José Lopes
A festa da liberdade para assinalar o 47.º aniversário do 25 de Abril, viveu-se em todo o país e junto das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, mesmo com todas as condicionantes impostas pela pandemia da covid-19. Medidas de segurança que este ano em fase de desconfinamento, permitiram respirar alguma liberdade de expressão coletiva em sessões oficiais e manifestações populares para “resgatar” a liberdade e a democracia à pandemia, como sentimentos transversais na generalidade dos eventos e dos discursos das várias correntes politicas e ideológicas.
Nesta festa da liberdade de expressão não resisto, 47 anos depois do 25 de Abril, a escrever, até que a voz nos doa para reclamar Abril, começando por saudar e homenagear o Movimento das Forças Armadas que, e é preciso lembrar os negacionistas, derrubou o regime fascista no dia 25 de Abril de 1974. Movimento dos capitães de Abril que pôs fim à longa noite do fascismo que mantinha Portugal como um país triste, pobre, atrasado e analfabeto, vergado sob o peso da repressão e em guerras em três colónias, como um conflito sem sentido e sem glória que se arrastou por treze penosos anos, com milhares de mortos e estropiados.
Dramas de uma guerra isolada na europa e no mundo, que só beneficiava os interesses de grandes grupos económicos do regime colonialista, opressor e explorador de povos que justamente lutaram pela sua independência, e como os seus irmãos portugueses terão que continuar a lutar pela sua emancipação, para se libertarem das garras do capitalismo predador, que nos sufoca não só a liberdade e a democracia, mas cada vez mais o direito à vida, porque Não Há Planeta B.
47 anos depois do 25 de Abril é preciso continuar a lembrar, nestes tempos em que por aí surgem promotores de ódio racista e edeologia de extrema-direita a coberto dos direitos democráticos, que curiosamente querem hostilizar ao serviço de agendas ultra neoliberais e revanchistas. Que foi neste dia, que o povo transformou na festa da liberdade, já a caminho do meio século, que o país se libertou do medo da ditadura e da sua polícia politica, a PIDE. Para o devolver a um povo que de imediato assumiu em mãos o aprofundamento de avançadas conquistas populares, das liberdades e da democracia, da liberdade de expressão sem censura e todos os direitos e garantias que com luta nas ruas, nas fábricas, nas escolas e naturalmente no Parlamento, deram corpo à Constituição de 1976.
Apesar de algumas revisões de que já foi alvo o espirito da Constituição, para servir interesses da burguesia e das exigência da União Europeia, continua sob ameaça de chantagens populistas que querem descaraterizar e desmembrar o Estado Social, o que aliás a pandemia veio demonstrar o seu indispensável papel e função, desde logo através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pese embora, ainda todas as suas fragilidades e limitações, incluindo grande parte dos investimentos que muito favorecem as Parcerias Público Privadas (PPP) e os grupos económicos que fazem da Saúde um grande negócio.
Neste dia de diferentes referencia e conceções sobre a revolução do 25 de Abril e o processo revolucionário então vivido, é também inesquecível a extraordinária vivência do movimento operária e dos trabalhadores em geral, que através da sua luta e dos focos de resistência e organização antifascista, se destacaram com consciência de classe, em defesa de reivindicações politicas, sociais e laborais, como a liberdade sindical e a emancipação dos trabalhadores, que pelo país, em diferentes fases e caminhos percorridos, foram dando forma à sua organização laboral e sindical, ou as reivindicações por dignidade no trabalho, como a contratação coletiva.
Estas são conquistas a que o capital nunca deu tréguas nestas décadas de democracia, a exemplo da política de submissão à troika por parte do PSD/CDS, que deixaram leis laborais desfavoráveis aos trabalhadores que o governo PS, mesmo no atual quadro parlamentar, insiste em não rever com a colaboração da direita. Direitos fundamentais de justiça laboral que urge resgatar, quando hoje temos mais de 2 milhões de trabalhadores a viverem abaixo do limiar de pobreza. Ou seja, apesar de ter trabalho e mesmo contrato de trabalho, há cerca de 50% de trabalhadores a trabalharem para serem pobres, como resultados de níveis salariais baixíssimos, que contrastam com a conquista da valorização salarial de Abril.
