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Quando o exemplo da partilha de solidariedade com refugiados e imigrantes vem da cidadania em meio escolar…

José Lopes

 

Felizmente são as crianças e os jovens alunos que em meio escolar dão exemplares lições de cidadania, mesmo quando surgem sinais de fundamentalismo contra a disciplina “cidadania e desenvolvimento” na escola pública, como espaço intercultural em que os valores democráticos e aperfeiçoamento do comportamento humano, tantas vezes desvalorizado fora da escola, devem ser defendidos e estimulados através da educação para a cidadania, promovendo a participação, solidariedade e responsabilidade através de práticas pedagógicas coerentes e consequentes na vida da comunidade, para construção de uma cidadania plena, reconhecendo e valorizando a diferença, fundamental para a vida social como um todo, sem ódios nem exclusões que grassam pela Europa.

Este empírico apontamento, que resulta de vivências concretas em meio escolar, em que alunas sírias vêm dando extraordinária alegria a uma comunidade escolar (Ovar), que, tem tido o privilégio de enriquecer, também através da multiculturalidade, diferentes gerações de alunos. Vem a propósito de inquietantes noticias recentemente vindas de uma Europa sem princípios consensualmente aceites, pelos países da União Europeia (EU) sobre refugiados e imigrantes que fogem de cenários de guerra, da fome e das diferentes intolerâncias, como fantasmas com que se voltam a defrontar, quando mesmo em países em que se integraram plenamente, voltam a ficar sob ameaças ideológicas, promotoras de politicas de imigração e integração mais duras e restritivas, a exemplo das consequências das disputas eleitorais entre partidos sociais-democratas, liberais, conservadores e extrema-direita, que se vivem no caso da Dinamarca, ao revogar autorizações de residência a refugiados sírios, sujeitos, em caso de recusa a voltarem à Síria, ou a serem mandados para centros de deportação, que as próprias organizações como a Cruz Vermelha descrevem como inaceitáveis para receber pessoas.

Nesta Europa em que ressurgem e ganham espaço político, nas instituições e governos, partidos de extrema-direita, que transformam a vida de refugiados e imigrantes num pesadelo, negando-lhes direitos humanos. O cenário não deixa de ser perturbador para qualquer sírio, independentemente do país de acolhimento, quando, como não bastassem os estímulos de atitudes xenofóbicas, medo e ódio, através de discursos anti-imigração na Hungria de Viktor Orban. Seja entretanto o governo de um país como a Dinamarca, que foi aliás o primeiro a assinar a Convenção das Nações Unidas para os refugiados, em 1951, a aprovar uma nova lei que permite ao país enviar requerentes de asilo para países fora da Europa, no sentido de aí ficarem à espera de uma resposta ao seu pedido. Contrariando os alertas do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) ou até da Comissão Europeia, para os perigos de tal medida dinamarquesa colocar em risco vidas humanas.

Perante as medidas restritivas anti-imigração, no caso da Dinamarca, influenciadas pela extrema-direita, ainda que em queda eleitoral, que visam essencialmente os refugiados sírios a não procurarem asilo neste país europeu, nem a solidariedade da sua significativa comunidade síria. Não deixará certamente de perturbar muitas das famílias sírias acolhidas em vários países como Portugal, em que a tolerância e a defesa da diversidade da comunidade nacional, ainda se sobrepõem às teorias do ódio.

Caminho de fraternidade que as crianças e os jovens alunos nas escolas, em convívio multicultural sem complexos nem tabus, na sala de aula ou no recreio, com ciganos, refugiados e imigrantes dos vários cantos do mundo, são o melhor exemplo para desmistificarem fundamentalismos e fanatismos de adultos de discursos populistas, que chegam a defender medidas fascizantes como “cadastro étnico-racial”, e que ameaçam declarar guerra cultural a partir das escolas, contra o que chamam de “doutrinação ideológica”, tal como os seguidores de Donald Trump ou Bolsonaro tentaram desestabilizar e intimidar as comunidades escolares e multiculturais.

