O “Etc e Tal” inicia, neste número, uma entrevista com o coronel Castro Carneiro, a qual se prolongará por mais algumas edições. Trata-se do reencontro com um capitão de Abril; com um homem que, com outros capitães, ajudou a abrir as portas de Portugal à democracia, a uma Europa em mudança, derrotando, de uma vez poer todas, décadas de fascismo., ostracismo, colonialismo, repressão, prisão, tortura e outros atentados, um dos quais ao da liberdade de expressão
Muitos do que isto leem nem saberão, por certo, o significado prático de “fascismo”, mas os que o sabem, se calhar ainda não deram o devido valor à luta destes homens que, no terreno, e enfrentando enormes adversidades, correndo risco de vida, lutaram por um novo Portugal, chefiando tropas que os ajudaram a concretizar o 25 de Abril, e, elas mesmas, a libertarem-se de uma guerra sem-fim.
É à conversa que, de seguida, vamos estar. À conversa com um homem que nasceu na portuense freguesia de Cedofeita, há 75 anos, mas que é mais de Vila da Ponte, em Sernancelhe, onde foi criado e cresceu para a vida.
Castro Carneiro é dos tais senhores que não tem papas na língua, e, com responsabilidade, assume tudo o que diz, como assumirá tudo o que dirá de seguida.
Considerado, por muitos, o “Salgueiro Maia” do Porto, pois na Invicta, e no terreno, desenvolveu um papel parecido com o seu camarada e amigo, ícone da Revolução de Abril, salvaguardando as devidas distâncias quanto às exigências que um e outro tiveram de dar resposta.
Mas, ambos ajudaram, juntamente com outros capitães e soldados, a restituir liberdades… e isso não pode, nem deve, ser esquecido.
Ora, por isso mesmo, abrimos este espaço, a quem esteve no terreno, a quem lutou combatendo, a quem deu tudo de si pelos outros… por uma nação que ainda dá pelo nome de Portugal.
A palavra, então ao coronel Castro Carneiro, que desmistificará, por assim dizer, os ainda atuais “reumáticos” que enfatizam algo, que em seu entender é surreal, ou seja, que a Guerra Colonial estava ganha…
José Gonçalves Carlos Amaro
(texto) (fotos)
I – A GUERRA COLONIAL
Há quatro anos estivemos juntos, numa entrevista, precisamente, neste jornal, tendo prometido, para mais tarde, uma análise detalhada, sobre a Guerra Colonial, que afetou milhares e milhares de portugueses, contrariando certas posições, ou reações, que, ainda hoje, carecem de factualidade. Comecemos, então, pela Guerra Colonial, para depois abordarmos vários e importantes assuntos até ao 25 de Novembro, inclusive…
A Guerra Colonial estava, ou não estava, ganha?
“É verdade. Há quem diga, ainda hoje, que a Guerra Colonial estava ganha! Todos vocês ouviram… generais e tudo, a afirmar isso. Penso que a verdade, relativamente, a esta questão deve ser desmontada… tem de ser posta a nu!”
O que é que tem de ser posto a nu?
“A verdadeira intenção da mistificação que é afirmar que «A Guerra Colonial estava ganha»”.
E não estava?
“Não! Estas guerras nunca se ganham. E faço questão de vos explicar como esta guerra que, dizem, estava ganha… estava inexoravelmente perdida. Uma coisa é aquilo que se diz, outra é a realidade que nós vivemos durante 14 anos.
Primeiro, na Academia Militar, começamos logo por ficar a saber que estas guerras não se ganham… não são os exércitos convencionais quem as ganha. Nenhum as ganhou e, como tal, nós também não a íamos ganhar.
O próprio general Spínola, ex-comandante na Guiné e vice-chefe do Estado Maior General das Forças Armadas, no livro “Portugal e o Futuro”, isto antes do 25 de Abril, dizia que «pretender ganhar uma Guerra subversiva através de uma solução militar é aceitar de antemão a derrota, a menos que se possuam ilimitadas capacidades para prolongar indefinidamente a guerra, fazendo dela uma instituição», ou seja, isto nada tem a ver connosco… é evidente que a gente não podia prolongar indefinidamente a guerra. Como ninguém a pôde prolongar até ganhar! Nem os ingleses, nem os franceses, nem os americanos… ninguém!
E, Spínola, acrescentava numa outra passagem, e era um pouco aqui onde queria chegar: «se não podemos aceitar a ideia que seja em vão tanto sacrifício» – e já vamos ver quanto, em sangue, custou este sacrifício – «tão pouco podemos admitir que hoje se morra para que amanhã continue a morrer-se.», e foi aquilo que a andámos a fazer durante 14 anos, porque, politicamente, ninguém quis arranjar a solução para ela”.
“TRAVÁMOS UMA GUERRA EM TRÊS FRENTES, A 25 MIL QUILÓMETROS DE DISTÂNCIA DA METRÓPOLE”
Uma Guerra com, e de, distâncias consideráveis…
“Ora bem. Tivemos três teatros de operações, a Guiné, Angola (onde estive) e Moçambique. A distância entre Lourenço Marques (a mais distante) e Lisboa são 13 mil quilómetros. Entre Luanda e Lisboa, oito mil e quinhentos quilómetros. Entre Bissau e Lisboa, três mil quilómetros. Ou seja, se somarmos isto tudo, temos à volta de vinte e cinco mil quilómetros. Quer isto dizer que travamos uma guerra com três frentes, a 25 mil quilómetros de distância da Metrópole.
Só para vos dar uma ideia, para os americanos – nós somos 10 milhões e eles 250 milhões – o Vietnam estava a 13 mil quilómetros. Quanto tempo os americanos aguentaram no Vietname? Este é o primeiro dado que quero dar a conhecer”.
E quanto ao dispositivo militar em Angola, Guiné e Moçambique, em 1961, ou seja, quando começou a Guerra Colonial, e o existente em 1974?
