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(Exclusivo) – “CICATRIZES” ACENTUAM-SE NO PERÍMETRO FLORESTAL DAS DUNAS DE OVAR

A implementação do Plano de Gestão Florestal do Perímetro Florestal das Dunas de Ovar (PGF-PFDO) que deu origem a um significativo movimento popular de contestação ao modelo de abate de pinheiro bravo, ao longo de gigantescos lotes, em geral retangulares, chegando a atingir diferentes manchas de floresta desbastada como profundas cicatrizes, cujo impacto neste património ambiental é indiscutivelmente brutal aos olhos de qualquer cidadão, que dificilmente compreende a razoabilidade de tal estratégia de gestão da responsabilidade do Município de Ovar e do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Sobretudo, quando na introdução do referido Plano é reconhecido que, “a floresta tem um papel fundamental como componente do uso do espaço, não só pelas atividades económicas que lhe estão associadas, (…)” ou que, “no processo de ordenamento do território e de planeamento do uso do espaço, a floresta não deve ser vista apenas pelo seu valor comercial enquanto recurso a explorar economicamente, mas também pela necessidade de se assegurar a estabilidade do ecossistema florestal, cujo valor é medido numa escala temporal superior aos anos de desenvolvimento de espécies arbóreas (…)”.

Princípios sobre gestão das florestas, na sua conservação e desenvolvimento sustentável, que estão a ser descaraterizados segundo várias vozes críticas, pela exploração económica intensiva com profundas “cicatrizes”, a exemplo da resinagem até à morte de pinheiros, como razões que mais inquietam a população indignada, que reclama a revisão do Plano de Gestão Florestal (PGF) aprovado em 2016.

“CICATRIZES”

As “cicatrizes” da exploração de resina nesta paisagem florestal, foi mesmo tema abordado na edição de 1 de dezembro de 2020 do Etc e Tal jornal, em que já se faziam referências ao tipo de desenvolvimento do PGF-PFDO, nomeadamente às consequências do impacto ambiental que resultaria em vários lotes, com o previsto abate massivo de pinheiros ao fim de cerca de quatro anos, na sequência de uma intensiva exploração de resinagem, assumidamente à morte.

Uma fase polémica de concretização do Plano, que parece querer recuperar o longo tempo perdido em que a Floresta não mereceu grande atenção na sua conservação e desenvolvimento sustentável, ao ponto de em cerca de meia dúzia de anos se impor um ritmo de exploração de resina e consequente abate de pinheiros, pouco coerente com o ritmo de crescimento arbóreo, cuja replantação é também deixada ao critério natural das próprias sementes da reconhecida qualidade dos pinheiros desta floresta.

Ainda antes de se concretizar o cenário que mais chocou a população, com o abate em grande escala nos respetivos lotes assinalados no Plano, concluído o período de resinagem que deixa os pinheiros sem vida, tal os métodos da sangria para a maior rentabilização possível da exploração desta matéria-prima, e importantes receitas, que são 100 por cento para a Câmara Municipal de Ovar e Juntas de Freguesia, ao contrário das madeiras que representam apenas 60% para as autarquias e os restantes 40% para o ICNF. Em 2021 o modelo de gestão da floresta mereceu diferentes intervenções públicas dos partidos e associações ambientalistas. Foi o caso das denúncias e alertas da Juventude Socialista de Ovar, da Associação Amigos do Cáster, do PC e Verdes, bem como do Bloco de Esquerda, que exigiu ao Ministério do Ambiente esclarecimentos sobre a “recolha intensiva de resina em pinhais de Ovar”, ou até da Associação de Destiladores e Exploradores de Resina (Resipinus), que na altura culparam o ICNF pela prática da resinagem até à morte nos pinhais de Ovar, contrapondo mesmo com a defesa da resinagem à vida.

Também os populares que recorrem a este privilegiado espaço ambiental para treinos de manutenção e caminhadas nos trilhos da floresta, contribuíram para denunciar a invasão naquele pulmão verde, de toda a maquinaria pesada, desde logo as máquinas de poderoso corte rápido, que não deixam ninguém indiferente, independentemente do parecer favorável do Plano de Gestão Florestal assumido pelo ICNF e Município de Ovar, que entre as receitas da floresta, constam também, no âmbito de uma alienação de 20 hectares deste perímetro florestal para indústria, em que beneficiou de um encaixe financeiro de 1.54 milhões de euros, sobre o qual o grupo municipal do BE na Assembleia Municipal de Ovar, propôs que um mínimo de 60% fossem afetados diretamente para a Gestão e reflorestação do Perímetro Florestal Dunas de Ovar, proposta que acabou rejeitada pela maioria absoluta PSD.

As preocupações também insidiam, no risco de incêndios, como efeito do enfraquecimento das árvores e da seca prematura com a resinagem à morte, que a fase seguinte, a do abate massivo acaba por atenuar tais riscos, ainda que tenha desencadeado outros, que fizeram despertar uma maior disponibilidade para o envolvimento popular, que veio dar origem ao desencadeamento de uma significativa contestação social, evidenciando o crescimento da consciência ambiental e cívica dos munícipes, perante um atentado ambiental que representa o abate indiscriminado de milhares de árvores com mais de 50 anos de idade, no período de tempo entre 2016 e 2026, sendo abrangidos por este plano cerca de 31 talhões, correspondentes a uma área de 247 hectares de pinhal no concelho de Ovar, quase 250 campos de futebol.

Só mesmo a crueldade dos milhares de pinheiros derrubados criaram movimento popular que fez suspender o processo de abate durante um mês.

