Fernanda Ferreira
O Sr. Joaquim tinha 83 anos, a sua mulher, companheira extremosa de muitos anos, e mãe sempre presente e carinhosa, tinha morrido há seis anos e, desde então, ele ficou sozinho porque, apesar de ser pai de dois filhos, eles viviam longe e desde que a mãe faleceu, as visitas e telefonemas ao pai eram cada vez mais raras.
O Sr. Joaquim sempre tinha trabalhado duramente para que não faltasse comida e algum conforto em casa, mas não tinha muito tempo para os filhos e reprimia as demonstrações de carinho, “para manter o respeito”, tendo esta atitude feito com que não houvesse grande proximidade afetiva dos filhos para com ele.
O seu trabalho nas minas além de duro e mal pago, deixou-o com silicose pulmonar o que lhe provocou “aquela maldita” doença respiratória crónica, que se ia agravando com o decorrer dos anos.
Era triste ver o Sr. Joaquim com falta de ar e dependendo unicamente da ajuda de alguns vizinhos, que lhe faziam as compras e ajudavam nas coisas básicas do dia-a-dia.
Apesar de lhe faltar saúde e alegria, reconhecendo a generosidade e altruísmo de quem o ajudava, tornou-se mais afetuoso. O envelhecimento, embora lhe trouxesse motivos para o tornar amargo, deu-lhe uma visão de vida diferente, fazendo-o compreender que ninguém tinha culpa do seu sofrimento pelo que devia receber os outros com simpatia e gratidão.
Só não conseguia ultrapassar a tristeza da saudade dos filhos e netos.
No mês de Novembro, mês dos Santos e dos defuntos, era a época em que ficava mais nostálgico por relembrar a falta da mulher e, logo de seguida, vinha o mês de Dezembro com Natal, a festa de família que nunca existia para ele. Nesta época de sentia-se de coração vazio e o aperto, pelo sentimento de culpa de nunca ter querido acarinhar os filhos, aumentava.
Eram sempre infrutíferas as tentativas dos vizinhos para que fosse consoar com eles, mas naquele ano, tinham de resolver eficazmente o problema, porque ninguém se sentia bem em saber que, nessa altura, a solidão do Sr. Joaquim redobrava.
Resolveram reunir com o presidente da junta de freguesia e com o pároco, que eram pessoas sábias e sensatas, esperando que eles pudessem saber como ajudar a resolver aquela situação.
Assim pensaram e assim fizeram.
Tanto o pároco como o presidente da junta mostraram-se recetivos a tentar ajudar. Já nos anos anteriores tinham tentado convencê-lo e não tinham conseguido, mas nesse ano iriam redobrar os esforços.
Após ouvidas e discutidas as várias hipóteses, resolveram que o melhor era tentar saber os contactos dos filhos e tentar sensibilizá-los para a triste situação a que deixaram o pai chegar.
“O nosso pai não nos ligava nenhuma!”- disse um deles- “Faz-nos falta o amor da nossa mãe! Essa, sim, era carinhosa e cuidava de nós com muito amor.”
“O pai era um egoísta, só trabalhava e dormia! Nunca dispunha um tempinho para nós!”- disse o outro.
“Mas o vosso pai trabalhava nas minas, demasiadas horas seguidas, porque tinha de vos sustentar e ganhar para que estudassem. Qual dos vossos colegas tinha um pai que trabalhasse tanto por se preocupar em dar-vos ferramentas para terem um bom futuro?
Ele trocou o seu tempo de descanso e convívio familiar pelo trabalho, para que vocês não tivessem de vir fazer serviços pesados ou passar pelas duras privações que ele passou.
Isso não é amor? Se não é amor, então o que é?” perguntou o pároco.
“O facto dele não demonstrar o que sentia e sente por vós, é fruto duma educação antiquada que ensinava que os homens não choram e não podem mostrar as suas fragilidades e sensibilidade, para se darem ao respeito” – opinou o presidente.
“Será que vocês, que tem uma licenciatura, não conseguem perceber isso?
O vosso ressentimento é tão grande que não vos permite perdoar o vosso pai e agradecer-lhe as horas de trabalho duro que vos permitem agora poderem dar uma vida boa e confortável aos vossos filhos?”- Inquiriu o padre.
Os filhos ficaram calados e olharam um para o outro.
Após uma pausa para pensar, o mais velho respondeu:
“Realmente ele nunca nos faltou com nada, exceto conversar connosco e dar carinho, mas foi porque não percebia que isso era muito importante para nós. Ele achava que os carinhos da nossa mãe nos compensava.”
“ Tens razão! O nosso orgulho tornou-nos uns maus filhos! Deixamos que o pai ficasse sozinho este tempo todo, dependendo da ajuda dos vizinhos. Nem conhece bem os netos”.
“Eu sugeria que vocês ou o viessem buscar ou viessem passar o Natal com ele.”
“É uma boa ideia, mas temos de falar com ele primeiro, para o preparar, não vá a surpresa fazer com que se sinta mal do coração.”
Depois de falarem com o pai e se perdoarem mutuamente, aceitaram consoar na casa do Sr. Joaquim.
Esse foi o seu Natal mais feliz, rodeado pelos filhos, noras e netos, podendo conversar e usufruir, pela primeira vez, dum verdadeiro convívio familiar.
“Estou tão feliz e grato, meu Deus! Só me falta a minha Ana… Que Deus a tenha…!”
“Agora, pai, temos de combinar tudo muito bem, porque nunca mais vai continuar sozinho e desamparado. Agora somos nós que vamos cuidar do seu futuro.
Queremos que fique bem e não o vamos abandonar mais.
Finalmente percebemos que o seu coração é muito grande e, agora que aprendeu a demonstrar o amor que sente por nós, iremos demonstrar-lhe que também como o amamos e estamos gratos pelos sacrifícios que altruisticamente fez por nós.
Bem-haja pai!”
Foto: pesquisa Google
15dez20
Para ler e registar na memória !
Parabéns Dra.
Muito lindo e bom para refletir sobre o amor e atenção que devemos dar aos nossos pais.
Gostei muito!
Lindo ??uma lição de vida. Beijinhos doutora faz muita falta ??????
Gostei muito!
Gostei!