Maximina Girão Ribeiro
O Natal é por excelência a festa da família, da fraternidade, do convívio, do reencontro, do momento de matar saudades daqueles que há muito não de vêem, da ocasião de transmitir novidades e, sobretudo, de lembrar recordações dos tempos idos, em que o Natal era bem diferente do que é hoje.
Nos nossos dias, o Natal tem os seus protagonistas principais, com uma mistura de tradições, oriundas de cada região do país e outras “importadas”, provenientes de outros contextos sócio-culturais.
Embora, na sua essência, o Natal comemore o nascimento de Jesus, quase se esquece esta efeméride, quando as ruas, as lojas e todos os lugares, exibem o Pai Natal, o pinheiro enfeitado, o bolo-rei, as prendas… e toda a futilidade comercial que, por arrasto, vêm completar o cenário.
Em muitos casos/casas esqueceu-se o presépio, símbolo máximo desta festividade.
No Natal da minha infância era tudo bem diferente…
Em casa havia sempre o presépio, feito por todos nós, uns dias antes do Natal, com uma pequena e tosca cabana, onde se salientavam as 6 figurinhas de barro (Maria, José, Menino Jesus, e os três Reis Magos – Gaspar, Baltazar e Belchior).
Completávamos o cenário com alguns animais que viviam no estábulo, tudo rodeado de musgo e bocadinhos de algodão a imitar a neve e, a rematar, um anjo suspenso por cima do local onde nascera o Menino Jesus, assim como uma estrela para orientar os reis magos na sua caminhada. O presépio era, na realidade, o ponto alto desta comemoração. E, durante muitos séculos, o presépio foi o ícone maior desta quadra, tradição que, em Portugal, existia desde o século XVI mas, é no século XVIII, que se executaram os melhores e mais famosos presépios para Igrejas, alguns sendo verdadeiras obras de arte, destacando-se o trabalho de Machado de Castro, um dos quais se encontra na Basílica da Estrela, encomendado por D. Maria I.

No meu tempo de criança, a ceia de Natal, a chamada consoada, era constituída pelo bacalhau cozido com batatas, a couve portuguesa e legumes variados. Seguia-se depois a sobremesa com a doçaria tradicional das regiões de nascimento dos nossos pais: os coscorões, as filhós (Beira Baixa), o arroz doce polvilhado de canela, as broas de mel (Beira Litoral) e as rabanadas, feitas de duas maneiras diferentes, conforme a nossa origem parental.




Também o bolo-rei fazia parte da nossa mesa, com as frutas cristalizadas e, por baixo de uma delas, ou na massa do bolo existia sempre um brinde, embrulhado em papel de seda e também uma fava, sinal de que, quem ficava com ela, pagava o bolo do ano seguinte…
Depois da consoada, jogava-se o loto, o “rapa, tira, deixa e põe”, as cartas e outros jogos…. Tudo jogado a pinhões!
Chegando perto das vinte e três e trinta, quem queria e podia, arranjava-se com muitos agasalhos, que a noite era bem fria, para ir à missa do galo que começava à meia-noite.
Quando regressávamos a casa, cada um ia colocar o seu par de sapatos, em cima do velho fogão a lenha, por cima do qual se encontrava a chaminé, lugar mágico na nossa imaginação, por ser através daquele local que desceria o Menino Jesus e, nós crianças, acreditávamos na sua generosidade, em relação aos presentes que iríamos receber, pois já todas tínhamos confessado que nos portávamos bem em casa e no colégio, durante todo o ano… Depois, toda a casa ficava silenciosa – todos iam dormir para, no dia seguinte, corrermos para a cozinha para vermos o que ficara em cima dos nossos sapatinhos. Era um momento de grande curiosidade e excitação, principalmente para nós, as quatro filhas.
Era um tempo em que nem imaginávamos a existência do Pai Natal, o velhote rechonchudo e alegre, vestido de vermelho, com grandes barbas brancas que, nos anos 30 do século XX foi adoptado como ícone, pela Coca-Cola, bebida que, nessa época, era proibida em Portugal.
Era um tempo em que a árvore de Natal ainda não fazia parte da decoração natalícia, em todas as casas.
É destes dois aspectos que irei transmitir o que nos diz a História: o Pai Natal e a Árvore de Natal.
A tradição do Pai Natal remonta à mitologia nórdica, na figura de Odin, o rei que saía do seu palácio, num trenó puxado por renas, levando consigo presentes para recompensar as boas acções praticadas pelo seu povo, ao longo do ano.
Séculos mais tarde, esta figura foi adaptada pela Igreja Católica, numa versão mais cristianizada, ou seja, Odin foi substituído por um bispo que viveu no séc. IV e que também distribuía presentes que transportava num saco e que atirava pela chaminé das casas – trata-se de S. Nicolau que, mais tarde, todos passaram a chamar Pai Natal. A figura popularizou-se e propagou-se de tal forma que hoje, quase substitui o Menino Jesus.
Quanto à árvore de Natal a tradição entrou em Portugal, por volta de 1844, através do rei-consorte, marido de D. Maria II, D. Fernando II, o denominado “Rei Artista”, um príncipe da família alemã Saxe-Coburgo-Gotha, nascido em Viena, na Áustria. Dele ficaram alguns desenhos que elaborou, retratando esta tradição. Num deles, podemos observar D. Fernando II, no Paço Real das Necessidades, em Lisboa, vestido de S. Nicolau, com sacos pendurados às costas. Podemos observar a árvore com velas acesas, bolas e frutos e o rei a distribuir presentes pelos príncipes, as sete crianças que estão na figura (os seus filhos nascidos até àquela data — Pedro, Luís, João, Maria Ana, Antónia, Fernando e Augusto). O casal teve 11 filhos, quatro dos quais não sobreviveram ao dia do nascimento.

Numa outra ilustração do mesmo autor, pode ver-se um dos príncipes a segurar um cavalinho de brincar, de madeira, e a olhar para uma mesa, sobre a qual está montada uma árvore de Natal muito decorada.

Esta tradição da árvore de Natal depressa se divulgou, primeiro pelas casas reais da Europa, dado que, em 1848, em Inglaterra, o jornal Illustrated London News, publicava uma ilustração com a família real britânica, em Windsor, junto à árvore de Natal, com o pinheiro decorado com bolas coloridas, penduradas nos ramos, nozes pintadas de dourado, enfeites de papel, flores e laços de tecido, assim como pequenas velas acesas que transformavam o pinheiro, em algo de mágico.

Não podemos esquecer que a rainha Vitória de Inglaterra era casada com o príncipe Alberto, primo direito de D. Fernando II de Portugal. A publicação dessa imagem fez com que, no ano seguinte, começasse a ser moda aquela tradição de Natal, originária da Alemanha, generalizando-se a outros países. Depressa, toda a Europa, começou a adoptar esta tradição. Em poucos anos, os hábitos natalícios da família real portuguesa começaram a ser imitados por muitos portugueses, com mais possibilidades financeiras.

A Árvore de Natal não foi a única tradição natalícia, que D. Fernando II introduziu em Portugal. Julga-se que terá sido também o autor do primeiro cartão de Boas Festas de que há registo no país (1839) destinado aos seus familiares.

Neste ano atípico que estamos a viver, tudo será um pouco diferente, dada a pandemia que nos assola e, provavelmente, sem a família toda reunida. Contudo, a todos desejo um Natal de muita saúde, paz, muito amor e fraternidade, porque é tempo de acreditar e transformar o mundo num lugar melhor, onde todos possam concretizar os seus sonhos.
15dez20
Gostei da pesquisa natalicia…