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Trabalhadores da “Casa da Música” voltam a acusar a Administração de “exploração laboral”! “Petição” conta com o apoio de conhecidos artistas e a reação geral é de consternação e… vergonha!

Juntamos à mesma mesa e respeitando o distanciamento físico exigido, três pessoas. Repito: pessoas! Pessoas que deviam ser tratadas como tal em termos laborais, mas, pelo que nos contam, não!

Essas três pessoas foram, e são, corajosas, pelo facto de falarem connosco – e neste caso dirigindo-se também a si, que nos lê -, quando estão a lidar com um processo que, em boa verdade, dá cabo da paciência e da “vida” a qualquer um.

Se a Casa da Música é um ícone da cultura do nosso país e no mundo, a verdade – e tendo em conta os factos que a seguir revelaremos -, é também – desde o passado mês de março, altura em que pela primeira vez se despoletou o caso relacionado com a deteção de contratos com falsos recibos verdes de 36 trabalhadores -, um ícone, sim, mas de péssimos exemplos a começar e a acabar no desrespeito pelo trabalho e, essencialmente, pelas pessoas que o desenvolvem produzindo.

Essa é também a conclusão de milhares de pessoas, entre os quais os vinte e seis trabalhadores de diversos setores de atividades que se desenvolvem na Casa da Música, que, ainda em luta, se encontram em situação social e laboral crítica, e, outrossim, de centenas de artistas, alguns bem conhecidos do panorama cultural português e além-fronteiras…

 

José Gonçalves (texto) Roberto L. Fernando(fotos)

 

De acordo com a petição online criada pelos trabalhadores com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos – CENA, e que conta, à data, com mais de duas mil assinaturas, e já foi entregue a quem de “direito”, é “inadmissível a forma como a Casa da Música está a resolver a contratação dos 36 falsos recibos verdes detetados pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) no Verão passado, rasgando o compromisso que o Presidente do Conselho de Administração, Pena do Amaral, assumiu perante os deputados na Assembleia da República – ao garantir que iria regularizar os contratos de acordo com as conclusões da ACT”.

TRABALHADORES FORAM LEVADOS A ACEITAR SALÁRIOS MAIS BAIXOS E UMA «QUITAÇÃO» PARA ABDICAREM DE 90 POR CENTO DOS RETROATIVOS…

Foto: jornal “Público”

A referida petição releva ainda que “estes trabalhadores têm sido levados a aceitar contratos com menos horas e salários mais baixos do que antes tinham, e ainda os obrigue à assinatura de uma “declaração de quitação” em que abdicam de 90% dos retroativos que lhes são devidos. E, por cima disso, que nada lhes é pago relativo aos meses em que ficaram sem trabalho, desde Março, apesar de existirem contratos de trabalho que estavam a ser dissimulados, de acordo com as conclusões da ACT”.

E a coisa não fica por aqui:

“Os signatários da petição consideram também inadmissível que, relativamente àqueles que não aceitem estas condições, a Casa da Música vá para tribunal dar o dito por não dito, dizendo que afinal não lhes reconhece um contrato de trabalho e lutando por isso com a representação de um escritório de advogados pago com o orçamento da instituição – logo pelo Estado, principal financiador da instituição”.

“PETIÇÃO ONLINE” DEFENDE CONTRATAÇÃO IMEDIATA DE TODOS OS TRABALHADORES

A Petição termina com a “defesa da contratação imediata de todos os trabalhadores indicados pela ACT, pelo número de horas e valores correspondentes ao histórico da sua relação laboral com a Fundação Casa da Música, pagando-lhes os retroativos devidos, desde a data de início da relação laboral, exigindo ainda a correção dos contratos já realizados de forma a garantir, também nesses casos, os mesmos direitos”.

De salientar ainda o facto que este “documento” foi dirigido aos representantes do Estado no Conselho de Fundadores da Casa da Música (ministra da Cultura, presidente da Câmara do Porto e presidente da Área Metropolitana do Porto) e aos fundadores privados.

A CASA DA MÚSICA ESTÁ A GASTAR BOM DINHEIRO CONTRA QUEM ESTÁ A LUTAR POR UMA CAUSA JUSTA! ASSIM, TUDO ISTO, TORNA-SE DUPLAMENTE INJUSTO!