“Em 1961, tínhamos, em Angola, cinco mil homens; na Guiné, dois mil, e em Moçambique, três mil. Quando começou o terrorismo pusemos 30 mil homens em Angola, passámos dos dois mil para cinco mil na Guiné, e, em 1964, quando começou a guerra em Moçambique, passámos de dez mil para 20 mil homens.
Até que, em 1974, os efetivos militares eram os seguintes: Angola, 70 mil homens, na Guiné, 30 mil, e em Moçambique, 50 mil homens, e todos os Comandantes-chefes nesses Teatros de Operações pediam sempre mais gente, porque o território que ocupavam – Angola, Guiné e Moçambique – era não sei quantas vezes maior que Portugal, portanto, pedir mais gente, não era pedir muito! E atenção que começámos não só a mobilizar gente de cá, de Portugal, mas também gente das próprias colónias.
Nós passámos em 1961 – em relação ao pessoal natural da província -, de dez mil soldados para 62 mil. Mobilizados aqui em Portugal, em 1961 tínhamos 45 mil soldados, e em 1974, 88 mil. Ou seja, em 1961 tínhamos um exército de 55 mil homens e em 1974 de 150 mil”.
E era possível, então, enviar mais gente?
“Digo-lhe, para já que em 1970, 71 e 72, do que se podia recrutar em Portugal foram 88 mil homens em 1970, e 90 mil em cada um dos dois anos seguintes o que esgotava completamente o recrutamento possível. Começa, então, a ficar evidente a solução para a qual… não há saída. Não havia mais gente para enviar.
De salientar, que, desde 1961 a 1974, a nossa unidade de combate sempre foi a Companhia. Tínhamos 130 Companhias de Combate em 1961, e em 1974 já estávamos com quase 500 Companhias de Combate, continuando os comandantes a pedir mais gente, que como vimos, já não havia.
Para além disso verificou-se ainda uma outra coisa que nunca poderia ter acontecido: em 1961, 86 por cento dos capitães eram do Quadro Permanente (QP) e 13 por cento eram milicianos. A partir de 1965, o número de capitães do QP começa a diminuir e o número de milicianos a aumentar, para, em 1968, termos 56 por cento de capitães do QP e 43 por cento de milicianos. Em que é que isto se traduz concretamente? Na pior instrução da tropa; na pior preparação dos militares…”
“AS COISAS PIORARAM A UM NÍVEL QUE NÃO ERA POSSÍVEL AGUENTAR MAIS”

Milicianos que atingem o seu número máximo, precisamente, em 1974…
“Exatamente em 1974, 78 por cento dos capitães são milicianos, e apenas 21 por cento são do Quadro”.
Estes números demonstram. No fundo, uma contínua decadência do Exército português no, então, Ultramar…
“Absoluta! Não havia volta a dar.”
E isso foi um dos motivos, para que a Guerra tenha terminado?
“O que lhe vou dizer é que este tipo de desequilíbrio se paga com sangue, porque a preparação é pior; porque o comando é pior; porque a disciplina é pior. Ou seja, tudo piorou!
Portanto, nós tivemos 13 anos de Guerra, e, como é perfeitamente normal, as coisas pioraram a um nível que não era possível aguentar mais!
Mas, o problema do pessoal e do comando não é o único que existe.
Aquela alteração que o General Spínola introduziu no Programa do MFA ao omitir o termo “Descolonização” referindo apenas “o lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz” também teve importantes consequências. Como atrás referi tudo isto foi “pago em sangue”: assim na Guerra Colonial tivemos 3251 mortos, em Angola, 250 dos quais foram depois do 25 de Abril; em Moçambique 2968 mortos, e na Guiné, 2070. Feridos graves: 15500, e não estou a incluir o stress pós-traumático que ainda hoje marca todos, ou quase todos os que por lá andaram.
A GUERRA COLONIAL FEZ MAIS DE OITO MIL E DUZENTOS MORTOS
Portanto, um total de mais de oito mil e duzentos mortos na Guerra Colonial…
“…E 502 depois do 25 de Abril! Toda a gente diz também que os oficiais do quadro, se protegiam – e outros disparates do estilo -, ao obrigar os soldados a andar no terreno e eles… de lado. O número total de Oficiais do Exército do QP mortos em combate (desconheço o número de Sargentos, que também morreram), desde o posto de Alferes (comandantes de Pelotão) até ao posto de Tenente-Coronel (comandante de Batalhão) foi de 32 sendo que 17 eram capitães. Os capitães, neste contexto, têm um número maior de mortes, porque eram eles que faziam a Guerra. Eram eles que sofriam os ataques, as emboscadas, que faziam as operações, as colunas, etc., normalmente desde que os efetivos empenhados nessas circunstâncias fossem superiores a Pelotão.
Se pensarmos que apenas 58 por cento das 1860 Companhias de Combate que Portugal mobilizou foram comandadas por capitães do QP facilmente concluímos que o QP não fugiu da Guerra.
E tenho aqui mais um número “engraçado”. Se quisermos estabelecer uma comparação com a Guerra do Vietname – e isto é proporcional à respetiva população – nós empenhamos nove vezes mais efetivos que os americanos, e tivemos cinco vezes mais baixas do que as que eles registaram no Vietnam. Ou seja, quando a gente vê nos filmes americanos que o Vietnam foi um horror, a verdade é que nós passamos por esses horrores todos cinco vezes mais graves do que os deles”.
“ELES TINHAM ARMAMENTO QUE A GENTE NÃO TINHA. E QUANDO COMEÇARAM A TER MÍSSEIS, PERGUNTO: COMO É QUE NÓS NOS AGUENTAMOS TANTO TEMPO?”
E, isso, sem os meios que as tropas estadunidenses tinham…
“Isso sem a mais pequena dúvida! Em 1974, só para munições – e este é um estudo feito pelo Estado-Maior do Exército –, eram precisos um milhão e duzentos mil contos para a Guerra Colonial, e a verba que estava atribuída era de 200 mil contos.
