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Afeganistão: o que mais há a dizer?

Ricardo Guerra

 

Não sei mais o que dizer. Sinto que já tudo foi dito. Tentei escrever um poema, tento agora escrever uma crónica… E a verdade é que a única palavra que me surge é: revolta.

Sim, revolta. Revolta-me ver tanto desespero, tanta dor num regresso ao passado que não tem, para já, quaisquer perspetivas de futuro. Em pouco tempo se esvai um progresso de 20 anos, soprado ao ar como grãos de areia. Como há 20 anos, a voz do Corão impõe-se radicalmente de novo. Os talibãs declararam que os direitos das mulheres seriam respeitados, segundo “os limites do Islão”, porém, todos sabemos que essas palavras não são fonte de conforto. Elas são, aliás, o golpe final na parca esperança daqueles que pensaram que os valores deste grupo teriam, de facto, mudado. O post viral do Nuno Markl no Instagram explica melhor do que eu todos os chocantes limites que a ditadura talibã aplicará aos direitos das mulheres. Regressamos assim à sociedade contra a qual o movimento feminista vem a combater há décadas e séculos a fio, numa luta que ainda não terminou (e que não terminará nunca), em que as mulheres não são autorizadas a trabalhar fora de casa (nem a existir fora de casa sem acompanhamento masculino), estão proibidas de estudar e até de serem atendidas por médicos homens!

Preocupa-me, por um lado, o destino das mulheres que puderam usufruir da merecida e arduamente conquistada liberdade para estudarem e sonharem com uma carreira que as realize a nível pessoal, como qualquer outra. Custa-me pensar como será ver todos os seus desejos e planos destroçados por um conjunto de homens inseguros que, em nome de regras obsoletas, pretendem controlar as mulheres e submetê-las à sua ordem de forma absoluta. Por outro lado, preocupam-me as meninas, as mulheres do futuro, as que ainda hão-de vir. Custa-me ver que, nascidas e criadas num mundo retrógrado como este, elas poderão nunca vir a perceber que o mundo se estende para lá da gaiola onde se encontram presas. Custa-me entender que nunca ninguém as encorajará a ser alguém e a aceitar as suas diferenças e aquilo que as torna únicas. Nunca perseguirão o seu próprio caminho, nunca serão mais que uma extensão corpórea e inseparável do seu próprio pai, marido ou irmão, nunca serão mais que a sombra do homem que as acompanha.

Do conforto das nossas casas, vemos um mundo torto na televisão, que por múltiplas razões, não parece estar pronto para se endireitar. Apenas algo há que me oferece conforto: que ainda há quem não se resigne, quem não desista, quem lute por um futuro melhor, ainda que possa morrer por isso. No simbólico dia da independência, 12 pessoas morreram num protesto antitaliban realizado em Asadabad, onde arrancaram a bandeira dos Taliban e, movidos pela inefável força da pátria, empunharam com bravura a bandeira do Afeganistão.

No dia 21 de agosto, a Liga Feminina do Porto realizou uma concentração pela libertação das mulheres nos Aliados, tendo como objetivo “reunir um número considerável de pessoas para fazer pressão política sobre os decisores políticos portugueses” a fornecer asilo político às meninas e mulheres afegãs. Até quando? Quanto sangue será derramado e quantas manifestações serão necessárias até que a pomba da paz e o grito da liberdade sejam, de novo, garantidos a quem de direito?

Pergunto-me também: até que ponto devem ser só as mulheres ou só os movimentos feministas a preocupar-se com estes assuntos? Não deverá cada um de nós contribuir para ativamente para um mundo em que barbaridades como estas não são aceites? Não deverão cada partido, cada governo e cada organização de caráter internacional ser mais vocais quanto à defesa dos direitos das mulheres, da sua liberdade e da sua dignidade? Creio que a resposta é óbvia. O caminho faz-se caminhando, mas todos nós temos de caminhar para o mesmo sentido, de forma a chegarmos mais longe… E ainda há muito que caminhar…

Não sei mais o que dizer. Só sei que sou grato, muito grato por viver num país em paz. Por escrever este artigo da comodidade da minha casa, por saber que os meus direitos não estão ameaçados, por saber que a minha esperança e a minha vida não dependem de um avião… Sou grato, porque posso chamar ao meu país de casa. E isso ninguém me tira.

 

Foto: pesquisa Web

 

01set21

 

 

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