Teresa Aguiar (ao centro), André Silva (à direita) e José Vilela (à esquerda)

Ora, então, quem foram os corajosos que aceitaram o convite do “Etc e Tal” para falar sobre a crítica situação laboral que afeta um considerável leque de trabalhadores da Casa da Música (CdM)? André Silva e José Vilela, ambos, técnicos de palco e a trabalhar na CdM há cerca de 15 anos, e Teresa Aguiar, guia, a laborar em part-time, há 13.

Além de demonstrarem uma enorme coragem, os nossos entrevistados foram simpáticos, notando-se, ao longo desta conversa (e por isso o desenvolvimento da mesma no estilo pergunta-resposta) uma compreensível cautela nas palavras, principalmente para não ferir aquela que consideram uma nobre instituição, como a é, na essência, a Casa da Música.

E acabaram como que defendendo uma máxima: os dirigentes passam, e a instituição fica!

E logo uma instituição, onde passaram, qualquer coisa como, um terço das suas vidas.

Não é brincadeira, não senhor!

Como que historiando todo o processo que vos levou a esta luta, comecemos, então, pelo princípio…

André Silva (AS) – “Devido à pandemia, a 18 de março os trabalhadores foram dispensados devido à cessação de atividade da Casa da Música. Como não tínhamos contratos, não tínhamos direito ao lay-off e com o passar do tempo os trabalhadores começaram a questionar quanto ao seu futuro. Na área da produção técnica foi-nos proposto um contrato de «bolsa de horas», consistia no adiantamento do valor médio que nós recebíamos, e nós teríamos de retribuir isso em trabalho gratuito futuramente. Levantávamos o dinheiro e depois teríamos de retribuir com horas de trabalho. Alguns colegas aceitaram, outros não, e o que mais nos desiludiu nesse caso, é que nesse contrato de «bolsa de horas», vinha uma cláusula que, ao assinarmos aquele documento, tínhamos de prescindir de tudo o que estava para trás, ou seja: ao assinarmos a «bolsa de horas» abdicávamos de todos os nossos direitos laborais. A cláusula vinha lá, meio escondida, e foi isso que nos indignou e levou a fazer um abaixo-assinado que foi encabeçado por colegas com contrato com a Casa; que estavam em lay-off a ganhar cem por cento, mas estavam solidários com os colegas de trabalho, e não se reviam na forma de atuar da administração da Casa da Música.

Foi, então feito o abaixo-assinado, dirigido ao Conselho de Fundadores e à Direção-geral para alertar para a situação e se chegar a um diálogo por forma a se resolver este problema. Mas, nunca obtivemos resposta. No abaixo-assinado uma das tomadas de posição era a que se ninguém do Conselho de Fundadores ou da Direcção-Geral da Casa da Música respondesse, iriamos expor este caso à comunicação social e aos grupos parlamentares na Assembleia da República.

E foi o que fizemos, perante o silêncio dos dois organismos da CdM.

Com o passar dos meses – aí por volta de maio – começaram, então, a surgir as notícias; os partidos políticos deram ênfase à situação; falaram sobre este assunto no Parlamento, e o Bloco e o PCP sugeriram uma audiência, de modo a nos deslocarmos ao Parlamento para expor a situação. Foi o que fizemos. A partir dai houve alguma mudança no que diz respeito à posição dos responsáveis pelos destinos da Casa da Música no sentido de nos dar os contratos…”

APÓS UMA VIGÍLIA HOUVE REPRESÁLIAS COM COLEGAS ASSISTENTES DE SALA, QUE FORAM DISPENSADOS DOS SERVIÇOS QUE JÁ TINHAM SIDO AGENDADOS…

O presidente do Conselho de Administração, Pena do Amaral, foi nessa altura à AR?

Teresa Aguiar (TA) – “Isso aconteceu mais na sequência de uma vigília, ou manifestação dos trabalhadores, registando-se, então, uma situação de represália com colegas assistentes de sala que foram dispensados dos serviços que já tinham sido agendados para o mês de junho, e nesse sequência houve esse requerimento para o presidente do Conselho de Administração e os trabalhadores precários serem ouvidos na Assembleia da República pela Comissão de Trabalho e da Segurança Social e Comissão para a Cultura. Na verdade, foi esse triste incidente que levou a que fossemos à Assembleia da República.

Na sequência o presidente do Conselho de Administração disse na Assembleia da República, que caso fossem detetados falsos recibos verdes pela ACT – que estava a fazer a investigação -, que essas situações iriam ser regularizadas de imediato”.

