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Ruy Belo – Era Uma Vez Um Poeta

Carmen Navarro

 

 

Ao Escrever, independente do valor do que escrevo, uma coisa me fica, temos que prestar um preito de justiça aos nossos poetas portugueses que são grandiosos.

Neste pequeno apontamento, não temos a pretensão de fazer análise aos poemas divulgados, apenas queremos lembrar um grande poeta da segunda metade do século XX e alguns dos seus poemas, que certamente não são os mais estudados, mas esta escolha é simplesmente uma questão de gosto pessoal. Este trabalho é um pequeno tributo ao poeta, e este Jornal não é uma revista literária.

Fazer verdadeira poesia não é uma dádiva dos deuses, mas o fruto de grande lavor, é todo um trabalho liminar, emendar e corrigir até chegar à simplicidade que nos toca.

A poesia está sempre em construção. O poeta pensa, escreve, o leitor tem uma interpretação, mas vem outro que lhe dá uma outra e assim ela nunca é definitiva, está sempre em construção…

A poesia de Ruy Belo representa a ponte de passagem, como se de um fio condutor existisse entre a tradição Camoniana e Pessoana, ela é luminosa e de extraordinária riqueza literária e humana.

Muriel

Às vezes se te lembras procurava-te

retinha-te esgotava-te e se te não perdia

era só por haver-te já perdido ao encontrar-te

Nada no fundo tinha que dizer-te

e para ver-te verdadeiramente

e na tua visão me comprazer

indispensável era evitar ter-te

Era tudo tão simples quando te esperava

tão disponível como então eu estava

Mas hoje há os papéis há as voltas dar

há gente à minha volta há a gravata

Misturei muitas coisas com a tua imagem

Tu és a mesma mas nem imaginas

como mudou aquele que te esperava
[…]

Ruy Belo

Na poesia de Ruy Belo encontramos insatisfação, angustia, tristeza, solidão, escuridão, amor, morte, nostalgia da infância, e por vezes um pouco  irónica, mas sempre a palavra que define o homem só, mas sempre atento ao que o rodeia, e desencantada da vida. As vezes as considerações sobre a mulher dão lugar a uma meditação sobre a condição humana.

Esplendor na relva.

Esplendor Na Relva

Eu sei que deanie loomis não existe

mas entre as mais essa mulher caminha

e a sua evolução segue uma linha

que à imaginação pura resiste

 

A vida passa e em passar consiste

e embora eu não tenha a que tinha

ao começar há pouco esta minha

evocação de deanie quem desiste

 

na flor que dentro em breve há-de murchar?

(e aquela que no auge a não olhar

que saiba que passou e que jamais

 

lhe será dado ver o que ela era)

Mas em deanie prossegue a primavera

e vejo que caminha entre as mais

 

Ruy Belo, Homem de Palavra[s]

Ruy Belo foi um deslumbrado com aquelas coisas comezinhas de todos os dias, Talvez por isso mesmo tenha dedicado a sua vida à poesia. Com uma escrita exigente, não muito direta a certa altura deixou de usar maiúsculas e quase nenhuma pontuação, para não interferir na interpretação do poema, o que por vezes não é tão acessível aos mais desprevenidos pela sua subjetividade.

Ruy Belo era de opinião que nenhuma palavra deve levantar a cabeça acima das outras.

É de salientar a admirável subtileza do plural entre parênteses no titulo “Homem de Palavra(s) é só um indicio marcante de uma caraterísticas marcante da poesia de Ruy Belo. A sua musicalidade inconfundível é uma poesia destinada a voz como desejando sempre oralidade.

A poesia é ponto de ligação entre o poder divino e a liberdade humana.

O Valor do Vento

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento

O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e

só entram nos meus versos as coisas de que gosto

O vento das árvores o vento dos cabelos

O vento do inverno o vento do verão

O vento é o melhor veículo que conheço

Só ele traz o perfume das flores só ele traz

a música que jaz à beira-mar em agosto

Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento

O vento actualmente vale oitenta escudos

Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

Ruy Belo

Os seus textos poéticos caracterizam-se pela intimidade e a transmissão de emoções sejam citadinas ou rurais.

É nas reflexões poéticas sobre Deus que a problemática religiosa atinge uma particular densidade.

Dois grandes poemas com os quais já prestamos Tributo a Ruy Belo: “A Fonte da Arte” e  “A Margem da Alegria”, ambos encenados e ditos por diversas pessoas no Clube d’avós e Poetas” em“Noites de Poesia”.
A Margem da Alegria é sem duvida, dos pontos altos de toda a poesia portuguesa. O poema é um canto repleto de energia rítmica.

