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Desconfinamento confinado, ou confinamento desconfinado

Carla Ribeiro

 

 

Atravesso a rua e todo parece normal.

A vizinha está à janela, como sempre, a cumprir religiosamente a sua profissão de câmara de videovigilância, o vizinho puxa do cigarro e saboreia aquele momento com a naturalidade de outrora.

Passa o miúdo a correr para ir comprar o pão, e cruzo-me no meu caminho com umas tantas pessoas, e nenhuma de máscara e luvas, que mudam de passeio para não se cruzarem comigo, estou a cumprir as regras, posso estar infetada.

Desconfinamento confinado, ou confinamento desconfinado

Pergunto-me a mim mesma, estarei eu errada, ou anda tudo tão cego por uma normalidade que não vai mais existir.

Preocupa-me esta falta de cuidado, este desconfinar desregrado e descuidado, esta forma fácil de vida, que se passa de uma lado para o outro sem qualquer preocupação.

Baixaram-se as “guardas”, levantou-se o véu do confinamento, mas a mim parece-me mais que se desconfinou sem regras e sem cuidados.

Este vírus que veio mudar as nossas vidas, alterou as nossas rotinas, e nos fere silenciosamente, veio para ficar, até que a ciência e a dedicação de tantos profissionais encontrem uma forma de o combater e degolar.

Desconfinamento confinado, ou confinamento desconfinado

Pergunto-me tantas vezes, onde coloco eu agora os valores que aprendi, que passei para o meu filho e que são os meus valores de vida.

Sempre vivi num conceito de família alargada, em ter presente na minha vida a família próxima e dar-lhes o acompanhamento necessário, valores que não são só meus, mas de muitas pessoas que compõem a nossa sociedade.

Como se pode viver neste confinamento, desta forma vil com que nos afastam o que é o nosso sangue, quando eles mais necessitam de nós?

Como podemos viver, sem poder abraçar, sem olhar, sem beijar, aqueles que amamos.

E, se por azar, ou simples destino da vida, necessita de ser internado, ficamos confinados apenas a ter que esperar, que alguém do hospital nos ligue para dar notícias.

Onde se guarda a dor, onde fica o desconfinar tão falado, que nos confina a vida e o direito de estar ao lado dos que Amamos?

Castram-nos, violam-nos, confinados neste confinamento, desta pandemia cruel e vil, silenciosa, que nos muda as regras e nem a dor nos deixa sentir,

A olhar no olhar,

A abraçar no colo, a segurar na mão,

A beijar no rosto,

A ouvir a melodia de um sorriso,

Ou a ferocidade de um grito de dor.

Desconfinamento confinado, ou confinamento desconfinado

Como que em prisão domiciliária.

Como quem cumpre uma pena, sem cometer um crime.

Como quem sente no silêncio, chora na solidão, que rasga a alma de dor.

Desconfinamento confinado, ou confinamento desconfinado

Confinados neste desconfinamento, que nos veste de regras, que nos impõem barreiras, nos rouba o sol, e o direito de dar a mão, de Amar.

Fecham-se as portas,

Apagam-se as luzes,

E percebemos,

Que lutamos contra a luta,

Sofre-se sem se ver,

Chora-se por não se ouvir,

Rasga-se a alma na ausência.

Desconfinamento confinado, ou confinamento desconfinado

Perde-se no Amor, nessa necessidade imperiosa de ver, de sentir na pele, de sorver o perfume.

Na clausura deste desconfinamento desconfinado, onde todos mudam as regras, e cada vez menos se cumprem os cuidados imperativos para vencer este vírus, sem cor, sem odor, que mora nosilencio, deixa-se de Amar.

Necessitamos Amar.

Mereces ser Amado.

Precisamos de Amar.

Porque choramos, precisamos de viver.

Desconfinamento confinado, ou confinamento desconfinado

É urgente sentir-me, chorar-me, viver-me, porque eu sinto-me…

Recordar as palavras sentidas é ter a certeza que vivemos e sentimos, é ter a certeza que seguimos novos caminhos…

 

Namasté

Até breve com novos “sentir”, novos “amar”…

 

 

01jul20

 

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