,
É ver à nossa frente a desgraça espelhada naquelas tendas,
Que são o prolongamento do hospital,
E imaginar a dor e sofrimento,
Que nelas se vive e grita tantas vezes em silêncio.
Qual imagem, que jamais se apaga do meu ser, como uma tatuagem,
Onde lágrimas não conseguem ser sorrisos,
Onde a dor desaba e coloca uma sentença cruel,
Em cada corpo que ali entra, em busca de esperança, de um teste negativo.
Cruel a vida quando paradoxalmente,
Tantos já choramos de alegria por um teste positivo que simboliza vida,
E deste apenas se deseja um negativo.
Em busca de ser apenas mais um número estatístico que sobrevive.
Tendas frias, silêncio cortante na estrada,
Tendas quentes,
Carregam a temperatura tórrida de sentimentos,
Nesta busca de poder abraçar a todos,
E ter apenas dois braços e um coração.
Esta incapacidade frustrante,
Esta dor de esperança, destes heróis, que não baixam os braços.
Dor, é olhar a azáfama de tantas pessoas que são uns heróis lutando por todas estas vidas, esquecendo-se por momentos que as suas famílias sofrem duplamente,
Por todos, por eles e pelas suas famílias.
Corta-se-me a voz,
Calam-se as palavras,
E, num silêncio dilacerante,
Pé ante pé sigo em gritos mudos
Que rasgam o asfalto.
Carla Ribeiro
2020.04.06 (21:40 horas)
©Reservados Direitos de Autor
Nada será como era, neste turbilhão de novas regras e confinamento, neste silêncio que se grita contra o silêncio.
Nada será como era!
Estamos a fazer uma nova aprendizagem, como quem nasce de novo.
Estamos a renascer, e esperam-nos novas formas de socializar, como se a natureza nos esteja a dar uma lição, a ensinar a crescer como os ramos, na harmonia do florescer, ou no Amor no nascimento de uma fruta.
Nasce uma nova aurora, e o sol brilha de forma diferente, assim como cantam os pássaros, votaram as gaivotas ao mar, a natureza renova as suas energias, numa sinergia que reencontra o equilíbrio.
Sabes o que magoa
Nada será como era…
Juntos, vamos vencer
Se todos cumprirmos as regras de confinamento e de uma nova sociabilização.
Recordar as palavras sentidas é ter a certeza que vivemos e sentimos,
É ter a certeza que seguimos novos caminhos…
Namasté
Até breve com novos “sentir”, novos “amar”…
Foto: pesquisa Google
01mai20