O Livro “Homem de Palavra(s) é um livro realista que se situa para além do realismo.

Falamos do Poeta, vamos falar um pouco do homem.

Ruy de Moura Ribeiro Belo nasceu a 27 de fevereiro de 1933, em S. João da Ribeira, Rio Maior, Santarém na casa que hoje tem o seu nome.

E Tudo Era Possível

Na minha juventude antes de ter saído

da casa de meus pais disposto a viajar

eu conhecia já o rebentar do mar

das páginas dos livros que já tinha lido

 

 Chegava o mês de maio era tudo florido

o rolo das manhãs punha-se a circular

e era só ouvir o sonhador falar

da vida como se ela houvesse acontecido

 

 E tudo se passava numa outra vida

e havia para as coisas sempre uma saída

Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

 

 Só sei que tinha o poder duma criança

entre as coisas e mim havia vizinhança

e tudo era possível era só querer

 

Ruy Belo

Licenciou-se em Direito na Universidade de Lisboa e em Filologia Românica, fez Doutoramento em Direito Canónico na Universidade Gregoriana de Roma.

Pertenceu à Opus Dei como membro numerário. Em 1961 abandonou a Instituição.

Quando regressou a Lisboa assume brevemente o cargo de diretor adjunto no Ministério da Educação Nacional de então, mas o facto de se ter envolvido nas lutas estudantis e na greve académica dos anos 60, e na sua candidatura a deputado nas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, despertaram o interesse da policia política que o passou a vigiar e condicionou a sua progressão profissional.

Trabalhou num escritório de Advogados como canonista.

De 1971 a 1977 trabalhou como leitor de Português na Universidade de Madrid, (apesar dos impedimentos da Pide,) cargo que desempenhou com brilho invulgar, no entanto não teve reconhecimento diplomático.

Em Madrid, publicou o muito falado “ Encontro de Garcilaso de La Vega com Dona Isabel Freire em Granada no Ano de 1526”

Quando regressou a Lisboa tentou em vão ser professor da faculdade de letras de Lisboa o que não conseguiu.

Por incrível que possa parecer uma pessoa com os seus conhecimentos apenas conseguiu dar aulas nos cursos noturnos para adultos na Escola Técnica do Cacém.

Ruy Belo é um poeta de grande representatividade na poesia portuguesa contemporânea, além de ensaísta e crítico literário. Teve nove livros publicados entre 1961 e 1978, ano de sua morte,

A sua última obra, “Despeço-me da Terra da Alegria” ainda foi preparada pelo autor em 1977, mas lançada somente após seu falecimento.

Alguma da Bibliografia de Poesia de Ruy Belo

1961- Aquele Grande Rio Eufrates, Edições Ática.

1962- O Problema da Habitação- Alguns Aspectos. Col. Círculo de Poesia. Morais Editores

1966- Boca Bilingue, Edições Ática

1970- Homem de Palavras(s), Col. Cadernos de Poesia, Publicações D. Quixote

1972- Aquele Grande Rio Eufrates 2º ed.,

1973- Transporte no Tempo, com prefácio do autor, Col. Círculo de Poesia, Morais Editores

País Possível, com Prefácio do autor, Col. Cadernos Peninsulares, Assírio &Alvim

1974- A Margem da Alegria, Col. Círculo de Poesia, Morais Editores

1976- Toda a Terra, Col. Círculo de Poesia, Morais Editores

1977-Despeço me da Terra da Alegria, com desenho de José Rodrigues. Col. O Oiro do Dia, Inova

1978- Homem de Palavra(s) 2ªedição, com prefácio do autor. Editorial Presença ( A minha já é a 5ªedição)

Ensaios, Criticas, Traduções, Edições de outros autores organizadas por Ruy Belo. A sua Obra está traduzida em outras línguas.

Esta bibliografia não tem caráter exaustivo.

Postumamente em 2001, a sua obra foi organizada em três volumes com o titulo “Todos os Poemas” da Editora Assírio &Alvim.

Textos críticos e ensaísticos estão reunidos em um volume “ Na Senda da Poesia

Apesar da brevidade da sua vida, 1933-1978, a sua obra é considerada uma obra cimeira e continua a ser objeto de estudo, admiração, e de imitação também.

(Os poemas publicados não obedecem a uma ordem cronológica)

 

Fotos: pesquisa Google

01out20

 

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