AS – “Aconteceu, então, essa pressão dos grupos parlamentares. O presidente do Conselho de Administração disse que ia repor a legalidade, o que não veio a acontecer. Depois apareceram algumas propostas de contrato, só que davam, e isto para o meu caso, um valor mais baixo de ordenado.

A mim propuseram um contrato de técnico de palco. Propuseram, como disse, um salário mais baixo; dar-me dez por cento dos retroativos a que, efetivamente, tinha direito e, depois, ainda tinha de assinar a tal declaração em que ficava tudo saldado, abdicando, dessa forma, de tudo o resto a que tinha direito. Não aceitei! Houve colegas que aceitaram, o que compreendo porque as pessoas têm as suas dificuldades, os seus problemas. Não aceitei e o caso foi, então, encaminhado para o Ministério Público.

No caso dos técnicos, oito regularizaram-se. e ficamos nós os dois. Estamos à espera da decisão do Ministério Público. Já tive o meu julgamento marcado, mas acabou por ser adiado… estou à espera de nova data. Desistir? Já ponderei, porque às vezes mais vale ter um pássaro na mão que dois a voar, que é como mais vale ter o contrato e alguns euros no bolso que nada… mas, não! Tenho uns colegas que me apoiam e acho que é justo ir até ao fim, e, dessa forma, reivindicar os meus direitos laborais”.

NÓS QUEREMOS TRABALHAR NA CASA DA MÚSICA PORQUE FOI LÁ QUE NASCEMOS…

Entretanto, fazem a petição que se encontra online, onde se regista grande solidariedade, até de nomes conhecidos das artes …

AS – Sim. Sempre vai em 2 300 assinaturas. São, entre outras, pessoas do mundo da cultura que percebem e sabem a falta que fazem estes trabalhadores, os quais, muita das vezes, têm uma atividade invisível. Na maioria dos casos, não se sabe quem está por detrás de todo o evento. Portanto, são pessoas que se reveem nisso, estão solidárias e apoiam-nos!”

Agora, é só esperar pelo julgamento, ou pretendem avançar com outras ações caso as coisas não se resolvam?

AS – “Vamos ter de esperar pelo julgamento e depois vamos meter uma ação para irmos buscar os nossos retroativos. Atenção que esta é uma Casa onde gostamos de trabalhar. Tenho quinze anos de Casa!”

TA – “Eu treze. Mas temos situações diferentes porque os guias trabalham em part-time. Nos casos do André e do Vilela é full-time”

Têm tentado outras alternativas à Casa da Música?

AS – “As coisas estão difíceis, mas a Justiça se for certa, nós iremos ter o nosso contrato. Nós queremos trabalhar na Casa da Música, porque foi lá que nascemos”.

A SITUAÇÃO DA PANDEMIA LEVOU A QUE TODA A GENTE SE UNISSE, COLOCANDO A NU TODA ESTA EXPLORAÇÃO LABORAL

E em termos psicológicos? Vocês ganham, e entram na Casa da Música com os responsáveis a olharem para vós de lado… enfim, poderão viver uma situação, no mínimo, constrangedora…

José Vilela (JV) – “Se me pagarem os meus direitos todos, depois arranjo outro trabalho. Tenho dois braços, duas pernas…”

E é fácil, hoje em dia, arranjar trabalho, e ainda por cima com esta questão da pandemia?

JV – “Não está fácil… não. Nesta área, não. Mas, se temos dois braços e duas pernas podemos fazer outras coisas. É importante que se diga que mais de um terço das nossas vidas estão ali na Casa da Música”.

Por que  e como aconteceu isto? Foi só devido à pandemia?

AS – “Isto já vem desde início, só que como as pessoas estavam a recibos verdes, e numa posição delicada. E delicada por que se vivia como que numa corda bamba, nunca se sabendo quanto se ia ganhar, e sem saber se haveria trabalho no mês a seguir. Assim, houve medo de confrontar a entidade patronal. Entretanto, veio a situação da pandemia, que levou a que toda a gente se unisse, colocando a nu toda esta exploração laboral!”

O que é que os partidos, neste caso o PCP, o Bloco de Esquerda e o PS disseram em relação ao vosso caso?

AS – “Foram muito importantes na nossa reivindicação porque deram voz às nossas reivindicações na comunicação social e no Parlamento. E disseram que devíamos continuar na luta e que nos iriam apoiar. A verdade é que eles já fizeram o seu trabalho, agora cabe a nós continuar a lutar. O trabalhador fica sempre numa posição mais difícil”.

