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Há 100 anos, um programa eleitoral pela descentralização

Nas eleições legislativas de 10 de julho de 1921 para a Câmara dos Deputados foram eleitos 163 deputados. Votaram 63% dos 550.000 eleitores inscritos, no país com pouco mais de 6 milhões de habitantes. É que pela legislação eleitoral que vigorava à época, apenas podiam votar nos 51 círculos eleitorais os homens maiores de 21 anos e que soubessem ler e escrever. Mas só os distritos de Lisboa, Horta e Porto tinham menos de 63% de analfabetos. E não podiam votar as mulheres, os mendigos e os falidos.

A sessão parlamentar teve início em 1 de agosto de 1921 e durou apenas 3 meses. Também sem surpresa, o Partido Republicano Liberal no poder, apesar da perda de votos, obteve 79 deputados. O Partido Democrático conseguiu 54 lugares e o Partido da Reconstituição Nacional elegeu 12 deputados. O PCP, recém-fundado, defendeu a abstenção às eleições. Os monárquicos, que concorreram pela primeira vez, conseguiram 4 lugares e o Centro Católico elegeu 3 deputados. E conforme consta da documentação existente no arquivo histórico parlamentar entre os 4 deputados eleitos à V legislatura, pelo círculo de Guimarães, constava um tal António Oliveira Salazar….

Mas mais relevante nestas eleições realizadas há 100 anos foi o surgimento no círculo 9, concelho do Porto, duma candidatura que se apresentou com um programa descentralizador e regionalista. As posições de crítica à centralização administrativa e política, que nas palavras de Oliveira Martins tornara a nação um corpo anémico e raquítico, tinham sido já manifestadas no Congresso de Dezembro de 1920 do Partido Republicano Português através da Declaração dos 39. E na véspera das eleições, o jornal “O Primeiro de Janeiro” até publicou um artigo defendendo, entre outras reivindicações, alterações no Código Administrativo de 1878 que impunha, por exemplo, que a criação de lugares e vencimentos do pessoal das Câmaras e Juntas de Freguesia fosse submetida à autorização do governo…

Na apresentação no dia 5 de julho no Teatro Nacional Carlos Alberto da lista do Núcleo Republicano Regionalista do Norte (NRRN) que se constituiu para as eleições de 10 de julho de 1921, o mesmo jornal indicava como ideias orientadoras do programa muitas das teses anteriormente defendidas: descentralização administrativa através dum novo código administrativo, o reforço dos poderes das câmara municipais e das juntas de freguesia, um melhor aproveitamento dos recursos económicos locais, como a eletrificação do caminho de ferro do Minho e Douro e a construção dum novo porto comercial em Leixões, Matosinhos.

Os resultados das eleições de 10 de julho de 1921 publicados no “Diário de Lisboa” indicam a eleição pelo círculo do Porto de 6 deputados do Partido Democrático e de 2 do partido governamental. O elemento mais votado do NRRN teve 1.113 votos contra 2.345 do partido liberal. As propostas regionalistas (e federalistas) apesar de buscarem fundamento no programa republicano de 1891 não obtiveram expressão significativa nos partidos que se formaram na 1ª República.

Já em 1911, Alves da Veiga um dos dirigentes da revolução do 31 de janeiro de 1891 no Porto, tentara com o seu livro “Política Nova” influenciar, sem êxito, a Constituinte para que adotasse um regime federativo, para “criar uma pátria nova” e um “povo moderno”. As ideias regionalistas tiveram no jornal “A Pátria” amplo debate através de artigos de Trindade Coelho, Magalhães Lima e Carlos Rates. E puderam exprimir-se no Congresso das Juntas de Freguesia realizado entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro de 1922 na cidade do Porto, onde Alves dos Santos, ministro do Trabalho, defendeu na sessão inaugural a descentralização administrativa. Também no III Congresso Municipalista realizado na Câmara Municipal de Lisboa entre entre 10 e 12 de junho de 1922 foi reivindicado o fim da tutela governamental sobre a vida administrativa municipal e a maior autonomia dos municípios.

E agora uma nota mais atual: ocorrendo em 2022 os 100 anos daqueles eventos, é importante lembrar os temas que mobilizaram os representantes das freguesias e câmaras municipais que neles participaram e debater o caminho a fazer para concretizar a descentralização administrativa prevista também nos artigos 6º, 237º e 257º da Constituição aprovada em 2 de Abril de 1976.

 

Texto: José Castro

(jurista – membro da Concelhia do Porto do Bloco de Esquerda)

 

Na foto em destaque: António José de Almeida após o seu voto, nas “Legislativas” de 10 de julho de 1921. –  pesquisa Web

 

 

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