Tal quadro de ataque ao trabalho que a pandemia agravou com a consequente crise e austeridade que aprofunda desigualdades sociais, foi posta ainda mais a nu, nomeadamente em setores sociais mais desprotegidos e nas periferias urbanas, sujeitos à precaridade laboral, às más condições de trabalho, de mobilidade e de habitabilidade, bem como aos baixos rendimentos, e à inexistência de uma rede pública de apoio aos idosos. Desigualdade, que 47 anos depois de Abril exigem ser frontalmente atacadas, dando prioridade à defesa da vida humana. A esquerda não se pode associar nem comprometer com medidas de austeridade nem com medidas que atentem contra a dignidade da vida humana, princípio intransponível pelo qual deve determinar a posição a adotar nos Orçamentos de Estado.
Ainda que em condições diferentes em termos dos condicionalismos de segurança para se assinalar o 25 de Abril pelo segundo ano consecutivo em pandemia, com todos os dramas económicos e sociais ou o rasto de mortes que afetam milhares de famílias portuguesas. Ou ainda a tragédia humanitária da pandemia em vários pontos do mundo, como no Brasil, refletindo comprovadamente as consequências da política negacionista de Bolsonaro ou de trumpistas promotores de terrorismo na USA. Não se pode deixar de referir que os sucessivos estados de emergência que se tem vivido, estão impregnados de uma pulsão securitária e responsabilizadora individualmente do cidadão, sem qualquer requisição do setor privado da saúde ou na proibição dos despedimentos. Tratou-se de condicionamento dos trabalhadores e respeito pelo capital, como descaradamente o Governo continua a exibir no caso dos Apoios Sociais aprovados no Parlamento e com promulgação do Presidente da Republica, ao recorrer ao Tribunal Constitucional.
Assinalar Abril deveria ser também neste quadro de fragilidade, aprofundar respostas à crise, exigindo a revisão da legislação laboral, combatendo os argumentos ideológicos semeados pela União Europeia e adotados fielmente pelo Governo. Bem como, defender uma estratégia de qualificação dos serviços públicos, desde logo o SNS. Que avance com a reconversão produtiva e com a democratização energética, aposte na transição agroecológica que crie emprego, promova uma economia orientada segundo os interesses da maioria da população. Combata as desigualdades sociais e as assimetrias territoriais e assuma o controlo público e democrático de setores estratégicos, como a finança. Promova a cultura e a escola democrática inclusiva, e uma educação emancipatória, ativa, que valorize a liberdade, a consciência critica e fomente o exercício de uma cidadania consciente, baseada numa educação de valores.
Educação de valores que permitam olhar para o mundo com humanismo e solidariedade, para a crise dos refugiados e migrantes que é ocultada ou esquecida deliberadamente pelas potências ocidentais, o genocídio do povo palestiniano, o abandono à sua sorte do povo curdo ou a disputa de recursos naturais como o gás natural e pedras preciosas no norte de Moçambique, através de ataques e violência inspirada no estado islâmico, que provocam fuga, fome e morte em Cabo Delgado.
Mas também educação de valores no exercício de cidadania e consciência critica, que se posicione, como aqui se sugere entre tantos outros casos que indignam os portugueses, sobre o porquê do Governo abdicar do valor que o Estado, por direito, poderia arrecadar com a autorização do negócio da venda de seis barragens da EDP à francesa Engie, apesar dos alertas e denunciou para uma fuga ao pagamento de 110 milhões de euros de imposto de selo. Este é o mais recente escândalo que prova que o país não é pobre, nem precisa do regresso a políticas neoliberais para austeridade encapotada. É preciso reafirmar que o país não é pobre! Roubam! Porque pobreza e miséria foi a condição a que o fascismo limitou o povo que se libertou no 25 de Abril.
A defesa da liberdade e democracia conquistada há 47 anos, só pode ser o caminho, no aprofundamento do Poder Local e dos órgãos autárquicos mais próximos das populações, continuando a lutar pela reposição das freguesias que há revelia das populações deram origem a megas fusões, que os partidos do arco da governação continuam a negar no Parlamento a sua desagregação. Como adiada continua a regionalização que ponha em causa o poder centralista que vai deixando o interior abandonado.
Até que a voz nos doa para reclamar Abril e aprofundar muitas das conquistas 47 anos depois do 25 de Abril, continua a ser um desafio extraordinário para sucessivas gerações que vão assumindo em mãos a construção do caminho de solidariedade e fraternidade, ganhando consciência do capitalismo globalizado que está a conduzir o planeta e a humanidade a um desastre ecológico e socioeconómico de proporções ainda desconhecidas. Tempos que fazem despertar debates alternativos e caminhos para a recuperação dos ecossistemas que o capitalismo destruiu. Ao mesmo tempo que promove novos autoritarismos que exigem resistência tal como várias outras gerações resistiram ao fascismo.
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