A CASA DA MÚSICA, QUE É UMA GRANDE INSTITUIÇÃO, DEVIA SER UM EXEMPLO DE COMO TRATAR OS TRABALHADORES…

E do Ministério, neste caso da Cultura, não houve qualquer posição?

AS – “O Governo está, neste caso, a pagar quase duas vezes. Ou seja, estão a dar dinheiro à Casa da Música para nos pagar, e contratar os técnicos para os eventos. E, através da Segurança Social, porque ficamos sem o apoio. Agora, o que estamos a fazer é lutar contra a direção da Casa da Música, que não é uma empresa de dimensão pequena, e, precisamente, por ter esse peso, a nível cultural e social… por ser, como é, uma grande instituição, devia ser um exemplo de como tratar os trabalhadores”.

TA – “Foi isso que, no fundo, levou ao abaixo-assinado. Foi um apelo à responsabilidade de uma instituição como a Casa da Música. A ministra da Cultura foi a primeira pessoa a quem foi enviado o abaixo-assinado, isto após o silêncio de quase duas semanas da Fundação, e ela limitou-se a dizer que aguardaria pelos resultados da investigação da ACT. Até ao momento, não temos conhecimento de qualquer intervenção direta da ministra nesta questão”.

A Presidência da República foi por vós contactada?

AS – “Que saiba, não!”

 TA – “Até ao momento, não!”

RECORREMOS AO FUNDO DE DESEMPREGO, E COMO TAL PRECISAVAMOS DE UMA DECLARAÇÃO DA CASA DA MÚSICA QUE – UMA VEZ MAIS DE MÁ-FÉ – NÃO A DEU

 E como é que andam as vossas vidas?

AS – “A minha vida alterou-se muito. Tinha um vencimento razoável. Deixei de o ganhar! Tive que recorrer à Segurança Social. Fiquei a ganhar um terço do salário durante aqueles seis meses em que houve apoio devido à Covid, e, agora, como findou esse apoio, tive que recorrer a outro, mas a Segurança Social é muito dúbia. Estou desde o dia 20 de setembro sem apoio…”

JV – “…E com os impostos em dia, porque nós pagamos os impostos…”

 AS – “… e ao acabar esse apoio – como disse -, tivemos que recorrer a um outro extraordinário – que ainda estamos à espera de resposta. Entretanto, recorremos ao Fundo de Desemprego, pedimos à Casa da Música para nos dar a necessária declaração, mas – e mais uma vez de má-fé – não nos deu! Essa declaração só foi validada pela ACT, mas continua em análise”.

Disse há pouco que o vosso trabalho era “invisível”. Acha que o sindicato que vos defende, o CENA, tem feito um trabalho de forma a promover a vossa profissão? Tem sido presente? Ativo?

AS – “Para ser sincero, só me sindicalizei quando os meus colegas me alertaram para essa necessidade, já que ao longo dos anos não o fiz. Só me sindicalizei, agora, ou seja, neste período. Mas, penso que faz o seu trabalho. Tem apoio jurídico para os trabalhadores, e até houve uma evolução, pois na Casa da Música já temos um delegado sindical, que alertará, por certo, possíveis infrações ou situações menos positivas que lá aconteçam”.

Portanto, não havia delegado sindical?!

AS – “Não!”

Estavam por vossa conta e risco…

AS – “Cada um toma a sua decisão. Agora, há esse reforço com a presença do delegado sindical, o que é, sem dúvida, positivo…”

PASSADOS OITO MESES SEM TRABALHO, A MAIOR PARTE DE NÓS (GUIAS) DECIDIU ASSINAR CONTRATO, DE BOA-FÉ…

 

 As, e os, guias também têm apoio sindical, ou não fazem parte dessa área laboral, de modo a que possam também ser defendidos?

TA – “Sim, porque estamos contratados. Passamos, assim, a fazer parte da instituição e portanto o sindicato já admite. Enquanto trabalhadores a recibos verdes não tínhamos essa abertura… porque entendiam essa função enquadrada na área do Turismo, sendo que na verdade não é bem assim. Mas, a palavra «guia» remete sempre para isso. No fundo, nós somos mediadores…”

O facto de estar aqui, e com contrato, é uma forma solidária de estar com os seus colegas?

TA – “Também. Tal como todos os trabalhadores contratados se juntaram para apoiar quem estava numa situação mais frágil. E como entendi que este encontro tinha como objetivo fazer um ponto da situação a propósito da Petição, achei que seria importante partilhar a nossa experiência.