Para material eram precisos 13 milhões de contos, a verba atribuída era de cerca de um milhão de contos. E atenção a este facto: desde 1970, sempre combatemos em inferioridade tecnológica com os movimentos de libertação.
O que quero dizer com isto? Quero dizer que a espingarda deles era melhor que a nossa; quero dizer que os morteiros deles eram melhores que os nossos; quero dizer que os lança-granadas deles eram melhores que os nossos; quero dizer que eles tinham armamento que a gente não tinha. E quando começaram a ter mísseis, antiaéreos acabaram todas as nossas hipóteses de continuar a fazer a guerra como ficou provado na Guiné.
Falou-se na altura – está na História – que o material utilizado pelas tropas inimigas, na Guerra Colonial, era de fabrico soviético. Verdade?
“E não só. Era a Rússia e eram os Estados Unidos entre outros, porque a ideia sempre foi a disputa das colónias portuguesas. Talvez o apoio da União Soviética tenha sido maior.
Eu estive, de 1971 a 1973 na zona Norte de Angola, onde estava implantada a FNLA, no Sector de São Salvador, junto à fronteira com a República Democrática do Congo, mais exatamente a cerca de doze quilómetros da fronteira, e só lhe posso dizer que quem apoiava a República Democrática do Congo não era a União Soviética.
De salientar, entretanto, que o MPLA estava implantado no Leste, onde eu também estive. E na zona centro de Angola era a UNITA. Mas, no Leste não estávamos a conseguir parar o MPLA…”
“PORTUGAL APOIOU A UNITA EM TERMOS LOGISTICOS E SANITÁRIOS, ATÉ UMA CERTA ALTURA…”
A UNITA estava mais próxima de receber apoio dos Estados Unidos do que da União Soviética?! Ou não?
“A UNITA é um caso curioso. Se calhar, de onde recebeu alguns dos apoios de combate que teve foi de Portugal”.
A UNITA recebia apoio de Portugal contra os portugueses na Guerra?!
“Não! A ideia sempre foi – e essa a razão pela qual o General Costa Gomes também disse que, no tempo dele, a Guerra estava ganha -, que a UNITA combatesse o MPLA. Não lhes dávamos armas, como é evidente, mas prestávamos-lhes apoio médico e outros apoios logísticos, apoios para o combate contra o MPLA.
Era, por assim dizer, e na prática, um “braço” do exército português?!
“Ora nem mais! Aquilo que aconteceu é que já nem nós, nem a UNITA, estávamos a conseguir parar o MPLA. A verdade é que tudo isto, todo este cenário, foi mudado, porque a UNITA também resolveu mudar e… passou a atacar-nos. Isto por volta de 1971-72. Passamos assim a ter ainda a UNITA contra nós, coisa que tinha sido “bem resolvida” pelos Generais Bettencourt Rodrigues e Costa Gomes.
Ora bem, as coisas pioraram, sobremaneira, com a entrada da UNITA na Guerra…
“Já vimos que em termos de efetivos estávamos arrumados; em termos de dinheiro arrumados estávamos, e em termos de armamento e equipamento não chegamos à fisga, mas estávamos a caminhar para lá.
A propósito, o Marcelo Caetano escreveu num livro, em relação aos efetivos de reforço e cito: «Os problemas de pessoal eram muito graves, esperava-se que com o recrutamento local diminuísse a necessidade de tropas de reforço, mas não sucedeu assim e os Comandantes-chefe de Moçambique e da Guiné pediam cada vez mais gente. Nesta situação, sem solução, recorreu-se à mobilização predominante de milicianos, Instrução Geral Abreviada e emprego irracional do QP em comissões sucessivas. É o Marcelo quem o diz, e que o escreve.
Sobre o Quadro Permanente, escreve ele: «De uma maneira geral os oficiais do QP, a partir de 1961, passavam a vida no Ultramar com pequenos intervalos na Metrópole. O Estado-Maior do Exército caiu na rotina de convocar o oficial por escala, para uma comissão de dois anos na província onde ele fosse preciso na altura, para findo esse prazo, o fazer regressar à Metrópole, na qual estava alguns meses até ser novamente convocado para nova Comissão de 2 anos, na mesma ou noutra Província, conforme calhava».
É evidente que o Marcelo Caetano não diz aqui o que é que o Estado-Maior devia fazer. Se o diz e é Primeiro-Ministro de Portugal ordena ao seu Ministro do Exército que obrigue os seus Generais a corrigirem os erros que ele pensa estarem a ser cometidos”.
“EM TERMOS DE MATERIAL, ARRANJAMOS A «BERLIET» E A «G3», SÓ QUE JÁ NEM PARA ISSO TÍNHAMOS DINHEIRO”
Eram já os “reumáticos”?
“Sim! Leia-se ainda o Marcelo Caetano: «Um Coronel ou Tenente-Coronel podia assim, em 1974, tendo em conta o serviço da Índia, ir na sua 5ª ou 6ª Comissão no Ultramar. Era muito.».
É de ter bem a noção – é ele que o diz, não sou eu – do esforço que foi pedido ao QP. Seis Comissões de dois anos dão doze anos de Guerra. Eu tive duas. Não são quatro, mas tenho três anos de Guerra. E tinha em 1973, 28 anos de idade. Eu tinha mais quatro ou cinco anos que os meus soldados.
Leia-se, mais ainda: «Com frequência, o oficial, ao regressar do Ultramar, encontrava em casa filhos que mal conhecia», e eu acrescento, ou que não conhecia. Quando regressei de Angola, a minha filha mais nova tinha seis meses. Foi quando a conheci!
Sobre as necessidades de material militar», dizia o Marcelo Caetano, «Portugal encontrava os maiores obstáculos para adquirir material de Guerra ou suscetível de utilização militar».
Por quê? Os americanos não deixavam utilizar o material NATO, que a gente tinha, e que se encontrava em Santa Margarida.
