Maximina Girão Ribeiro
Ao continuarmos a nossa ronda pelas fontes do Bonfim, “visitamos” hoje a Fonte das Fontainhas, localizada na Alameda das Fontainhas, um local bastante atractivo pela excelente vista sobre Gaia e o Rio Douro. Este miradouro, situado na Alameda ou Passeio das Fontainhas foi, durante muito tempo, um dos passeios públicos mais concorridos pela burguesia da cidade, que dele faziam um local de lazer.
A zona das Fontainhas integra-se nas freguesias da Sé e do Bonfim, localizando-se no topo de uma escarpa, parcialmente abaixo da ponte do Infante. Todo este espaço foi concebido nos finais do século XVIII, pelo corregedor Francisco de Almada e Mendonça, com um projecto do ensamblador e arquitecto José Francisco de Paiva (1744-1824). O Passeio das Fontainhas foi aberto ao público em 1796, como uma verdadeira varanda/miradouro sobre o rio. Era rodeado de gradeamento e portões de ferro, que só foram retirados, os do lado ocidental, por ordem da Câmara, em 1899, anos após o prolongamento no sentido nascente.
O topónimo “Fontainhas” remete-nos para a existência de muitas fontes ou fontinhas, neste local. Com o decorrer do tempo, a palavra foi sofrendo alterações de pronúncia, até à corruptela “Fontainhas”.
O manancial das Fontainhas tinha a sua nascente situada no monte da Praça da Alegria e era considerado de água de muito boa qualidade, quer para abastecimento doméstico, quer para fornecimento dos navios que atracavam no Douro fazendo, antes das grandes viagens, a tradicional “aguada”, a qual tinha lugar numa fonte junto do rio, exactamente chamada “Fonte da Aguada”, situada num local sensivelmente onde hoje se encontra um pilar da Ponte de D. Maria Pia.
É este um dos mais antigos mananciais públicos da cidade, pois conhecem-se notícias acerca das qualidades da sua água, desde 1588. Essa água abastecia a fonte das Fontainhas e os lavadouros anexos, onde as lavadeiras lavavam a roupa, pondo-a a corar e a secar no espaço envolvente. A água corria por um aqueduto sobre arcos, conduzindo-a para o Colégio de S. Lourenço, da Companhia de Jesus, também conhecido por Colégio dos Grilos.
Diz-nos o “Guia Histórico” de 1864 que este local, as Fontainhas, “Está assente na encosta de um monte alcantilado, e sobranceiro ao Douro, bem sombreado de arvoredo e guarnecido de bancos de pedra. Em 1831, foi melhorado com a gradaria e portas que o fecham. Ruas ladeadas de viçosa relva e uma fonte de pedra jorrando água perene e saborosa suprem as vezes de ruas ajardinadas e repuxos […]”.
Pois, é desta fonte, situada na Alameda das Fontainhas que fazemos agora a sua descrição. Apesar das grandes alterações que estes locais foram sofrendo, a fonte permaneceu imutável na sua grandeza ancestral, fazendo parte de todo o complexo envolvente, construído no século XVIII.
Trata-se de uma fonte que está adossada no meio da grande parede – um muro semi-circular que rodeia todo o conjunto da Alameda das Fontainhas. Ao longo de todo esse grande muro existe um banco corrido, só interrompido pela existência da fonte. O banco de pedra representa o convite ao descanso, à reflexão, ao convívio e à apreciação da beleza que dali se avista.
A fonte tem um largo tanque, alto e arredondado nas extremidades, que recebe a água de duas bicas, emolduradas por formas graníticas circulares.
Entre as bicas existe uma fenda, aberta no granito de que é feita a fonte, por onde corre água continuadamente.
A partir desta forma quadrangular do espaldar, erguem-se lateralmente dois pilares, cada um rematado por uma forma pontiaguda que é rodeada por pequenos delineamentos acastelados, que fazem lembrar as ameias e os merlões dos castelos. Serão estas formas uma alusão ao “misterioso” castelo de S. Lázaro que, documentos antigos, registam ter existido nas redondezas deste local? Trata-se apenas de uma leve suposição.
Ao espaldar quadrangular segue-se uma forma ligeiramente triangular que é encimada por uma espécie de globo, alongado no sentido vertical.
É uma fonte cuja leitura estética é muito simples, mas que encerra muitas e variadas histórias.
Provavelmente, nesta fonte, que fica junto da Rampa das Carquejeiras, seria este o local em que estas sofridas mulheres paravam, descansando por raros momentos para beber água, lavar o rosto pingando de suor, produzido pelo esforço brutal de acarretarem, pela íngreme ladeira, 50 ou 60 quilos de carqueja que, de seguida, distribuíam pela cidade para alimentar fogões, lareiras, padarias, fábricas,… Recentemente, perto da fonte foi erigida uma estátua, pela Associação Homenagem às Carquejeiras, que perpetuará a memória destas trabalhadoras – as mulheres Carquejeiras.
Aqui se abastecia de água a população da zona e imaginamos as mulheres que iam à fonte de cântaro à cabeça e jarro na mão, regressando a casa carregadas, assim como as rapariguitas, cada uma com o seu caneco de água.
Muitos acontecimentos tiveram lugar, nesta zona das Fontainhas. Recordamos os combates sangrentos e de extrema violência, durante a segunda Invasão Francesa, quando as tropas napoleónicas estavam já em fuga. Ou, durante o cerco do Porto quando, em 1832, as tropas absolutistas, comandadas por D. Miguel, instaladas na margem sul do rio Douro, em Gaia, na serra do Pilar, montaram o cerco à cidade do Porto. Perante esta situação, D. Pedro alojou-se no Porto para organizar a defesa da cidade, dando ordens para estabelecer baterias em diferentes localizações, uma das quais foi a bateria das Fontainhas, por ser um local de considerável importância estratégica, que representou um relevante bastião da defesa Liberal. Durante os onze meses do cerco, os constantes bombardeamentos de artilharia, muito perturbaram a população desta zona.
Por último, uma outra memória, a mais agradável de todas, que é a que se refere à transformação desta fonte em cascata sanjoanina, um pequeno santuário que se torna num lugar especial, ponto alto das festas de S. João.
Na noite que encerra a maior magia desta cidade, a Fonte das Fontainhas fica engalanada de manjericos e ervas de cheiro e de toda uma fulgurante decoração que destaca as figuras escultóricas de S. João a baptizar Cristo. Aí, acorre muita gente, deixando esmolas e ofertas de cera (velas e figuras de cera), em cumprimento de promessas feitas, deixando essas ofertas, colocadas à volta da Fonte. Apesar de todo o barulho ensurdecedor do ambiente desta zona das Fontainhas, na noite de S. João, diante desta fonte, prevalece o sagrado, embora lado a lado com o profano envolvente.
O poeta António Aleixo não deixou de cantar a feição amorosa, bem portuense, do culto sanjoaneiro:
São no Porto as Fontaínhas,
onde as raparigas vão,
como bandos de andorinhas,
na noite de S. João.
Esta Fonte das Fontainhas é, verdadeiramente, uma testemunha passiva das múltiplas vivências ocorridas ao seu redor.
Nota: Sobre as Fontes e Chafarizes do Porto poderão consultar a obra “As Nossas Memórias – as Fontes do Porto“ (Volumes I e II), trabalho de que sou co-autora com Arminda Santos, Rui Clare e Luís Pacheco, uma colectânea onde encontrarão outras abordagens diferentes, sobre estes equipamentos públicos.
Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
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