Entretanto, nós, guias, assinamos contratos no final do passado mês de outubro. Na sequência da investigação da ACT, a Casa da Música propôs contratos a todos os 36 elementos que resultaram dessa investigação.

São casos diferentes, o dos técnicos é um caso, o de assistentes de sala é outro, e no caso dos guias, podemos dizer que, apesar do número de horas ser um pouco abaixo daquilo que era praticado, isso não teve uma expressão muito forte.

Apesar de tudo, os contratos, quer dos guias, quer dos assistentes de sala, não pareciam oferecer condições mínimas de garantia quanto áquilo que se iria passar a seguir. Estivemos dois meses em negociação com um advogado, e como o resultado dessa negociação foi zero. Passados oito meses sem trabalho, a maior parte de nós decidiu assinar contrato de boa-fé, com boas expectativas.

Estamos a ter algumas dificuldades quanto a algumas coisas das quais tínhamos receio, mas ainda estamos a tentar resolver a situação…”

Ainda não está tudo nos conformes?!

TA – “Não… vamos tentar chegar a um acordo…”

A «CASA» NÃO PODE TER TRABALHADORES HÁ QUINZE ANOS NESTA SITUAÇÃO

Há pouco foi referido que estas dificuldades na Casa da Música já vinham de há muito, não foi a Covid que veio “covidar” toda a gente a fazer todo este tipo de processos?! Em vosso entender, tudo isto deve-se a má gestão da Casa da Música? Pouca afluência de público? O que é que estava a acontecer?

JV – “Não deviam estar a pagar os impostos. Quem paga é o trabalhador a recibo verde… “

Mas, em termos de funcionamento, estava tudo a correr dentro da normalidade?

AS – “Uma Casa como esta tem muita atividade; tem a sua programação, depois tem os alugueres de sala e, como é óbvio, terá de contratar pessoas extras – fora dos quadros – para completar o volume de trabalho. Mas, agora, já não podem ter trabalhadores há quinze anos, outros há oito, há quatro e por aí fora, a recibos verdes. Isto já vem detrás, não é só desta administração!

O trabalhador a recibo verde encontra-se numa posição muito delicada. Nós gostamos muito de trabalhar lá, é muito enriquecedor; trabalha-se em todas as áreas, em todos os géneros musicais; recebemos imensa gente, isso é ótimo, só que queremos ter retorno, queremos construir com segurança uma vida familiar; queremos comprar uma casa… ter o básico, e a recibos verdes não se consegue isso!

Para a Casa é vantajoso porque não paga o seguro de trabalho; não paga à Segurança Social, ou seja, consegue contornar a legislação e poupar uns milhares de euros… Como disse o meu colega, nós é que temos de pagar isso tudo: os seguros; pagamos um dinheirão para a Segurança Social. Do que recebia, 40 a 45 por cento ia diretamente para impostos e para pagar isso tudo. E depois, temos ainda de comprar o nosso material…

Não é comparticipado?

AS – “Compramos ferramentas, indumentária, calçado de segurança… tudo é pago por nós, como é óbvio…”

É óbvio?

AS – “Os funcionários da Casa têm acesso a todos esse material. Nós, não. E a verdade, é que fazemos as mesmas funções que os funcionários da Casa. Eles estão bem, estão a contrato e ainda bem, nós queremos é o nosso contrato. Queremos trabalhar em paz e sossego… com tudo direitinho…

Eles, com contrato, pagam menos pelo estacionamento do carro, e têm seguro de saúde que abrange a família… são pormenores que, na vida social e familiar de cada um, fazem a diferença. E isto fora os subsídios de férias, de Natal, de formação… Nós nunca tivemos direito a isso!

E depois, há a incerteza de não se saber quantas horas se vai trabalhar numa semana; quanto é que se receberá ao final do mês?! Se amanhã estou lá a trabalhar?!… Isso é que causa um desgaste emocional tremendo”.

TA – “Esta situação é de há muitos anos e, infelizmente, é transversal a muitas empresas e instituições, mas a pandemia acabou por agudizar esta situação, trazendo, ao de cima, certas realidades…”

A pandemia pôs a descoberto muita coisa…

TA – “… pôs a descoberto situações críticas! A propósito das Bolsas de Horas, no caso dos assistentes de sala e dos guias, nós só tínhamos os serviços programados mês a mês, e o que aconteceu derivado à pandemia, foi que todos os serviços foram cancelados a 12 de março e só foram pagos os efetuados até esse dia., Mesmo os poucos serviços, nos quinze dias seguintes, não foram sequer considerados.