Arranjámos a Berliet, que era uma viatura extraordinária, a G3 e não sei que mais, só que já nem para isso tínhamos dinheiro. Já nem para o fazer cá, a gente conseguia. E no Orçamento do Estado nesta altura, 50 por cento era para a Guerra Colonial”.
Miserável situação…
“Por isso, “os inteligentes” que andam para aí a dizer que a Guerra estava ganha, que me digam como é que ela se ganhava. Estava ganha onde? Em quê? É isso que é preciso perguntar às pessoas! Até aos generais dessa altura, se ainda existir algum, seria preciso perguntar como é que a Guerra estava ganha e como é que a queriam continuar? Só há uma ideia que está por detrás disso, é dizer que os capitães do 25 de Abril só quiseram acabar com a Guerra e que poderíamos estar bem melhor do que o que estamos. Não é verdade?”
Há quem enfatize essa ideia…
“Exatamente! E, agora, reparai, na conversa de Marcelo Caetano com o General Spínola, quando, em 1972, ele veio cá falar com ele. Diz Marcelo a Spínola. «Os exércitos fizeram-se para lutar e devem lutar para vencer, mas não é forçoso que vençam. Se o Exército português for derrotado na Guiné, depois de ter combatido dentro das suas possibilidades, deixar-nos-ia intactas as possibilidades jurídico-políticas de continuar a defender o resto do Ultramar, e o dever do Governo é defender o Ultramar». Marcelo não ignorava as enormes debilidades do Exército e ordenaria, a exemplo da Índia, que se morresse com honra», seja lá o que isso significa na cabeça daqueles que assim pensam. O que, na verdade, Marcelo lhe diz é que sabe que o Exército vai ser derrotado na Guiné. Já estávamos a pensar fazer como na Idade Média, um reduto no centro da Guiné, à volta de Bissau, para dizer que segurávamos a Guiné, quando já não segurávamos coisíssima nenhuma!”
“O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, AMÉRICO TOMÁS, OPUNHA-SE A QUALQUER OUTRA SITUAÇÃO QUE NÃO FOSSE A DO PERDER A GUERRA…”
Qual foi o papel concreto de Marcelo Caetano no meio disto tudo, sabendo ele que as coisas não estavam a correr de acordo com os objetivos? Qual foi a intervenção do, então, primeiro-ministro, ou do ministro da Guerra?
“O problema centra-se na Brigada do Reumático, mas não só, que lhe prestava vassalagem”.
E o Presidente da República, Américo Tomás, que por acaso também era militar, nada riscava?
“Não… não! Curiosamente, e tanto quanto se sabe, era o Américo Tomás que se opunha a qualquer outra solução que não fosse a do perder a Guerra”.
Considerava a Guerra insustentável?!
“Exatamente! O «vamos até ao fim!», o «vamos voltar com honra». Dizer coisas destas é estúpido, não tem pés nem cabeça! Nenhum soldado vai para a guerra para morrer vai para matar; se fossem para morrer perdiam e nem valeria a pena fazê-la; bastava dá-la como perdida à nascença.
O EXEMPLO: SALGUEIRO MAIA
E qual era a posição dos capitães no meio desta barafunda toda? Entre os quais, o saudoso e seu amigo Salgueiro Maia?
“Eu sou do curso do Salgueiro Maia, entramos os dois para a Academia, fizemos os três anos de Academia juntos, ele foi para o Tirocínio, em Santarém, e eu fui para Mafra. Sou de Infantaria, ele era de Cavalaria. Mas, conhecíamo-nos como as palmas das mãos. Depois não tivemos a mesma vida… A última vez que o vi foi quando comemoramos na Amadora os 25 anos de entrada na Academia Militar. Ele teve aquele problema, do cancro …
O que Salgueiro Maia de seguida escreve está relacionado com um socorro que ele teve que prestar a Guidaje.
A Companhia dele estava pronta, em Bissau, para regressar à Metrópole, já tinham entregado o armamento, e foi-lhe pedido, apesar das circunstâncias, para ele ir socorrer Guidaje.
Imaginai o que é isto, em termos psicológicos, não só para um capitão – que tinha por obrigação estar mais que preparado -, mas para os soldados?! Todos eles já prontos para regressar, e satisfeitos por se terem livrado do pior, e vão pedir-lhes para que arrisquem a vida mais uma vez!
Escreve ele, depois de ter socorrido Guidaje…”
«Dirijo-me ao ferido mais grave. O ferimento provém da perna, tem em cima dela várias compressas empestadas de sangue. Tiro as compressas e vejo que o homem não tem garrote. Pergunto, estupefacto, por que é que não fizeram o garrote? Alguém me respondeu que o enfermeiro está ferido. Começo a sentir raiva. O homem tem um estilhaço na zona da articulação do joelho, vê-se a tíbia, toda a carne se encontra como seca, envolvendo um buraco do tamanho de uma laranja…. Quase duas horas depois do ferimento, dou-lhe uma palmada no ombro, e digo-lhe “Já estás safo! Vamos evacuar-te!”, mas acreditando pouco no que estou a dizer.
O dia começa a cair, na zona não é possível fazer descer helicópteros, resta a solução de, na caixa dos Unimogues, levar os feridos a saltarem como fardos em cada salto da viatura.
Pouco depois de iniciado o regresso, o ferido da perna… morre, nunca falou, ou gritou, guardo dele os olhos assustados a brilhar, numa pele branca e seca a ficar vazia de vida (…) e quando se forma a coluna para Bissau, dou comigo a contemplar os mortos de olhos e boca aberta, com o aspeto de quem não compreende nada de nada do que aconteceu. Mecanicamente tiro os cordões das botas dos mortos, ato-lhes os queixos, as mãos em cruz, os pés juntos, com a água do cantil molho-lhes os olhos e fecho-os. Olho à minha volta e também não entendo. Ainda agora sempre que um senhor general da Brigada do Reumático diz que a Guerra estava ganha, vem-me à memória a morte estúpida daqueles homens …»”.
