Maximina Girão Ribeiro
Tenho vindo a escrever sobre as fontes localizadas no Bonfim e, neste artigo, referir-me-ei a duas delas que foram retiradas das respectivas ruas onde se encontravam, estando agora no belo museu ao ar livre que é o Parque das Águas, um pequeno pulmão verde da cidade, na rua do Barão de Nova Sintra. Este Parque público, pertencente à rede de museus da UNESCO, foi anteriormente conhecido como Parque de Nova Sintra e é composto por jardins, bosque e mata.
Esta propriedade foi pertença de uma família de origem britânica, os Wright, uma das muitas famílias inglesas que se instalaram na cidade, no séc. XIX. Nesta propriedade ocupavam uma casa de arquitectura burguesa, apalaçada, rodeada por frondosas árvores que constituíam o antigo Bosque e Mata da Quinta de Vilar das Oliveiras.

Em 1882, a Câmara Municipal do Porto celebrou um contrato com uma empresa francesa, a Compagnie Générale des Eaux pour l’Étranger, a qual passou a fornecer o abastecimento de água ao domicílio. Desta forma, as fontes e chafarizes da cidade começaram a ser desmanteladas, pois a sua função primordial foi-se perdendo. Em boa hora, muitas delas foram preservadas e transferidas para este parque.
A propriedade foi comprada em 1922, a Robert Reid, pela firma Almeida & Miranda, joalheiros portuenses da Rua de Cedofeita que nela procederam a melhoramentos, com a renovação do interior do palacete, assim como cuidando da Mata e da Quinta. Também o Futebol Clube do Porto cobiçou esta Quinta, pois pretendia nela instalar a sua sede e o seu campo de treinos.
Em 1927 a propriedade foi expropriada pela Câmara do Porto, com o objectivo de aí instalar a sede dos recém-criados SMAS, assim como o Reservatório e a Central de Nova Sintra, trabalhos que foram concluídos, em 1929. Nesta data, a Câmara Municipal do Porto adquiriu os terrenos (cerca de 7 hectares), destinando-os para sede da empresa Águas do Porto. Trata-se de um local muito arborizado, com alguns exemplares centenários, com plantas raras e vistas magníficas sobre o rio Douro. Após uma reabilitação profunda, feita nos tempos mais recentes, o local tornou-se ainda mais atractivo para os visitantes.

O Parque alberga algumas das antigas fontes e chafarizes do Porto, aqueles que foram sendo retirados das ruas, entre as décadas de 1930 e 1960, à medida que a canalização da água ao domicílio se tornava cada vez mais frequente, na cidade. Estas obras de arte urbana (fontes, chafarizes e arcas de água), representam um acervo patrimonial de grande importância e estão patentes ao público, permitindo a sua contemplação e um acesso a conhecimentos sobre a história da cidade. Todo este tipo de equipamentos urbanos, depois terem sido de grande utilidade para a população da cidade constituem verdadeiras relíquias do passado, pois continuam a desempenhar um papel, agora ornamentável, ostentando a beleza dos traços arquitecturais e dos seus pormenores artísticos.

Aqui, neste parque, podemos conhecer e apreciar fontes e chafarizes dos séculos XVII, XVIII e XIX, entre outros, o chafariz do Mosteiro de S. Bento de Avé Maria (cuja data de construção se desconhece), a fonte do Ribeirinho ou dos Ablativos (1790), a Arca do Anjo (1893), o Brasão da fonte de S. Domingos, o Bebedouro da Praça Carlos Alberto, a primeira fonte da Arrábida, a fonte dos Passarinhos, … mas também, perto da entrada do Parque, uma fonte de 1987, em bronze, com lago, da autoria da escultora Irene Vilar, simbolizando o Universo e, ainda, a mais recente de todas, da autoria de Julião Sarmento e por ele denominada como “Self-portrait fountain” (Fat chance Bruce Nauman), tratando-se de uma belíssima escultura de uma jovem, de tronco nu, deitando pela boca um jacto de água que cai subtilmente num espelho de água.
Também aqui, neste parque, se encontram fontes que pertenceram ao território do Bonfim – Arca de Santo Isidro e Fonte da rua Garrett.

