José Lopes
Sem complexos políticos de coincidir no sentido do voto contra o Orçamento de Estado (OE) para 2021, com a direita parlamentar que, objetivamente faz o seu papel político e tático na disputa de regresso ao poder para servir os interesses que representa na sociedade. Fechar os olhos ao essencial de um OE que não corresponde às necessidades dos trabalhadores e do país, num quadro de acentuada crise sanitária, económica e social, agravado e aprofundado por este tempo de pandemia. Só merecia ser rejeitado à esquerda sem ilusórias expetativas em migalhas apresentadas como conquistas determinantes para viabilizar uma tal proposta de um governo que continua a ter como prioridade, salvar os interesses do capital, como o exemplo das injeções financeiras no Novo Banco, que já beneficiou através do Fundo de Resolução no total de 2,9 mil milhões, acabando por ver a transferência de mais 900 milhões de euros, bloqueada pela proposta do Bloco de Esquerda aprovada no Parlamento.
Mas que migalhas, mesmo apresentadas cinicamente no seu todo, como um numero significativo para determinar opções politicas de viabilização do OE, podem justificar a aversão do Governo a alterações à legislação laboral, no sentido de se reverter a legislação laboral imposta pela direita e pela troika. Quando o quadro que se vive, de crise económica e social que a covid-19 está a deixar num rasto de empobrecimento no mundo, que se agrava com os trabalhadores empurrados para o desemprego, a precariedade, o lay-off e os baixos salários, como uma penosa condenação social que recai sempre sobre o mundo laboral.
Com a aceitação de migalhas em pleno Parlamento, que mensagem coerente se pode passar para os beneficiários de tais restos do bolo do OE? Quando urge contrariar o populismo que se alimenta do descontentamento popular, mesmo quando os seus arautos, portadores de ódio e negacionismo, racismo e xenofobia, procuram campo fértil para as campanhas da extrema-direita, na justa desilusão com as políticas de empobrecimento da qual os trabalhadores continuam a ser vítimas, mesmo num cenário politico com governos que vêm sendo suportados à esquerda.
Num tal quadro politico que era suposto ser mais favorável aos trabalhadores, para além da anual distribuição de migalhas, que sem dúvida a direita que agora se opõe à lenta atualização do salário mínimo, por si negaria mesmo migalhas. A atual legislação laboral que foi agravada e imposta pelo seu governo ao serviço dos ditames da troika, constitui um dos fatores principais de austeridade que continua a ser suportada dolorosamente pelos trabalhadores na atual conjuntura, em que os apoios às empresas, face à pandemia, não ousaram garantir a proibição dos despedimentos, no mínimo a exemplo de medidas tomadas noutros países.
Ceder à propaganda das migalhas, sem alterações à legislação laboral e sem reverter as políticas de benefícios à banca (que vão para alem das injeções dos milhões no Novo Banco) e aos grandes grupos económicos. É também faltar à resposta determinada que a grave crise sanitária exige, através de um significativo reforço do Serviço Nacional de Saúde (SNS), capaz de corresponder em capacidade aos vários níveis, para fazer face à imprevisível evolução da covid-19 e suas consequências na saúde pública, ao mesmo tempo que a Saúde continua a ser um negócio rentável para as Parcerias Publico Privado (PPP), que neste OE encaixam mais de mil milhões.
Por isso, ceder a migalhas com propaganda de esquerda é continuar a fazer os trabalhadores suportarem a crise, que, já no OE de 2020, “Só mesmo por ironia, se poderia esperar a apresentação de um Orçamento de Estado (OE) com excedente orçamental de 500 milhões de euros, num país sem prioridade no combate ao empobrecimento, quando entre a população em risco de pobreza se encontram, reformados, desempregados, mas também empregados.” (“A ironia de um Orçamento de Estado com excedente e das migalhas que sobram para o combate ao empobrecimento”: Etc e Tal jornal / 1 de janeiro/20 / José Lopes). Ou como também cheguei a escrever, com o título, “Aprovação do Orçamento do Estado por uns “trocos” para os pobres” (Esquerda.net / 26-10-2018 / José Lopes), acrescentando neste texto sobre o OE para 2019, ““Trocos” que não retiram os pobres que trabalham com baixos salários da sua condição de pobreza, mas foram propostas arrancadas a ferros, em duras negociações com um governo do PS, que amarrado a compromissos com o capital nem estes “trocos” por si garantiria caso governasse sozinho”, com uma maioria absoluta, claro.
Com uma estranha arrogância a dominar um governo cada vez mais fragilizado, sujeitar os trabalhadores a migalhas e à legislação laboral que a direita (PSD/CDS) aplicou e o PS não abdicou, não pode ser o caminho. Sem complexos políticos e sem ilusórias expetativas, o OE de 2021 só merecia ser rejeitado à esquerda.
Foto: Pesquisa Google
01jan21