“MUITOS DOS ABUSOS À POPULAÇÃO INDIGENA FORAM TRAVADOS PELA TROPA”
Uma situação verdadeiramente dramática…
“Exato! Eu acrescentaria: não são só os generais da Brigada do Reumático que me fazem isto, qualquer pessoa que me diga que a “guerra estava ganha” mo faz e acredito que o mesmo acontece com a generalidade dos capitães que a fizeram.
Como penso que poderei ser um pouco parcial, queria-vos falar de algo que um oficial americano, John P. Cann escreveu sobre a Guerra Colonial portuguesa. Este oficial da Marinha norte-americana, prestou serviço no Pentágono, em Portugal no Comando Ibérico da NATO em Oeiras, e resolveu fazer uma tese de doutoramento no Kings College, em Inglaterra, sobre a Guerra Colonial portuguesa. Sobre ela, sobre os portugueses e sobre o soldado português.

Ele diz isto que vos vou ler, e são apenas tópicos que resumem um pouco a sua ideia:
«Guerra metódica, ponderada e imaginativa. Os portugueses sempre souberem lidar muito melhor com os povos colonizados, do que os franceses ou os ingleses. Os movimentos nacionalistas tinham aparecido por causa dos abusos cometidos pelas populações indígenas e pela falta de liberdade tradicionais, que elas sofriam».
Ou seja, a nossa colonização não foi assim uma coisa tão…de beijinhos e abraços…
“…houve muita exploração. E mais: se isto começou a ser alterado, e foi um pouco alterado, foi quando a tropa lá chegou. Os movimentos nacionalistas começaram em 1961, em Angola…”
E antes, há séculos de colonização…
“Ora nem mais! Aquilo que ele escreve é que houve abusos – penso que a palavra “escravizar” é forte demais –, e que muitos desses abusos foram impedidos pela tropa. Não tenho dúvidas, porque eu vi. Estou a falar assim, porque vi…
E ele escreve também isto, e isto é de um militar …
«O trabalho dos militares num conflito como foi a Guerra Colonial portuguesa, é dar espaço aos políticos para respirarem».
Demos 14 anos de espaço. Um espaço que mais nenhum exército no mundo deu.
«Estabilizar a violência, durante algum tempo».
Ela foi realmente estabilizada, embora à bruta. Mas tinha de ser mesmo assim, não havia alternativa”.
… como que responder com a mesma moeda?!
“Exatamente!
«E proporcionar oportunidades para negociar». Que era aquilo que a política deveria ter feito”.
“O 25 DE ABRIL RESOLVEU UM PROBLEMA QUE MARCELO CAETANO NÃO CONSEGUIA RESOLVER DE OUTRO JEITO… ELE ESTAVA AMARRADO POR TODO O LADO COM A QUESTÃO DA GUERRA COLONIAL”
Por que razão não há uma responsabilização do Governo central perante esta situação? Não falo somente no contexto interno, mas a nível internacional?
“Para Marcelo Caetano – embora a gente ouça falar da «primavera marcelista»-, aquilo que eu penso é que ele, de início, terá tido uma certa ideia de liberalização dos usos e costumes, mas quem mandava neste País, e continua a mandar, não estaria interessado nisso, e, assim, perder as regalias que tinha.
E a ideia, então, criada foi a de que o Marcelo Caetano andava a fazer negociações nos bastidores…”
Negociações com quem? Com os Estados Unidos?
“Não, não! Com os movimentos de libertação! Ele estava a tentar negociar com esses movimentos embora não publicamente. No fundo, o 25 de Abril conseguiu tirar um grande problema da cabeça de Marcelo Caetano, como referiu um camarada meu.
Resolveu-lhe um problema, que ele não conseguia resolver de outro jeito, porque, provavelmente estava amarrado por todo lado com a Guerra Colonial. Olhe, como a gente ainda vê hoje com o nosso primeiro-ministro! O dono disto tudo era, ou não, o Ricardo Espírito Santo?
Voltando a John P. Cann. Escreveu ele: «a única maneira de travar uma Guerra destas é à maneira portuguesa».
Ou seja, nem os ingleses, nem os franceses, nem os americanos fizeram tanto como a nós fizemos. É ele que o diz não sou eu.
E qual é a maneira portuguesa? «Proporcionar bem-estar às populações para se lhes conquistar o coração. Protegê-las dos guerrilheiros ajudá-las a defenderem-se» e, depois, diz mais: «os militares cumpriram esta ideia, já que a estratégia da guerra passou por usar a força militar para manter a ordem na tentativa de dar melhores condições de vida às populações locais. Os militares cumpriram estas duas missões quase plenamente, de modo a que não fossem vistos como opressores, mas como seres humanos que tentavam proporcionar uma vida melhor ao seu semelhante».
E é verdade! Não podíamos fazer outra coisa porque era exatamente isso que sabíamos que devíamos fazer”.
“A DESLOCALIZAÇÃO DAS POPULAÇÕES FOI FEITA À FORÇA”
Sentiu isso? Sentiu uma resposta positiva por parte da população?
“Na primeira Comissão, sim. Na segunda, estive sozinho. Na segunda Comissão não havia populações. Em que é que isto se traduziu em termos de organização no território? Pegar nas populações e deslocaliza-las para sítios onde a gente as pudesses proteger.
Há famílias na zona de São Salvador que foram retiradas da fronteira e deslocadas para Sul, precisamente porque não deixavam de ser um apoio à FNLA.
Mas, estas pessoas, as que foram retiradas, deixaram familiares do outro lado. Tudo isto é muito complicado. Tudo funciona durante algum tempo, porque as pessoas sentem-se aliviadas e seguras, mas depois… vem o resto. E se isto não anda nem para um lado, nem para o outro, o esforço de nada serve. Foi o que aconteceu, não serviu de nada!”
