Bruno Ivo Ribeiro (*)
O Universo que me abarca e pelo qual sou abarcado, sangra-me, transcreve-se, e dilata-se. O poema que não escrevi, é a lágrima amortalhada sobre a qual talho exéquias fúnebres. Presido ao cortejo que em breve sepultará o poema não cantado, e a flor de Maio não rompeu, porque o poema de Abril não foi por isso escrito. Sem meses e sem tempo é onde habito, sem história nem estórias, sou a intempestiva intemporalidade do eterno ser em porvir.
Na intemporalidade habito o desconhecido, e no não-tempo sou resto de sonho a desfazer-se em poeira no Universo todo. Sou peça sem pedaço, e dou pedaço de sonho de mim mesmo, sendo a outra parte de mim, peça apartada do voraz desconhecido em que habito.
Na confusão me ilumino, e na chuva me encontro. Sou lágrima que precipita e sou árvore que rasga a terra, só para poder abarcar o mundo em mim mesmo.
No dia em que não for parte da Natureza, no dia em que a Natureza não me constituir, não mas serei eu. Nesse dia, não mais serei.
Estou plantado ante o abismo, e tenho claustrofobia de mim. Estou debruado de húmus e respiro a terra mãe que me pariu. Sou lama entre as folhas do outono passado, sou lágrimas entre a neve que há pouco derreteu, e sou lírio primaveril a florir em todas as estações. Do verão colho os doces frutos, para poder depois admirar o crepitar das fogueiras outonais, que de tão simples, são as mais puras manifestações de Prometeu.
Não, não prometi nada. Sim, sim abjurei a todo o que conheço.
Abjurei e abjuro de tudo o que conheço só para me libertar das amarrar da vida frívola a que nos obrigam a viver. Não, não creio em demónios, pois que vejo humanos.
Não, não creio em deidades, creio somente na divindade.
Não, não sou da religião, sou só religioso. Somente me religo, e desde logo a mim mesmo, e ao Universo em mim.
Acendo a candeia, ao pensar em pousá-la, e sou, afinal, tão hipócrita e tão falso como os poetas desterrados desta vida, que acendiam um cigarro na esperança de que este servisse de incenso para a alma.
Não, não sou poeta, sou Bruno.
Não, não minto, escrevo, e escrever só se faz com o coração.
Não, não tenho outra tinta que não o sangue. Não, não bebo de outra água senão daquela salgada que da alma transborda.
Sou Bruno, e por isto escrevo…
(*) texto e foto
01set20