No caso dos assistentes de sala, e dos guias não estamos tão invisíveis em relação ao público, aliás, acabamos por ser, muita das vezes, a cara da instituição… e, mesmo assim, vivemos o mesmo drama dos mais invisíveis.”

OS QUE REGULARIZARAM A SUA SITUAÇÃO, FIZERAM MAL PORQUE TIVERAM DE ABDICAR DE 90 POR CENTO, OU MAIS, DOS RETROATIVOS…

Portanto, neste momento, quantos casos estão por resolver? Já não serão, por certo, os 36?

AS – “Alguns já estão regularizados”.

TS – “Foram 36 identificados como falsos recibos verdes. Entretanto, dos técnicos, oito regularizaram-se e, de onze guias, dez assinaram o contrato”.

Assim sendo, dezoito pessoas deixaram de constar dessa lista regularizando, por assim dizer, a sua situação com a Casa da Música…

TA – “Regularizaram mal, porque tiveram de abdicar de noventa por cento, ou mais, dos retroativos…”

Também tinha dito «regularizando, por assim dizer», que é com quem diz, por outras palavras, o que acaba de dizer. Entretanto, pergunto: chegaram a falar direta e presencialmente com a administração?

AS – “Connosco foi só a troca de emails. Só os assistentes de sala é que se reuniram com eles…”

 TS – …isso no seguimento da dispensa, após a manifestação. E eles, passados cinco dias, foram readmitidos”.

AS – “No meu caso, tinha o meu advogado a tratar dessas negociações…”

O QUE SE ESPERA DISTO TUDO, É QUE A SITUAÇÃO SEJA REGULARIZADA PARA NÓS E PARA AS FUTURAS GERAÇÕES

Acham que este tipo de problemas, coloca em causa o futuro da Casa da Música?

AS – O futuro, não. A Casa da Música não vai fechar, nem deixar de receber apoios estatais. O que se espera disto tudo é que a situação seja regularizada para nós e para as futuras gerações. Estamos a falar de uma instituição conhecida mundialmente e a nível nacional é um dos expoentes máximos da Cultura. Por isso, tem de ser exemplar a tratar os seus trabalhadores”.

E, com certeza que haverá outros casos parecidos com os vossos em outras instituições, só que não tiveram a projeção que o vosso caso tem vindo a ter…

AS – “O que sei é que o Teatro Dona Maria, em Lisboa, pagou tudo. Pelo que sei, as outras instituições cumpriram, isto tendo em conta o que falam colegas. A Casa da Música é que continua o seu caminho de exploração dos trabalhadores, e de intransigência em relação a negociações. Neste caso, está a tentar regularizar contratos para não ir ao Ministério Público, e está a regularizar mal, ao pagar menos, ao pôr menos horas…”

A Casa da Música terá como objetivo o voluntariado?!

 (risos)

AS – “Quase! E como há bastante gente a precisar de trabalho, é o «se não estás bem… põe-te», e arranjam logo outro…”

FALTOU O DIÁLOGO NESTE PROCESSO TODO…

Entre vocês, trabalhadores da Casa da Música nestas condições, viveu-se alguma situação dramática devido a estes factos?

JV – “Até agora, não!”

TA – “Penso que toda a gente se manteve vertical dentro das dificuldades.”

As vossas profissões são de futuro, hoje em dia?

JV – “Sim. Continuo a acreditar, e vou acreditar sempre! Quero continuar na área onde estou. Espero somente que esses fascistas saiam da Casa da Música. Depois disto… é mesmo tentar mandar embora os fascistas.”

Tem-se registado um sem-número de contestações e até manifestações pela parte das pessoas ligadas às atividades culturais, devido aos condicionalismos impostos em relação à propagação da Covid-19. São reações de momento. E para futuro? Estarão preparados para encarar novas realidades?

AS – A nós, trabalhadores, cabe-nos manifestar, manter – como disse a Teresa -, a verticalidade. Há, na realidade, um núcleo de sete ou oito pessoas, em que cada um dá a sua opinião. Nós somos o elo mais fraco. Cabe-nos reivindicar os nossos direitos e, aos poucos, tentar mudar isto. A Cultura, antes da pandemia, dava muito emprego. A Cultura promove a nossa identidade. Portugal era dos países, em todo o mundo, com maior número de festivais por ano. Hoje, está muita gente desempregada, e atrás de um desempregado vem a família. A propósito, o meu filho até já me perguntou: agora não tens trabalho! Vamos ficar pobres? Eu fiquei quase sem saber o que responder!

