Ricardo Guerra
Quando eu era ainda mais novo, junho era o mês da alegria. O mês das brincadeiras com os amigos e dos tempos felizes vividos em família. Junho era o mês de deitar tarde e acordar cedo para ver a televisão, de viagens e aventuras pelo mundo da imaginação e de, por vezes, bocejar pela casa de tédio, quando pareciam já ter-se esgotado todas as hipóteses de diversão.
Hoje, já não é assim. Escrevo-vos esta crónica às 23 horas e 23 minutos de um domingo (não, esta hora não foi inventada por razões estilísticas), depois de horas e horas a estudar para exames, a ultimar trabalhos de grupo e a stressar com a avalanche de tarefas que ainda tenho por cumprir. A cada visto que preenche os pequenos quadradinhos da minha check-list mental, tantos outros se agigantam e me amedrontam. Presa num amontoado infinito de prazos e documentos, a minha cabeça está tal e qual o ambiente de trabalho do meu computador: uma salgalhada.
Não sou o único — e muitos estudantes há em situações muito piores do que a minha. Para o comprovar, chega olhar para dentro, para a própria família, para os amigos, para os vizinhos… Mas vamos olhar para os factos. Em 2020, um estudo demonstrava que “metade dos alunos das universidades e politécnicos nacionais estão em burnout”. É certo que, nesse ano tão atípico, essa percentagem aumentou devido ao isolamento social, à falta de esperança e de motivação, criados por um vírus que nos retirou tantas das coisas que nos tornam humanos. Porém, a pressão dos exames e os níveis de desespero dos alunos nesta altura particular do ano são cíclicos e o que digo não é, certamente nenhuma novidade para ninguém.
O mesmo estudo tinha sido conduzido já em 2012 e, nessa altura, o valor era de apenas 15%. O que terá levado a este drástico aumento? Não sei, porém suponho que terá tido a ver com o facto de este estrangeirismo se estar a tornar cada vez mais conhecido e utilizado para lá do foro clínico e do mundo da psicologia, o que é indicativo de um aspeto muito importante: a preocupação com a saúde mental, principalmente entre os mais jovens, é cada vez menos um tabu. Nas televisões, nos jornais e até nas redes sociais, termos como “depressão”, “ansiedade”, “ataques de pânico” são cada vez mais abordados, o que permite uma maior consciência não só dos seus sintomas mas também de como curá-los.
Porém, quando falamos de burnout universitário, é incontornável o Fator N: as notas. Notas que são números. Números numa pauta que regem, não de forma exclusiva mas muito determinante o nosso futuro enquanto profissionais. Números, décimas às vezes, que levam alunos a ter de escolher caminhos onde não se enquadram e que os levam a sentir-se frustrados, que levam alunos a desistir de cadeiras e de cursos inteiros, de futuros que tinham idealizado para si. Tudo porque há uma pressão insana, de todos os lados, para se atingir certos números, certos resultados. Conheço vários casos destes e é algo que me frustra como estudante e como cidadão inserido numa sociedade que é cada vez menos feita de números.
Em teoria, as notas são importantes como medidor imparcial de capacidades, não o posso negar. Porém, na prática, o nosso ensino ainda é demasiado conservador para podermos afirmar que elas medem o nível de inteligência real dos alunos. Falo agora da minha experiência. Estudo há dois anos no ensino superior. Tantas vezes entreguei exames de excelência cujo conteúdo esqueci assim que a folha de teste foi entregue. Tanta informação que sabia na ponta da língua e que, num curto período de tempo, me foi levada da mente como folhas de outono ao vento.
Não me queixo, porque tiro boas notas. Tirar boas notas é gratificante e faz-me sentir bem. Faz-me sentir uma pessoa de sucesso. Mas serei mesmo? E se sou, a que custo? Para que serve todo este cansaço, quando esta teoria toda se transformar em pó de livros esquecidos numa garagem? Claro que servirá de algo, mas não será tudo. Não deveria ser tudo. Os exames não podem ser tudo porque a vida, mesmo a nossa vida profissional, é muito mais do que isso. Há tantas competências práticas por descobrir, tanto que ainda temos de aprender e esgotarmos toda a nossa energia encafuados em livros não devia ser a única solução.
São agora 23 horas e 55 minutos de um domingo e eu tenho um exame de manhã cedo, logo tenho mesmo de ir dormir. Porém, creio que é importante testemunhar este desabafo, com o qual se identificarão provavelmente muitos estudantes. É isso que me conforta: o que há em mim é sobretudo cansaço, mas tenho a certeza de que não sou o único.
01jul22