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A Igreja do Bonfim

Maximina Girão Ribeiro

 

Escrever sobre esta Igreja é referirmo-nos a um ex-libris da freguesia do Bonfim, um símbolo que identifica um território, tal como as antigas chaminés das fábricas que, nesta zona da cidade, existiram e que figuram na bandeira da Junta de Freguesia do Bonfim.

A história desta Igreja remonta a um tempo, meados do século XVIII, altura em que existia uma via-sacra, criada por iniciativa do franciscano Frei Manuel Oliveira. Tal como qualquer via-sacra, esta também constava de uma caminhada, acompanhada de orações, seguindo as catorze estações ou passos de Jesus Cristo, carregando a cruz até ao Calvário. As pessoas participantes faziam este percurso entre uma capela dedicada a S. José, situada no Campo de Mijavelhas (actual Campo 24 de Agosto) até ao Monte de Godim (actual monte do Bonfim), local onde estava colocada uma cruz de madeira dedicada ao Senhor Jesus do Bonfim e da Boa Morte.

Posteriormente, em 1743, a cruz estava já muito degradada pela exposição aos ventos e temporais, o que levou os moradores da zona a solicitarem ao bispo do Porto autorização para construírem, no mesmo lugar, uma pequena capela, a fim de albergar a cruz. A construção do primitivo edifício prolongou-se por vários anos, só tendo sido terminada com a intervenção monetária de uma devota mulher, de nome Maria Pinta, que custeou todas as despesas da obra, colocando no interior as imagens do Senhor do Bonfim e de Santa Maria Madalena, esta última já não existente.

Antiga capela do Bonfim. Desenho datado de 1833, de Joaquim Cardoso Vitória Vilanova.

Em 1774, iniciou-se a construção de uma nova capela, tendo em conta o estado de degradação e a exiguidade da existente que ameaçava ruir. Concluída em 1791, foi solenemente benzida pelo Cónego José Joaquim Ribeiro de Faria, por mandado do Bispo do Porto, D. Frei João Rafael Mendonça.

Capela antiga do Bonfim (1862)

Em virtude da doação das relíquias da mártir cristã, a romana Santa Clara, dádiva feita ao pintor beneditino José Teixeira Barreto (1782-1810), na época a estudar em Roma, o mesmo as transportou de barco para Portugal, em 1798, tendo as mesmas sido depositadas, inicialmente, na Igreja de Nossa Senhora do Terço e Caridade do Porto e, mais tarde, trasladadas solenemente para a Igreja do Bonfim, no primeiro domingo de Setembro de 1803.

Relíquias de Santa Clara na Igreja do Bonfim

Com o incremento industrial e o aumento de população, na parte oriental do Porto, a par da crescente devoção ao Senhor Jesus do Bonfim e da Boa Morte, bem como a crença em Santa Clara, tudo foram factores que conduziram à necessidade de se construir uma igreja maior e mais imponente, no cimo do Monte do Bonfim.

Capela do Bonfim. Gravura de Archivo Pittoresco, cerca de 1862
Capela do Senhor do Bonfim. Imagem de Frederick W. Flower

Foi a 7 de Setembro de 1874 que, em celebração solene, presidida pelo Bispo do Porto, o Cardeal D. Américo Ferreira dos Santos Silva, que foi benzida e colocada a primeira pedra da actual igreja.

Em 1882 já a capela-mor e uma parte da nave tinham sido benzidas e abertas ao culto, ficando a construção da nave completa, com os seus altares e imagens, em 1887.

A torre Sul da igreja foi a primeira a ser concluída, em 1894, assim como a fachada, pois a torre Norte só começou a ser construída, em 1902.

Um facto relevante, ocorrido em 1899, foi a compra do órgão de tubos, de talha policromada, assente em estrutura de madeira, datado de 1817 e construído por frei Domingos Varela. Encontra-se no coro alto da igreja e é proveniente do antigo Mosteiro de S. Bento da Ave Maria, de onde foi retirado, quando este foi demolido para a construção da Estação de S. Bento.

