José Lopes
Desde que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou no final de janeiro de 2020, o surto da doença Covid-19 causada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, “como uma emergência de saúde pública de âmbito internacional”, como se lia na “informação de monitorização” da Entidade Reguladora de Saúde (ERS), sobre o “impacto da pandemia Covid-19 no Sistema de Saúde”, no período de março a junho de 2020, em que fazia a cronologia da evolução do vírus desde que se registou a 2 de março desse ano o primeiro caso em Portugal, e a 11 de março, a OMS “qualificou-a como uma pandemia internacional”, em rápida propagação mundial e que segundo a revista E do Expresso (26/02/2021), “em fevereiro de 2020, sem que ninguém soubesse, o novo coronavírus já circulava silenciosamente no país. Até ao fim de março, entraram 277 pessoas infetadas vindas de 36 países diferentes”.
A ERS referia ainda nesta “informação de monitorização”, quando seria inimaginável que o Mundo chegasse a maio de 2021 a ultrapassar os 3,5 milhões de óbitos vitimas de Covid-19, o aumento do número de infetados, de internamentos hospitalares e de óbitos no país, que acabaram por modificar “rapidamente o contexto de prestação de cuidados de saúde em Portugal”, como uma “situação excecional criada pela epidemia SARS-CoV-2 e pela infeção epidemiológica por COVID-19”, que veio alterar “significativamente o sistema de saúde, quer por força da própria doença, que implicou uma resposta específica e imediata dos serviços de saúde, quer por força das medidas adotadas pelas entidades competentes”, como a Direção-Geral de Saúde (DGS), para “prevenir a transmissão do vírus e combater a potencial calamidade pública resultante da doença em causa”, recorrendo mesmo à restrição de direitos e liberdades.
Neste quadro pandémico, a ERS, que entre os seus objetivos regulatórios se propõe, “assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de saúde”, e garantir “os direitos e interesses legítimos dos utentes e zelar pela prestação de cuidados de saúde de qualidade”, identificou na referida monitorização, naqueles primeiros meses de pandemia, as fragilidades e necessidade de resposta no acesso aos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde. Restrições que criaram inevitável impacto no sistema de saúde, nomeadamente na prestação de cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS), que, com todas as consequências para os doentes não Covid-19, a exemplo das doenças oncológicas que os rastreios ficaram por fazer durante um ano, “menos 400 mil rastreios durante a pandemia”, escreveu o Expresso (14/05/21).
Uma situação de saúde pública que consensualmente foi considerada como de emergência e situação excecional, que nos serviços de Saúde teve uma queda acentuada da atividade programada na rede de estabelecimentos no SNS em virtude das alterações à organização e prestação de cuidados de saúde, com particular incidência nos Hospitais e Unidades de Saúde Familiar USF).
Com o fim do estado de emergência há dois meses e o inicio do desconfinamento em estado de calamidade até 30 de maio. Com todas as dificuldades inerentes aos reconhecidos atrasos em consultas, rastreios ou cirurgias. É notório um significativo esforço de recuperação das listas de espera ao nível da organização hospitalar. Mas o mesmo não parece ser preocupação na gestão de algumas USF que ainda continuam a funcionar com muitas medidas restritivas.
Estando em perspetiva novas regras em junho no progressivo desconfinamento, ainda que com adequadas cautelas no alargamento do funcionamento de vários setores. É tempo de desconfinar as restrições nos serviços de saúde, como as USF que persistem ainda hoje, não estando todas no mesmo plano de desenvolvimento organizacional apesar do grau de autonomia, com medidas restritivas cada vez mais surrealistas, mantendo instalações praticamente sem doentes para consultas presenciais. Um estranho vazio e um certo afastamento dos doentes, que nesta fase, um ano depois de se terem ajustado à evolução da pandemia, permanecem sujeitos a normas que limitam a proximidade com o médico de família, que continua a privilegiar o contato telefónico ou online.
Sem desvalorizar ou negar as vantagens de soluções não presenciais dos doentes, como alternativas ajustadas a certas realidades e dificuldades. É tempo de ensaiar medidas de desconfinamento também nas USF, para que a relação de proximidade que estes serviços de cuidados de saúde se propõem, através das suas equipas de médicos, enfermeiros e outros técnicos, voltem a uma certa normalidade, mesmo com o país abraços com as consequências da quebra de rendimentos, que não deixam de se refletir no estado de saúde.
Imagem: pesquisa Web
01jun21