O mérito na dinamização de uma campanha de contestação popular ao abate de pinheiros, pertenceu ao Movimento 2030, que não tendo atingido os objetivos a que se tinha proposto nas ainda frescas eleições autárquicas (2021), na disputa direta com o PSD, ficando mesmo fora da vereação camarária, acabou por confortar o desalento eleitoral com uma surpreendente adesão popular na defesa da floresta, mesmo não podendo desconhecer o PGF-PFDO e seu tipo de Gestão, tanto na rentabilização económica intensiva da floresta, como dos efeitos consequentes previstos no abate massivo, que foi aliás a causa justa de sensibilização e mobilização popular. Recorde-se que o líder do Movimento 2030 Henrique Araújo, não poderia desconhecer este e outros dossiers desde a sua génese, por ter vestido as mesmas cores partidárias e ter sido adjunto da presidência de Câmara até final de 2018.

Foi então lançada uma petição (online) como a mais mobilizadora ação, com o título “Salvem o Perímetro Florestal das Dunas de Ovar!”, que recolheu mais de 18500 assinaturas, dirigida à Assembleia da República com as principais reivindicações na defesa do Perímetro Florestal das Dunas de Ovar, bem como uma participação ao Ministério Público com o objetivo de todo o processo associado à elaboração, aprovação e execução do PGF-PFDO ser adequadamente investigado.

A resposta animadora a este movimento viria do Ministério do Ambiente que suspendeu o processo durante um mês, criando espectativas na reivindicação da revisão do PGF-PFDO. Mas como reafirmou o vice-presidente da Camara Municipal de Ovar, Domingos Silva, o município continua a confiar no parecer do ICNF e na continuação da execução do plano, na linha da conferencia de imprensa destas duas entidades responsáveis pelo plano, em que não foram reconhecidas as criticas que vem sendo feitas às práticas da atual gestão florestal e ritmo de exploração económica.

Terminado o período de suspensão por 30 dias do abate de pinheiros, por decisão do Ministério do Ambiente, que instaurou um inquérito para averiguar as denúncias que acusavam, estarem a ser feitos cortes a 350 metro da linha de costa, quando a lei determina como limite os 500 metros. Conhecidos os resultados, o ICNF garantiu que “o abate no pinhal de Ovar está de acordo com a lei e pode ser retomado, quando estava em curso o abate de cerca de 10% dos 2584 hectares de mancha verde, a concretizar até 2026”, segundo o PGF-PFDO.

ETC. E TAL ALERTOU, ATEMPADAMENTE, PARA A SITUAÇÃO

Sendo retomadas as operações de abate sem considerar todo este movimento de contestação e mesmo as propostas para uma gestão florestal mais equilibrada, nomeadamente no modelo de rentabilização económica, que consequentemente está na origem da exploração intensiva de resina de pinheiros à morte, que resulta em cenários de enorme impacto público negativo e manifesta inquietação ambiental. Há lotes, a exemplo dos que são atravessados pelo trilho pedres-te, que, como o Etc. e Tal jornal (1/12/2020) noticiou, foram sujeitos à atividade de exploração de resina de forma intensiva, deixando os pinheiros num estado de morte lenta que aguardam agora o inevitável abate. Fase desoladora para quem ali passa em treino ou nas muitas caminhadas na floresta dinamizadas por várias entidades promotoras destas iniciativas saudáveis e lazer, que se vão deparar com imagens angustiantes e deprimentes, tal é a enorme área condenada ao abate a poucos metros da “Estrada da Floresta” (nascente), pelo litoral.

Estes previsíveis cenários dantescos a continuarem, serão as nefastas consequências da teimosia na implementação deste plano sem reajustes sobre preocupações ambientais, que pudessem reduzir impactos do intensivo abate, agravado com a opção da reflorestação espontânea que deixam no interior da floresta, lotes com cenários pouco recomendáveis sem acompanhamento e manutenção das condições para o crescimento natural dos pinheiros, como regulares mondas, incluindo o controlo de espécies invasoras, a exemplo das acácias.

Mesmo quando a rentabilização económica não intensiva da floresta, poderia, como sugere o Bloco de Ovar em comunicado, gerar muito mais do que os 1,8 milhões de euros dos últimos cinco anos, “houvesse vontade política de implementar um serviço público de Gestão e Valorização da biomassa – de acácias, por exemplo”, entre várias outras medidas “essenciais para a manutenção deste importante escudo protetor contra a erosão costeira, prioritário pulmão verde e fixador de carbono, insubstituível abrigo e fomentador da biodiversidade do concelho”.

Perante as ameaças que pairam sobre este perímetro florestal cujas “cicatrizes” são bem visíveis a olho nu, das várias expectativas sobre modelos de gestão florestal, é consensual entre as diferentes vozes criticas, a ideia de que, o próprio PGF prevê a sua reavaliação ao final de cinco anos de implementação, e que por isso será pertinente e prioritária a revisão e discussão pública deste plano de gestão florestal, com vista a tornar o processo mais participado e escrutinado, segundo o BE, “permitindo rever nomeadamente boas práticas de gestão e conservação, esclarecer cabalmente as questões de governança e de responsabilidade pela gestão, e assegurar os mecanismos financeiros necessários para a gestão sustentável (ecológica, social, económica e financeira) do perímetro florestal”. Caminho que nem o Município de Ovar nem o ICFN parecem disponíveis para promover, deixando “cicatrizes” não só na floresta, mas também na indignação popular.

 

Texto e fotos: José Lopes

 

02mai22

 

 

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