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Geração de 70 – Grupo dos Sonhos

Carmen Navarro

 

Devo fazer notar, que não sou propriamente uma investigadora do século XIX. Este é um tema que exige uma reflexão profunda e este não é o espaço para tal.
Vamos genericamente abordar o que fez a revolução estética, artística e política que mudou um pouco a maneira como a sociedade bacoca e atrasada que se vivia na época foi abalada pela Geração de 70.

Já antes de 70, Antero de Quental, manifestava o atraso em que se vivia. Em 1865, Antero publica as “Odes Modernas” e rompe com academismo romântico, uma nova forma de poesia e literatura nasce com a marca de um, período literário novo, onde está presente a irreverencia, uma visão mais realista, caracterizada pela ação social, outra forma de exprimir emoções, Antero de Quental adota uma forma mais revolucionária, menos romântica, e revela o desejo de mudança, na  maneira de pensar.

Amem a noite os magros crapulosos
E os que sonham com virgens impossíveis,
E os que se inclinam, mudos, impassíveis,
À borda dos abismos silenciosos…

Tu, Lua, com teus raios vaporosos
Cobre-os, tapa-os, e torna-os insensíveis,
Tanto aos vícios cruéis e indistinguíveis,
Como aos longos cuidados dolorosos!

Eu amarei a santa madrugada,
E o meio-dia, em vida refervendo,
E a tarde rumorosa e repousada.

Viva e trabalhe em plena luz; depois,
Seja-me dado ainda ver, morrendo,
O claro Sol, amigo dos heróis!

Soneto de Antero

Os sopros vindos da Europa, nomeadamente da França e da Alemanha, despertaram para outros veres, a política e a economia, para todo o atraso em geral.

Pela oposição dos antigos, e dos modernos nasce uma geração que quer inventar a vida, com novas ideias.

Assim nasce a ideia de Geração a partir do século XIX. Grupo de jovens adultos de idades aproximadas, 25/30 anos que, comungam das mesmas ideias estéticas, mais ou menos na mesma altura. Este intelectuais começam a manifestarem-se por volta 1865, data do inicio da Questão Coimbrã, que veio destabilizar o marasmo confortável que se vivia na época.

Eu, que vivi e observei
no foco irradiante da moderna concepção
das reivindicações sociais,
testemunho, de visu,
que os mais preclaros apóstolos
da igualdade não gostavam da multidão,
porquê lhes cheirava a gente;
não se aproximavam dos miseráveis,
porque receavam o seu contacto,
que lhes sujava o brilho do fato
e lhes transmitia o micróbio patogénico
de várias moléstias infecciosas,
e confessavam, desdenhosamente, o seu asco
pela porcaria revoltante do Senhor-Povo,
a que enalteciam e lisonjeavam
nas frases campanudas dos seus discursos,
ou dos seus escritos demagógicos e igualitários.

Eça de Queiroz

Em 1870 começaram em Coimbra nos bancos da Universidade a aparecer os jovens intelectuais com vozes dissonantes que discordavam da pasmaceira e ronceirismo, as convenções sociais obsoletas de uma burguesia cheia de preconceitos e do ferrete de uma religião castigadora, em que o país vivia parado no tempo, e que começaram a incomodar muito aqueles que, pensavam que viviam num paraíso intocável, lá isso era, pois não havia opiniões discordantes do que estava estabelecido era uma doçura, só se enaltecia o passado glorioso, fazendo vista grossa às mazelas do país, à modernidade e à própria civilização. E assim nasce a geração de 70, gloriosa e de muitos sonhos que, unicamente queria modernizar o país, na luta contra o obscurantismo.

Começou por ser constituído por uma elite de jovens intelectuais de que fizeram parte deste grupo alguns dos maiores do país. Inicialmente este Grupo era conhecido como Dissidentes de Coimbra. Alguns dos nomes que inicialmente se destacaram: Antero de Quental que, foi um dos introdutores do socialismo em Portugal, tinha todas as qualidades para ser líder natural. Eça de Queiroz, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Teófilo Braga, Guerra Junqueiro, Manuel Arriaga, Jaime Batalha Reis, Guilherme de Azevedo, Adolfo Coelho, Augusto Seromenho, este Grupo foi a vanguarda intelectual de Portugal.

