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Regresso ao lugar de culto mais insólito do país

Lurdes Pereira

(texto e fotos)

 

Há muito tempo tinha vontade de lá voltar, confirmar o que a memória da infância ainda guardava, porque há episódios na nossa vida que jamais podemos esquecer. O que me lembraria eu, tão pequena, do Santuário da Nossa Senhora da Lapa? Apenas a passagem estreita (não para mim) dos penedos que hoje fazem parte do grande altar. Diz a lenda que quem vivesse atafulhado de pecados, jamais conseguiria passar entre o estreito canal granítico. Essa memória continua fresca e genuína, mas toda a envolvência foi como se fosse a primeira vez para mim.

O Santuário está inserido na serra que lhe ofereceu o nome, na freguesia de Quintela, concelho de Sernancelhe, Viseu. A longínqua história deste lugar de culto começou com a lenda da pastorinha, Joana, de 12 anos apenas e muda de nascença e remonta ao ano de 1498. Reza a lenda que durante as pastagens, a pastorinha assumiu uma curiosidade entre as fendas das rochas encimadas por uma grande lapa onde encontrou uma linda imagem da Virgem, que, dizem ter sido ali escondida, há mais de quinhentos anos, pelas religiosas que escaparam à perseguição.

Deslumbrada com a beleza e perfeição da imagem encontrada, reparou na humildade em que se encontrava. Limpou-a e ali lhe fez um altar decorado com flores da serra. Era a sua Santa, a sua companhia e a sua “boneca”. Decidiu passar a transporta-la diariamente na sua cesta. Até que um dia, a sua mãe, furiosa porque Joana perdia tempo a fazer vestidos à “boneca”, atirou-a à fogueira. Incrédula e com enorme aflição, Joana grita: Mãe, essa imagem é a Nossa Senhora! Diz a lenda que mãe de Joana ficou com o braço paralisado, que curou com a oração de ambas e a imagem não se queimou. A devoção e carinho que Joana dedicou à Virgem teve como compartida o dom da fala e da proteção.

Ao ter conhecimento da história, o pároco da freguesia pediu que a imagem fosse colocada na Igreja Matriz, mas a imagem insolitamente desaparecia aparecendo na gruta da Lapa. Foram os Padres Jesuítas, em 1576, que nesse lugar desenvolveram um Santuário para receber os peregrinos.

A atividade missionária de então levada a cabo pelos Padres Jesuítas, a quem foi confiado o Santuário, levaram esta devoção para o país e para o mundo. O milagre correu de boca em boca e o lugar ganhou, aos poucos, uma expressão de culto, jamais imaginada e jamais negada até aos nossos dias.

Foi por uma lenda que a fé arquiteta prometeu uma simbiose rústica entre a Natureza de Deus e a Fé do homem. Debaixo da rocha ergue-se o altar da Nossa Senhora da Lapa onde a irregularidade da gruta contraria todos os cânones da tão comum centralidade e equilíbrio.

O interior da gruta reserva outras histórias onde há lugar aos grandes vultos da arte nacional, o presépio da escola de Machado Castro, a pintura de Josefa D`Óbidos… onde há lugar à veneração do Menino Jesus da Lapa, onde há lugar à Lenda do Sardão, também conhecida noutras geografias.

O recinto exterior está preenchido com construções típicas que faz do cenário um conjunto arquitetónico agradável aos olhos dos romeiros que ali vão venerar e agradecer. A antiga cadeia, de frontão triangular emoldura as armas heráldicas dos Vasconcelos, teve de chegar ao estado de ruína para ser recuperado em espaço Museológico do Ex-Voto.

A Lapa, para além da sua história religiosa e da sua envolvente e majestosa serra, tem também os seus lugares dignos de visita relembrando seus Miradouros, a fonte dos Clérigos, conhecida por ser uma das três nascentes do rio Vouga, pelourinhos e tantas outras coisas neste chão onde cada pedra tem uma lenda que nos agrada os sentidos.

 

01dez20

 

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