Cabe-nos continuar a lutar! Já fizemos a exposição mediática, mas as coisas vão diluindo-se com o tempo. Depois a Casa da Música é imune a isto tudo. É uma instituição muito poderosa, para o bem e para o mal. Agora, se calhar, cabe ao Governo mudar a administração. Mas, como disse, isto já vem detrás. A Casa da Música já começou mal… com atrasos na sua construção; orçamentos a derraparem… isto já vem de início, é tipicamente português”.

TA – “Acreditamos que é possível fazer as coisas bem. Com diálogo e sublinho-o porque creio que foi o que faltou neste processo todo. Gostava de dizer que o abaixo-assinado foi um apelo para que as medidas que foram tomadas, naquele momento, fossem repensadas e que fossem tomadas com igualdade entre os trabalhadores.

O que se percebeu foi que houve uma desigualdade na forma de tratamento. As propostas feitas aos vários grupos de trabalhadores foram diferentes umas das outras, e não se entendeu o porquê. E o apelo foi apenas esse! Creio que se tivesse havido abertura e diálogo, possivelmente, não estaríamos aqui, neste momento. Todo este processo, e mediatismo, não foram os trabalhadores que os decidiram criar…”

HOUVE UM CONTRA ABAIXO-ASSINADO FORMADO POR ADMINISTRATIVOS, TÉCNICOS E ATÉ PESSOAL DO RESTAURANTE

AS –“…Nem fomos nós que tentamos denegrir a imagem da Casa. Houve um contra abaixo-assinado de alguns trabalhadores da Casa da Música, quando fomos à audiência parlamentar, a referir que estávamos a denegrir a imagem da Casa, que não devíamos ter feito o que fizemos; que não devíamos ter exposto as questões como expusemos… Nós só estávamos, como estamos, a reivindicar os nossos direitos. Esse grupo do contra abaixo-assinado foi formado por administrativos, técnicos, e até pessoal do restaurante. Tudo foi pensado para aquele momento, ou seja, para a audiência parlamentar. E não estávamos nada a denegrir a imagem da Casa, pois gostamos de trabalhar, caso contrário, no meu caso, não estava lá durante quinze anos, que não são quinze dias, nem quinze minutos. E o que queremos é somente que se faça Justiça. Queremos trabalhar em paz e sossego”.

 TA – “Esse comunicado pedia ao presidente do Conselho de Administração para esclarecer de uma vez por todas a situação, quanto ao facto de estarmos a denegrir a imagem da Casa da Música, e que esclarece-se no Parlamento a situação. Outra acusação, foi a de estarmos envolvidos numa luta político-partidária, pelo que é importante dizer que o comunicado foi enviado a todos os grupos parlamentares sem exceção. Alguns deles quiseram-nos ouvir, nomeadamente o Bloco de Esquerda, o PCP, e o PS. Nenhum dos outros teve interesse em ouvir-nos, a não ser quando fomos ao Parlamento”.

Queriam dizer que estavam instrumentalizados?!

TA – “Exatamente!”

AS – “O CDS manteve a sua posição neutra, e o PSD estava mais do lado da entidade empregadora. Disseram que nós não representávamos os trabalhadores; que estávamos a nível individual; e estavam sempre a perguntar o por quê de, só agora, falarmos nisto?! Por que é que isto não tinha sido revelado anteriormente, e só agora nos estarmos a queixar? Isto pode ser visto e ouvido na nossa audição parlamentar”.

A «PETIÇÃO» VAI SER ENTREGUE A QUEM ESTÁ DIRIGIDA: CONSELHO DE FUNDADORES E À ADMINISTRAÇÃO…

Agora, o que é que vão fazer com a Petição online, a qual reuniu nomes importantes da Cultura portuguesa?

AS – “Temos aí pensada uma iniciativa, mas não podemos revelar. Terá efeito-surpresa”.

TA – “A Petição vai ser entregue a quem está dirigida: ao Conselho de Fundadores e à administração…”

E com o peso dos nomes que vos apoiam… facto que dá, sem dúvida, mais força à “Petição”!