No terreno – o coronel esteve lá, e agora está a reviver tudo -, não se dormia descansado?! Quantos homens tinha ao seu serviço?
“Cerca de duzentos homens…”
Duzentas famílias,…?!
“Não duzentos, homens, duzentos soldados…”
Mas, se há um homem; há uma família… seja ele, casado, ou solteiro…
“Sim, sim”.
Isto parece ser um emaranhado de coisas incríveis. Tudo deve ter sido muito complicado?!
“Muito complicado. Mais: entre os capitães do quadro e os capitães milicianos. Eu fui em 1971, tinha 25/26 anos, os meus alferes andavam nos 22, 23 anos, se calhar alguns com um pouco mais de idade. Os soldados teriam 20 anos. Teriam menos cinco anos que eu”.
A geração era a mesma.
“Exatamente a mesma! Mas, e penso que quase todos os capitães do quadro o conseguiram, nós fomos treinados para aquilo, sabíamos aquilo que havíamos de fazer. O que é muito diferente de um homem que vai ali a Mafra, tem três meses de instrução militar, é depois mandado fazer um estágio de quatro meses em zona de combate ao fim dos quais lhe dizem que é capitão o mandam formar uma companhia e o colocam 2 anos na guerra à frente de 200 homens. Eu como era do quadro estava numa zona mais ou menos complicada.”
Quantos destes capitães milicianos teve?
“Quatro. Todos eles iam para zonas complicadas com oficiais do quadro, ou até com capitães milicianos mais antigos e com provas dadas.
Eles aprendiam qualquer coisa com aquilo que se fazia, mas não tinham, por exemplo, o treino que eu tinha. Eu tive um treino de um ano, como alferes. E depois mandaram-me para uma Companhia onde, como alferes, comandei algumas vezes.
A minha primeira Companhia foi no Leste de Angola e era alferes. A experiência foi um bocadinho dura. Há coisas que, nesta altura, ainda me fazem impressão”.
Tivemos, assim, a constatação, por parte de um oficial da Marinha estadunidense que vendo as coisas com olhos de ver, enalteceu, sobremaneira, o papel e a postura das Forças Armadas portuguesas!
“Exatamente!”
Havia interesse mundial por tudo o quanto estava a acontecer na Guerra Colonial…
“Sim. Angola despertava, como desperta, cobiça em qualquer estado. Porque é que lá houve guerra civil?”
“QUANDO CONHECI O MAJOR MELO ANTUNES… É QUE ME PASSOU PELA CABEÇA ALGO PARECIDO COM O 25 DE ABRIL”
Essa guerra civil em Angola era previsível?
“Em 1971 eu não previa nada disto, o que eu previa era que, provavelmente, íamos ficar lá todos”.
E não tinha nenhuma noção sobre um possível 25 de Abril ou coisa parecida… uma revolta?!
“Nenhuma! A minha Companhia foi atacada numa altura em que os movimentos de libertação foram à ONU afirmando ter prisioneiros de guerra portugueses, que tinham território libertado e não sei que mais… Como eu estava a 12 quilómetros da fronteira foi a minha Companhia que foi atacada.
Foi uma coisa algo complicada; durou tempo que chegasse e eu fiz uma mensagem para o Comando do Sector Zaire, a relatar os factos relativos ao ataque. O Brigadeiro comandante, porque “só” tive um morto e seis feridos, admitiu que o meu relato pudesse não ser exato e mandou lá o seu oficial de operações. Esse oficial, que conheci nesse dia, era o major Melo Antunes.
Ele foi o primeiro-oficial do Quadro que na minha Companhia, no M’Pozo, me disse de caras: «oh pá só temos uma solução, é correr com estes gajos, se não vamos morrer aqui todos!». Ele estava cheio de razão. Mas só aí, é que qualquer coisa parecida com o 25 de Abril, me passou pela cabeça.
Quero terminar as citações do John Caan que afirma para quem o pudesse duvidar ao fim de 14 anos: «Os políticos não mereciam os militares que tinham, a estratégia política foi suicida»”.

E isso deixou marcas indeléveis, como deixou a guerra na Guiné – pelos relatos a que já tivemos acesso – e que foi um país que nunca mais se endireitou, e isto até aos dias de hoje…
“Por uma razão simples. Quer a gente queira, quer não, a verdade é que se deixou lá um exército. Nós utilizamos gente de lá, que combateram do nosso lado, mas a quem tivemos a decência de oferecer os meios aéreos necessários, a eles e às famílias, para os transportar para Portugal. Se isto tivesse corrido de outra maneira, se os políticos tivessem feito aquilo que deveriam ter feito – porque a gente deu-lhes tempo para o fazer -, se isso tivesse corrido assim, provavelmente estaríamos melhor. Nós teríamos mais influência e eventualmente eles não teriam tantas razões para se guerrearem uns aos outros”.
“O PAPA PAULO VI CONDENOU O COLONIALISMO PORTUGUES, E ISSO FOI NOTICIADO NA IMPRENSA COMO UMA COISA INADMISSÍVEL…”
Qual o peso da Igreja no meio disto tudo? Esteve no terreno? Teve um papel apaziguador?
“Todos ouvimos falar do cardeal Cerejeira! Cá, na então Metrópole, ela apoiou os políticos como não poderia deixar de ser. Já a Igreja internacional, ainda que não estivesse nos sítios onde estive, tinha algumas Missões. Aquilo que sei é que o Papa Paulo VI condenou o colonialismo português e isso foi noticiado na Imprensa portuguesa como algo de inadmissível. A nossa Guerra foi, no fundo, condenada pela Igreja.
E estamos, prestes a terminar a primeira parte da nossa entrevista…
“Então, acho que vou regressar a 1608, para vos ler um escrito de Luíz Vaz de Vasconcelos, numa altura em que cá também se estava a discutir o fechar do Império do Oriente; dizia ele em 1608…
«Em todas as obras se consideram duas coisas: o discurso e conceito do artífice, e a obra das mãos que a fizeram. O mesmo considero eu na conquista da Índia. Aqueles por cujo conselho se fez são os artífices; e os capitães e os soldados que a puseram em efeito são as mãos que fizeram a obra.
