Menu Fechar

Canção de Outono

Lurdes Pereira

(texto e fotos)

 

 

Sento-me nesta cadeira, junto ao varandim da casa da Comenda, neste longo e autêntico miradouro, e contemplo a tarde de Outono. Antes das primeiras chuvas, ainda o mosto liberta algum aroma das prensas e lagaradas, ainda as vinhas gemem o odor suado das vindimas, ainda há cachos de uvas esquecidos nas videiras, ainda há respigo e netinhas que vão saciando a saudade do Estio que colheu o melhor do néctar.

Sim, a tarde foi pintada, aqui, na aldeia onde habito, Barrô, no sopé de Montemuro. Miguel Torga não sabia e eu também “não sei quem foi o pintor” que derramou a paleta de cores e transformou os verdes e o esplendor de milhões de cores numa explosão de dualidades. Rendilhados e aveludados, nobres e humildes, simples e arrojados, robustos e delicados, cores, muitas folhas coloridas, gulosas que se maneiam ao sabor do vento exibindo toda a vaidade… a natureza subiu o último degrau, atingiu a magnificência e explodiu a experiência da vida na festa das cores.

O Outono tem a canção do vento, tem o bailado das folhas, tem o perfume das heras verdes incendiadas pelo doce zumbido das abelhas… E a tarde vai refletindo as suas pinceladas na tela dourada numa ode à perfeição. Por isso, também a mim hoje me apeteceu escrever, apeteceu-me registar e encher a câmara com tantos registos como enchem as folhas coloridas estas vinhas serpenteadas.

Aqui reina o mistério do universo no antagonismo do ciclo e da vida.

Outono é saudade e o sopro feroz varre, varre para longe as folhas secas de Outono. São tantas as folhas a desenhar caminhos, a bordar os campos, a dançar ao vento, a encher riachos transbordando degradês de cores.

Não, o Outono não é despedida o Outono é a preparação das telas para a Primavera. São tantas as folhas e as cores que hão-de renascer na Primavera e o novo ciclo voltará a colocar tudo no seu devido lugar.

E como Cecília Meireles pintou as palavras da Canção de Outono:

“Certa de que tudo é vão.

Que tudo é menos que o vento,

Menos que as folhas do chão…”

A dança das folhas são uma reflexão e a canção do Outono é o início da perfeição!

 

01nov20

 

Partilhe:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.