Em defesa da liberdade, da democracia e da diversidade multicultural, terão de se travar quaisquer tentativas de retrocesso cultural na escola pública, em que urgem sim, reformas para consolidação e aprofundamento de avanços civilizacionais. Porque as migrações fazem parte da história da humanidade, e todos os dias, migrantes e refugiados procuram proteção e uma vida melhor, tentando chegar à União Europeia, arriscando a sua vida no mar e em terra, para escapar à opressão política, à guerra, às catástrofes naturais ou à pobreza. São histórias dramáticas vividas por famílias e suas crianças, que chegam às comunidades escolares, e apesar dos cenários de terror da guerra fratricida, como víamos pela TV no sofá, cidades esventradas na Síria.

As suas crianças e jovens em percursos escolares nos diferentes ciclos de ensino, encontraram em meio escolar a paz e o apoio à sua integração sem medos, sem ódios, e felizmente por cá, sem ameaças de lhes verem negado o direito de lutarem em liberdade e exercício de cidadania, pela sua felicidade partilhada em ambiente multicultural, que vai deixando momentos marcantes e gratificantes de amizade na tão natural integração.

Este é o sentimento de quem, em meio escolar tem o privilégio de vivenciar a contagiante alegria de jovens sírias, porque, em tempo de alerta para a perigosa normalização da extrema-direita e dos seus líderes e ideólogos ao serviço de agendas populistas e do capital predador, que ensaia sistemas económicos ultraliberais, sem direitos para os trabalhadores, tornando refugiados e imigrantes no seio da União Europeia as vitimas ainda mais frágeis de avanços populistas e retrocesso civilizacional.

São muitas as histórias de vida como as que marcaram a infância destas crianças e jovens sírias, que não podem ser branqueadas, por mais que o tempo e a alegria que partilham em meio escolar e na comunidade, façam esquecer os difíceis e dolorosos momentos, como os que tiveram de enfrentar, ao abandonar Raqqa, na altura capital do Estado Islâmico, e a fuga para a vizinha Turquia, que fechou a fronteira e obrigou pais, mães e filhos a caminharem até Aleppo, procurando alternativa mais arriscadas para entrar na Turquia, e aí mais tarde fazerem a travessia para a ilha grega de Samos, com o sonho de chegar a outra Europa. Seguindo de barco até Atenas e depois para Salónica, onde os deixaram atravessar para a Macedónia.

Depois Kosovo, Sérvia, Croácia, Eslovénia e Hungria, apanhando aí um comboio para Viena. Nove países em pouco mais de um mês, são roteiros de diferentes experiencias dramáticas que nos chegaram pela imprensa. Acabando por ser na capital austríaca que surgiu a solidariedade de Portugal para o acolhimento de uma das famílias e em concreto a que viria a fixar-se em Ovar, integrando-se exemplarmente nas escolas do Agrupamento de Escolas de Ovar as três irmãs que, com idades entre os nove, sete e quatro anos de idade, viveram com os pais os dramas que a imprensa a exemplo do Expresso (31/12/2020), cinco anos depois voltou a trazer à memória dos leitores, sobre a família Alkhamis que o Daesh obrigou a fugir como a tantos outros milhares de sírios. Às jovens alunas, Dimas, Inas e Rimas, dedica-se este texto.

Durante estes mesmos caminhos em fuga da guerra, milhares de outras famílias sírias perderam a vida e tantas crianças ficaram órfãs. A todos estes sobreviventes de diferentes intolerâncias, garantir direitos humanos e rejeitar o ódio exaltado pela extrema-direita contra refugiados e imigrantes, é um dever de solidariedade entre os povos, que as crianças e jovens em ambiente multicultural no meio escolar, tão exemplarmente e sem medos, transportam saberes e práticas de tolerância e cidadania para a comunidade, contribuindo para desmistificar civicamente o fundamentalismo de alguns adultos, contaminados por discursos de ódio também em Portugal.

 

Foto: pesquisa Web

01ago21

 

 

 

 

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