O realismo, o romance, a poesia, o jornalismo, a própria crítica literária, o ensaísmo filosófico e a historiografia foram as faces mais visíveis deste movimento.

Parasitas

No meio duma feira, uns poucos de palhaços

Andavam a mostrar, em cima dum jumento

Um aborto infeliz, sem mãos, sem pés, sem braços,

Aborto que lhes dava um grande rendimento.

 

Os magros histriões, hipócritas, devassos,

Exploravam assim a flor do sentimento,

E o monstro arregalava os grandes olhos baços,

Uns olhos sem calor e sem entendimento.

 

E toda a gente deu esmola aos tais ciganos:

Deram esmola até mendigos quase nus.

E eu, ao ver este quadro, apóstolos romanos,

 

Eu lembrei-me de vós, funâmbulos da Cruz,

Que andais pelo universo há mil e tantos anos,

Exibindo, explorando o corpo de Jesus.

Guerra Junqueiro

Algumas das personalidades envolvidas na Questão Coimbrã, quando estudantes em Coimbra, encontram-se mais tarde, em Lisboa. Antero de Quental, Eça de Queirós e Teófilo Braga acabando-se por se lhes juntar, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins e Guerra Junqueiro (entre outros) e criam, em 1871, as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense.

As Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, realizaram-se de 22de Março a 26 de junho de 1871, a  estes  Pensadores passou a ser então chamado Grupo do Cenáculo, ou Geração de 70 que foram uma réplica à anterior Questão Coimbrã. Estas conferências, pretendiam chamar a atenção para a revolução nas diversas ciências, refletir sobre a política e a implantação de novas ideais políticas, para o positivismo, evolucionismo, para o realismo na arte e essencialmente para a Internacional Socialista, economia , uma nova forma de encarar a cultura e uma dinâmica reformista no Portugal do seu tempo.

Das dez conferências previstas, apenas foi possível realizar Cinco:

1.ª – “O Espírito das Conferências”, 22 de maio, por Antero de Quental

2.ª – “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, 27 de maio, por Antero

3.ª – “Literatura Portuguesa”, por Augusto Soromenho

4.ª – “A Literatura Nova” ou “O Realismo como nova expressão da arte”, por Eça de Queiroz;

5 .ª – “A Questão do Ensino”, por Adolfo Coelho, a 19 de junho.

Já tinham a 6ª Conferência, preparada e a 26 de junho as Conferências encerraram por portaria Governamental, acusadas de afrontar a religião e as instituições do Estado. Antero de Quental redigiu um protesto veemente, com o titulo “Eu sou Socialista” ao Ministro responsável pela censura, choveram cartas nos Jornais, mas de nada adiantou.

Mais tarde sobre as Conferências, Eça de Queiroz escreve nas Farpas: –  «era a primeira vez que a revolução sob a sua forma científica tinha em Portugal a sua tribuna».

Conferências não realizadas:

6.ª- Os historiadores críticos de Jesus, por Salomão Saragga

7.ª- O socialismo, por Jaime Batalha Reis

8.ª- A república, por Antero de Quental

9.ª – A instrução primária, por Adolfo Coelho

10.ª- A dedução positiva da ideia democrática, por Augusto Fuschini

Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão continuaram a publicar nos jornais, em forma de folhetim “AS Farpas” onde não deixaram de fazer as suas criticas certeiras. Um ano depois, Eça de Queiroz deixou, pois tinha sido colocado como Cônsul no estrangeiro e Ramalho Ortigão continuou a publicar.

Duas décadas mais tarde, alguns dos interventores nestas conferências, juntaram-se formando o Grupo dos Vencidos da Vida, apesar de terem  desempenhado os mais altos cargos políticos e culturais da época. Apesar de tudo isto, no fim da sua vida, esta geração não vê em Portugal todos os avanços com que tinham sonhado.

A história tem que ser vista à luz do seu tempo.

Época riquíssima de intelectuais  sedentos de mudanças.

Por isso mesmo, muito fica por dizer!

 

 

Fotos: pesquisa Google

 

01set20

 

 

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