Digo agora que, se considerarmos o discurso do artífice, a obra não é boa, pelas razões ditas, e porque as conquistas que se não podem unir com o Estado que as faz (de modo que nas necessidades que um e outro tiver se possam ajudar) serão danosíssimas […] Porque as conquistas desta sorte, ainda que delas se tenha algum proveito na fazenda, são de muito dano nas forças, que é mais importante, porque, estando separadas, claro está que se diminuem. Porém isto se não entenderá nas conquistas que depois de feitas pacificamente se possam governar, ficando seguras de novos acometimentos, ou tendo forças próprias com que resistir».
Penso que foi isto o que nos aconteceu novamente”.
NA PRÓXIMA EDIÇÃO
“O 25 ABRIL DE 1974”
01nov20
Eu pertençi a C, CAÇ 3391 ,comandada por esse Grande senhor , á época Capitão Carneiro ,posso dizer que muitos de nós ,teríamos lá perdido a vida,se não fossemos comandados por esse Grande comandante ,e grande ser humano ,muito obrigado CAPITÃO
Escrevi um comentário que foi apagado.
Esta descrição da guerra colonial feita pelo Coronel Adelino Castro Carneiro só podia ser feita por quem a viveu no terreno das operações militares e no enquadramento logístico e psicológico que sustentava essa guerra.Tudo que escreveu são factos verdadeiros que resistem e fazem frente a toda a manipulação mal intencionada e desonesta,na altura, por quem queria manter o sistema onde bem viviam e agora para tentarem recuperá-lo.Os Planos e Cenários que faziam eram errados,como se comprovou, e a informação de que se serviam era errada e manipulada.Tudo que o Coronel Carneiro escreveu repito é a verdade implacável e o meu testemunho é baseado na experiêncial semelhante que também tive.Bem haja Coronel Carneiro por em boa hora ter escrito com rigor e total seriedade esses tempos da nossa História.O meu mais profundo agradecimento.
Olá Camarada
Deixei um comentário, mas parece que “já tinha entrado(?)”…
Não entendo bem, mas, como sabes sou fraco nisto das tecnologias…
Fica para a próxima.
Um Ab. do sempre Amigo
Calhambeque
Olá Camarada
Desconhecia esta tua actividade. É bom que fique exarado como é que as coisas se passavam. Não creio que a receptividade seja grande. Na realidade tudo se passou há 50 e tal anos e nas escolas não se sabe nem se quer ensinar. Ao menos nas secundárias… quando os adolescentes começam a despertar para a realidade. Fico admiradíssimo quando pessoas da nossa geração que “tapam o Sol com a peneira” por considerarem o tema incómodo. Sentem-se abanados/as na sua estrutura anímica e sentimental. E estas são difíceis de pôr em causa.
E necessário coragem e aceitar que afinal não foi exactamente assim.
O título do meu livro é uma crítica a um sector que funcionava mal quando seria necessário que funcionasse optimamente. Mas aquela que o Chico conta da “espingarda emprestada” deve ser impagável…
Sabes que da malta do nosso tempo, dois não chegaram à companhia para onde iam?
O Baptista um ano mais antigo e o Grande Carvalho (o Preto) de Ermesinde. Morreram no MVL, o que eu acho estranhíssimo.
Um Abraço para ti do sempre amigo
Calhambeque
A verdade nua é crua, em 1971 estive mobilizado para a Guiné, por sorte não cheguei a ir, é uma história longa! Troquei correspondência com alguns camaradas da minha companhia
o seu relato era dramático os nativos tinham melhor qualidade de armamento que nós, era uma questão de tempo, os mortos eram cada vez mais ! Graças ao 25 de Abril tudo modou e os jovens deixaram de ser carne para canhão !
Parabéns pela entrevista !
Esta entrevista do nosso camarada (amigo, irmão, cúmplice…) é um excelente abanão, em especial para aqueles que não viveram o 25 de Abril e para todos os que já se esqueceram que muitas críticas, que hoje são possíveis, se devem a um grupo que arriscou tudo para restituir a abertura de espírito asfixiada por quase meio século de bloqueio mental.
O Zé Adelino pode dizer que se arriscou a limitar o resto da sua vida a enviar à família postais da “praia” do Tarrafal.
Ou alguém pensa que o jogo “era a feijões”…
A maioria dos portugueses já nasceu depois da Revolução.
Para estes cidadãos o 25 de Abril, que lhes deu a cidadania por inteiro, tende a ser ignorado.
Haja quem refresque a memória…
Um abraço ao Zé Adelino
Filipe Lopes
Obrigado por esta oferta. Continuo a afirmar que é um privilégio ser considerado por si um amigo. Um abraço ” Capitão “
Meu caro Zé
Retrataste muito bem a experiência da nossa geração na guerra. Também podias ter feito uma referência á nossa entrada na guerra em Angola, com espingarda emprestada, para efetuar o percurso Luso, Lucusse ,Luvoei.
Meu caro Zé
Retrataste muito bem a experiência da nossa geração na guerra. Também podias ter feito uma referência à nossa entrada na guerra em Angola, com espingarda emprestada, para efetuar o percurso Luso, Lucusse, Luvoei. Abraço
Exemplar testemunho da manipulação do regime por um dos seus servidores, a ter que fazer a sua auto aprendizagem em tempo de guerra, como tantos outros, noutros teatros de operações.
Li atentamente a entrevista e imediatamente intuí que estava perante um contributo importante para a história contemporânea: o entrevistado, bem conhecido pelo seu exemplar caráter e firmeza de princípios, foi ator principal em acontecimentos únicos no país, com conhecidas repercussões internacionais, pelo que as suas declarações revestem-se de especial relevância.