AS – “…Ganhamos mais força, sem dúvida alguma. Repare que nós fizemos já quase tudo. Fizemos vigílias, ma infestações, expusemos tudo nos media, fomos ao Parlamento, pouco mais há a fazer… temos de ser criativos e continuar na luta! Só que isto causa-nos desgaste. Há pessoas que desistem pelo caminho. Outros que vão perdendo forças. Por acaso, temos este nosso núcleo que está sempre unido. Estamos sempre em contacto uns com os outros e tentando sempre criar novas ideias para esta luta…”

TA – “Ainda estão a decorrer processos em Tribunal…”

AS – “Conforme o andamento da situação, vamos ter de nos ajustar… Isto ainda vai demorar”.

TA – “No fundo, o que está dito na Petição é que uma instituição destas está, na realidade, a gastar um bom dinheiro com advogados, com as multas que recebe da ACT, Segurança Social, etc.… Todo esse dinheiro foi investido contra pessoas que estão a tentar lutar por uma causa que é justa. Assim, tudo isto, torna-se duplamente injusto!

Muito obrigado, pela vossa coragem!

 

ALGUNS DOS SIGNATÁRIOS

 

E das mais de 2300 pessoas que exigem justiça laboral na Casa da Música (CdM), destaque para as figuras da música e de outras artes que apoiam a Petição levada a cabo pelos trabalhadores da CdM, e que foi entregue, na tarde da passada sexta-feira (27nov20), à ministra Da Cultura, e aos presidentes do Conselho de Fundadores da Casa da Música, da Câmara Municipal do Porto, e da Área Metropolitana do Porto…

Arquitetura – Gustavo Guimarães, José Gigante, Luís Artur Pena e Pedro Levi Bismarck.

Artes Plásticas – Carla Filipe, José Maia, Maria Vlachou, Nuno Ramalho, Susana Chiocca e Vítor Israel.

Arte Urbana – Frederico Soares Campos (Frederico Draw), Mariana Santos (Mariana, a miserável) e Miguel Januário.

Cinema – André Gil Mata, Dario Oliveira, Eva Ângelo, João Salaviza, Manuel Mozos e Susana Sousa Dias.

Crítica Musical – Nuno Catarino.

Design – André Cruz, João Nunes, Mariana Mattos e Márcia Novais

História – Manuel Loff.

Literatura – José Viale Moutinho e Raquel Ribeiro.

Moda – Nuno Baltazar.

Música – Ana Bacalhau, Ana Deus, Bernardo Barata, Carlos Bica, Daniel Pereira Cristo, Demian Cabaud, Filipe Silva, Frankie Chavez, Hélder Gonçalves, Hélder Moutinho, Hélio Morais, João Cabrita, João Lóio, João Paulo Esteves da Silva, João Pedro Brandão , João Pedro Coimbra, José Aníl Beirão, José Luís Borges Coelho, José Marrucho, José Salgueiro, Luca Argel, Luís Martins, Luís Severo, Manel Cruz, Manuel Rocha, Manuela Azevedo, Maria João, Mário Laginha, Marta Ângela, Miguel Ferreira, Miguel Guedes, Nuno Lucas, Nuno Prata, Patrícia Relvas, Peixe, Quiné, Rui Paulino David, Salvador Sobral, Sérgio Nascimento, Sérgio Pires e Susana Santos Silva.

Performance – Ana Rocha, Joana Castro, Joana von Mayer Trindade, João Sousa Cardoso e Susana Otero.

Política – Daniel Vieira (PCP), Eduardo Barroco de Melo (PS), Joacine Katar Moreira, Joana Mortágua (BE), José Soeiro (BE), Mariana Mortágua (BE) e Susana Constante Pereira (BE).

Teatro – António Capelo, António Parra, Carla Bolito, Jorge Silva Melo, Mário Moutinho, Pedro Lamares, Sara Barros Leitão e Tiago Correia.

 

 

Nota: A entrevista com os três trabalhadores da Casa da Música foi realizada no passado dia 23 de novembro de 2020, na simpática pastelaria-café, “Ponto 2”, à Avenida de França, bem perto da Rotunda da Boavista e da… Casa da Música

 

 

01dez20

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2 Comments

  1. António Pereira

    Primeiro os contratos a Prazo ! Mais Tarde os recibos verdes !
    Tudo para as entidades patronais, arranjarem forma de exploração dos Trabalhadores, então com os recibos verdes ( falsos ) só A C T pode ajudar ! Mais uma vez se vê que só em último caso é que se Sindicaliam ! O Meu Apoio a estes Trabalhadores de Cultura ! Como Sindicalista do Vestuário e com Sede na R. Nossa Senhora de Fátima ( próximo da rotunda da Boavista) Força na defesa dos direitos de Trabalho !

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