A arca de Água de Santo Isidro localizava-se na Travessa de Santo Isidro e era abastecida pela água do Manancial do Bispo ou Manancial da Mitra, pertença dos denominados Padres de S. Filipe Néri. Segundo indicação registada na placa que no parque a identifica, anota-se que se trata de uma peça de arquitectura de inspiração oriental.

É bastante simples, mas apresentando uma certa graciosidade que agrada à vista dos visitantes. Nesta arca salienta-se o telhado em granito, em forma piramidal quadrangular e em quatro degraus que terminam numa esfera também em granito.

A parte interior da arca é revestida de azulejos azuis e brancos, com motivos vegetalistas, saindo a água da boca de uma carranca em granito, com feições orientais, caindo o precioso líquido numa pia, em forma de concha semicircular.
Quanto à fonte da rua Garrett, situava-se na actual Rua de Padre António Vieira, de onde foi retirada, quando deixou de ter utilidade para a população da zona.

A rua de Padre António Vieira divide duas freguesias, sendo o lado ímpar pertencente ao Bonfim e o lado par à freguesia de Campanhã. Ora, tal como o autor da obra “Contribuição para a hygiene do Porto”, de J. Bahia Júnior nos informa, em 1909, que “[…] a Fonte da rua Garrett mettida dentro de um alpendre regular, ao lado do prédio n.° 21 com tanque occupando toda a sua largura […]”, assim a considerámos como sendo desta freguesia. Mais nos informa o mesmo autor que “[…] a fonte da rua Garrett é de construcção moderna e a que a antecedeu estava collocada em frente da capella da rua do Heroismo […]”.

Hoje podemos admirá-la no Parque de Nova Sintra e constatar que a sua decoração é extremamente simples, sendo o seu corpo central talhado num bloco monolítico de granito. Tem uma só bica rodeada por motivos vegetalistas e recebia a água do manancial da Póvoa, através de uma mina particular, a chamada mina do “Gaspar Cardoso”.

A entrada da mina ficava na Calçada da Póvoa, seguindo depois sucessivamente pela Travessa que tem o mesmo nome, pela Avenida Fernão de Magalhães, Campo 24 de Agosto, rua Ferreira Cardoso, rua do Heroísmo, com derivações para as ruas do Barão de Nova Sintra e Rua Padre António Vieira. O trajecto, a partir do Campo 24 de Agosto era feito em cano de chumbo até à sua distribuição nas respectivas fontes.
Esta fonte teria uma outra grandiosidade quando estava debaixo do alpendre, facto que não se verifica no jardim romântico de Nova Sintra, mas, de qualquer forma é louvável ter sido preservada.
A freguesia do Bonfim era alimentada por dez fontes, das quais, apenas três eram de nascente privada e as restantes derivavam de mananciais diferentes.
O Bonfim teve muitas fontes mas, perdeu-se o rasto a muitas delas. Em tempos idos, os pequenos aglomerados populacionais, como a Lomba, as Eirinhas, ou Godim, por exemplo, tiveram as suas fontes para abastecimento público.
Resta-me agora fazer-vos o convite para visitarem este museu ao ar livre e usufruírem de um ambiente mais puro e das excelentes vistas panorâmicas sobre o rio Douro.
Obs: por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.
Fotos: Carlos Amaro
01out21
Considero este Parque um dos mais lindos desta cidade.
Considero este um dos mais belos Parques desta cidade. Conheço-o bem e fico grata pelas indicações que aqui são dadas.
Belíssima evocação histórica da água no Porto, através das suas fontes, a que Máxima Girão já nos habituou, enquadrada por fotos igualmente belas.
Parabéns