Sobre este disputado assunto – derrota ou vitória militar em África? – permito-me transcrever:
“”………………………………………………………………………………………………
A conclusão de que as forças armadas portuguesas controlavam a situação nos teatros de operações em 1974, produzida sem base na realidade, mas repetida com insistência, tem um fio condutor ideológico que, partindo de uma convicção ganha empiricamente ou de uma intenção deliberada, quer induzir a ideia de que, estando a situação militar controlada em Angola, Guiné e Moçambique, a guerra que sustentava a política ultramarina do antigo regime podia ser prosseguida, com a manutenção das colónias enquanto províncias ultramarinas de um Estado Português pluricontinental e multiracial, do Minho a Timor.
…………………………………………………………………………………………..………””
(in -Notas sobre as Conclusões do Seminário “Guerra de África – Portugal Militar em África 1961- 1974 – Atividade Militar” realizado no IESM em 12 e 13 de Abril de 2012 – Por Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso) *
Posteriormente ao 25 de abril foram revelados factos e situações que, através da investigação histórica e arquivística de diversificada documentação oficial, alguma secreta, corroboram, para além de qualquer dúvida, a conclusão do entrevistado:
“…Estava ganha, onde? E, em quê?… A Guerra estava inexoravelmente perdida!”
O nosso exército dependia cada vez mais da logística sul – africana, incluindo meios aéreos, especialmente no leste de Angola, e do pessoal e equipamento rodesiano, em Moçambique. Por outro lado, a Guiné estava rodeada de estados que apoiavam as movimentações do PAIGC e disponibilizavam refúgio. Tudo isto, para além de outros significativos fatores, nomeadamente a progressiva carência de efetivos e quadros intermédios metropolitanos, adicionado ao cada vez maior isolamento político de Portugal nas Nações Unidas, onde os nossos aliados na NATO não se eximiam em votar favoravelmente, ou, no melhor dos casos, absterem-se, as diversas propostas condenatórias apresentadas, faziam antecipar uma subida do patamar da guerra, confirmada pelos serviços secretos, com graves repercussões nos teatros de operações, sendo provável a intervenção das forças armadas regulares desses países em conjugação com os movimentos guerrilheiros. Perante isto, resta insistir: “…A Guerra estava inexoravelmente perdida!”
Confesso uma certa impaciência pela futura continuação da entrevista, pois prevejo o relato de ocorrências desconhecidas que tornarão mais compreensíveis alguns desses acontecimentos.
As minhas saudações ao Coronel Castro Carneiro, a quem deixo o meu abraço, e as felicitações ao Jornal, na pessoa do entrevistador, pela oportunidade e significado da informação publicada.
(*) Estas “Notas” são datadas de 18 de Abril de 2012 e totalizam 35 páginas.
Muito esclarecedor…gostei muito…segui de perto em Moçambique1964/66 e depois de longe em Paris …todos sonhávamos com a a LIBERDADE…os meus amigos eram quase todos desertores…o 25 de Abril foi um dia de Festa…as nossa vidas mudaram….foi o dia mais feliz da minha vida a seguir ao dia do nascimento do meu filho.
Sinto uma gratidão enorme às Forças Armadas…aos Capitães de Abril …beijinho à Fatinha e ao “mirmão”
Boa entrevista, esclarecedora e factual. Registo porém uma falha grave, quando o entrevistado refere que “Os movimentos nacionalistas começaram em 1961, em Angola”.
Ora, na verdade, as organizações anticoloniais e independentistas (as do pós segunda-guerra, pois já antes tinham havido, como é o exemplo de Gungunhana em Moçambique) começaram muito mais cedo: em Angola surge em 1954 a UPA (mais tarde, em 1962, passa a chamar-se FNLA), em 1956 o MPLA (por fusão de vários movimentos anticoloniais), e só em 1966 a UNITA (cujo papel o entrevistado explica bem). Na Guiné, é também em 1956 que se forma o PAIGC. A única diferença é em Moçambique, pois a Frelimo só se forma em 1962; mas resulta do sentir independentista cristalizado em Eduardo Mondlane, seu fundador.
Achei um depoimento valioso para uma visão sobre os conflitos mundiais.Uma crise devida ao fracasso da ética e da política Precisamos ouvir muito bem esses bravos patriotas que nos ensinam com sua valiosa experiência que guerras não são uma soluçào.A política tem que ser o caminho seguro para garantir a paz mundial.Muito orgulho desse primo integro que nos deu com sua coragem exemplo de bravura e honra.Portugal tem que se orgulhar de te lo como referência de valores que fazem necessários para construir uma sociedade justa e democrática.
Um documento para a nossa história.
Um abraço “capitão”.
Um notável testemunho, cheio de precisão, conhecimento e lucidez.
Um grande abraço para este Capitão de Abril.
Para mim, foi até agora a melhor descrição da situação que se vivia durante o período em que durou a guerra colonial, com pormenores muito interessantes sobre a situação política e militar na altura, e que levou os capitães a fazerem o 25 de Abril.
Caríssimo Castro Carneiro. Um grande abraço Amigo e de Abril. Vasco Lourenço
Ao Sr José Gonçalves que mais uma vez, teve a paciência de me ouvir durante horas, agradeço a atenção e a amizade com que me trata. Penso que são a justificação para o epíteto de «Salgueiro Maia do Norte» com que me “crismou”.
Epíteto que não aceito porque dele não me julgo merecedor. Aquilo que nos obrigamos a fazer e o nosso contributo no 25 de Abril, foram de tal maneira diferenciados que aceitá-lo seria, para mim, desrespeitar a memória que guardo do meu camarada e amigo Salgueiro Maia e colocar-me num patamar que não quero e que como já disse, entendo que não mereço.
Fui apenas e só «um capitão que seguiu o que a história lhe predisse» nas palavras de Ary dos Santos. É honra que me basta e me satisfaz completamente.
Castro Carneiro