Órgão de tubos

A edificação da actual igreja paroquial foi morosa e difícil, prolongando-se por mais de vinte anos. De estilo neo-clássico, apresenta uma grande simplicidade arquitectónica. O projecto é da autoria dos arquitectos José Luís Nogueira Júnior e José Geraldo da Silva Sardinha (1845-1906).

A fachada principal, em cantaria de granito, está orientada a Oeste, ladeada pelas duas torres sineiras que têm uma altura de 42,68m. Apesar da sua singeleza decorativa, a fachada ostenta uma grandiosidade considerável, apresentando a sobreposição de dois pisos, rematados superiormente por um frontão triangular decorado.

A fachada da igreja ladeada pelas torres sineiras

No pano inferior destaca-se a porta principal, ladeada por dois janelões, rematados por arcos de volta perfeita e encimados, os três elementos, por molduras (cartelas) com inscrições em latim. No pano superior salientam-se três janelões, rematados por arco redondo e apresentando, o central, um varandim abalaustrado. A rematar o conjunto encontra-se um frontão triangular, rematado no vértice por uma estátua que representa a “Fé”.

A escadaria actual foi construída entre 1805 e 1813, quando já existia a segunda capela. Quanto ao interior do templo, este é simples com a nave e a capela-mor em abóbada de berço, sendo a última ornamentada com estuques.

Baptistério e as pinturas murais

Do lado esquerdo, de quem entra na igreja, fica o baptistério, de planta concava, encerrada por um portão de ferro de duas folhas, apresentando todo o interior preenchido por pintura mural, alusiva ao baptismo de Cristo, nas águas do Rio Jordão.

Retábulo da crucificação, do pintor Júlio Costa

No altar-mor destaca-se um grandioso painel, representando o Calvário, a Crucificação de Cristo, onde toma um lugar de destaque a imagem de Santa Maria Madalena. É um trabalho da autoria do pintor portuense, Júlio Costa (1853-1923). Sobre este grande quadro, escrevia-se na época: “[…] é tal a firmeza do desenho, tal a riqueza das tintas, tal e tanta a genial inspiração artística, que a gente admira irresistivelmente e applaude enthusiasticamente esta magistral pintura […].” De momento, não podemos observar esta “jóia” da igreja do Bonfim, dado que o painel foi retirado do seu lugar para ser realizada uma intervenção de restauro.

A Igreja é consagrada a Santa Clara e ao Senhor do Bonfim e da Boa Morte. Santa Clara do Bonfim, Virgem e Mártir, está exposta nesta igreja, numa vitrina, ou urna-relicário. Continua a ser muito venerada, pois é defensora das mães com dores de parto e das crianças com problemas de fala, bem como protectora dos marinheiros.

Recordo um tempo em que as mães pediam à Santa: “Santa Clara dai falinha à minha menina…”, ou quando as noivas iam levar ovos a Santa Clara para que não chovesse no dia do casamento…

Curiosamente, a festa desta igreja não é em honra do Senhor do Bonfim e da Boa Morte, mas em honra de Santa Clara e decorre em Setembro, sempre no primeiro fim de semana desse mês.

 

Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc e Tal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

 

Fotos: pesquisa Web

 

01nov21

 

 

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3 Comments

  1. Isabel mendonca

    Boa tarde o pintor Júlio da costa que pintou a crucificação de Cristo nessa igreja encontam-se assinado? Procuro a assinatura para confirmar com um quadro que tenho em meu poder mas não encontro nada. Se poder ajuda agradecia. Cumprimentos
    Isabel mendonça
    919978166

  2. Maria Jovita Fonseca

    Obrigada e parabéns pelo excelente trabalho. Um local que merece ser lembrado por estar tão ligado à nossa cidade, o Porto.

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