Mesmo com (somente) 58 primaveras, ele é um dos mais antigos autarcas, em exercício, do município do Porto. Ora, na Assembleia Municipal do Porto – AMP (onde atualmente se encontra), ora, no executivo, e sempre eleito nas listas da CDU (PCP-PEV), Rui Sá, engenheiro de profissão, e comunista de convicção, iniciou a sua atividade na autarquia em 1983, como deputado na AMP.
Interrompendo essa atividade, em 1989 (para cumprir o serviço militar), regressou, em 1993, para, de 1999 a 2011, ocupar um lugar na vereação, tendo sido, num dos mandatos, responsável pela pasta do Ambiente.
Não se tendo candidatado na altura em que Rui Moreira foi eleito, pela primeira vez, presidente da edilidade, regressou, no segundo mandato de Moreira, à Assembleia Municipal, onde ainda hoje se encontra.
O deputado comunista, que foi candidato à presidência da Câmara Municipal do Porto (CMP) por três vezes, é respeitado por todos que com ele participam ou participaram, na vida ativa da autarquia.
Em exclusivo ao “Etc. e Tal”, e depois da última entrevista ao nosso jornal, realizada há 11 anos – altura em que abandonou, definitivamente, um lugar na vereação da Câmara Municipal do Porto (CMP) -, Rui Sá faz uma análise global às gestões de Rui Rio e Rui Moreira à frente dos destinos da autarquia, assim como à situação em que se encontra, atualmente, a cidade.
Sem papas na língua – como lhe é habitual -, o autarca-engenheiro diz que posição do PCP relativamente à Guerra na Ucrânia, tratou-se de “um erro de comunicação”, e, ainda em relação à atualidade, o nosso entrevistado não concorda com a saída do Porto da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), alia-se às ideias de Rui Moreira sobre a ‘descentralização’ que está a ser implementada pelo governo, mas diz que o edil sempre se borrifou para a ANMP.
José Gonçalves (texto) Francisco Teixeira (fotos)
A sua experiência de autarca, estes anos todos, tem sido positiva?
“Tem sido uma experiência interessante. Como autarca tento não passar pelos mesmos sítios dos outros. Tento fugir dos caminhos normais. O que mais gosto é contactar com as pessoas, saber quais os problemas que as afetam e tentar apresentar propostas.
Há a registar a sua experiência como vereador, nos mandatos de Rui Rio, com a pasta do Ambiente…
Na altura em que o PSD e o CDS tiveram maioria relativa, a importância foi a de que tudo tinha de ser negociado. Foi uma experiência muito boa. Quando não há maiorias absolutas, aumenta a responsabilidade de quem está no poder, mas também de quem esta na oposição. Portanto, quando há maioria absoluta, há sempre a tentação, por parte de quem está no poder, do ‘faço o que quero’ e de não ter que dar satisfações a quem quer que seja. Da oposição, a tendência é a do ‘perdido por cem, perdido por mil’, o que realmente não aconteceu nesses quatro anos. Foi, assim um período muito gratificante, durante o qual, Rui Rio, sem maioria absoluta, teve de negociar tudo.
E que análise faz, em termos globais, aos mandatos de Rui Rio à frente dos destinos da Câmara Municipal do Porto?
Há algo que não se pode esquecer: quando tomámos posse em 2002, a Câmara enfrentava muitas dificuldades financeiras. Tinha a suas verbas orçamentais comprometidas, particularmente com o ‘Euro’2004’, e havia questões relacionadas com o ‘Porto 2001’ que tinham de ser resolvidas. Na altura estávamos numa situação muito, mas muito, difícil. Para ter uma ideia, o orçamento para 2002 destinou-se a pagar todas as dívidas que vinham de 2001, e com compromissos já assumidos. Nós, nada podíamos fazer, uma vez que não tínhamos verbas. Há, neste aspeto, mérito de Rui Rio ao tentar equilibrar as contas! Aquilo que critiquei foi o facto de ele não ter a ambição de aumentar a receita. Ele teve a preocupação de controlar a despesa, mas havia que tentar reforçar a receita, controlando, naturalmente, a despesa.
A situação era, na realidade, extremamente, difícil no ponto de vista financeiro. Foi um mandato complicado, mas, mesmo assim, algumas coisas ainda foram feitas. Houve uma preocupação, no primeiro mandato, de fazermos a reabilitação do edificado da Câmara, mas foi muito difícil o trabalho realizado nessa altura. Isto, à distância, é mais fácil de analisar as coisas. Eu era muito crítico da gestão do PS em matérias relacionadas com a Habitação Social. O PS teve a capacidade utilizar as verbas do Processo Especial de Realojamento-PER para a construção de novos bairros sociais. Não sei se recorda da divisão entre Nuno Cardoso e Fernando Gomes. A Dr.ª Maria José Azevedo, responsável pelo pelouro da Habitação, que tinha os bairros prontos, não entregou as casas, no tempo em que Nuno Cardoso foi presidente da Câmara Municipal, para que, se Fernando Gomes voltasse à Câmara, tivesse mil casas para ‘distribuir’. Fernando Gomes acabou por não ganhar as eleições.
O PS teve o mérito de construir novas habitações, mas não podemos esquecer que, na altura, as habitações eram atribuídas às pessoas sem qualquer reabilitação prévia. Depois, conseguiu-se inverter a situação, reabilitando as casas, introduzindo algumas melhorias na situação, mas eram muitas as carências.
A zona oriental do Porto foi esquecida, até ao mandato de Rui Moreira, altura em que começaram a fazer-se importantes obras, como a do Matadouro, Terminal Intermodal de Campanhã…
…Sim, a zona oriental do Porto foi muito esquecida. Há, na realidade, agora, obras emblemáticas que lá estão a ser construídas, ainda que muito atrasadas, pois já deviam estar concluídas há mais tempo, mas isso não invalida o facto de haver problemas nas freguesias de Bonfim e Campanhã, que, no fundo estão a ser espalhados pelo centro do Porto, nomeadamente os Alojamentos Locais, que expulsaram moradores. O preço da habitação que se nota é muito elevado nessa zona, até mesmo naquilo a que chamamos ilhas.
O Partido Comunista apresentou, em 2017, uma Proposta de Resolução, na Assembleia da República, com o objetivo de se criar verbas para uma questão específica do Porto que era a reabilitação das ilhas. Essa proposta foi aprovada, mas, depois, nunca foi concretizada. E infelizmente, aquilo que está muito a acontecer, é que as ilhas estão a ser adquiridas por grupos económicos que expulsam, ou fragilizam, as pessoas que lá estão, transformando as ilhas em habitações mais modernas, acabando, desse modo, com uma vivência caraterística das ilhas que, apesar das más condições de habitabilidade, tinha uma componente social muito importante. Com o envelhecimento das populações, há pessoas que começam a ficar sozinhas, e perde-se aquela questão de vizinhança que era muito importante…
Mas, há importantes obras, e já concretizadas, em algumas ilhas da cidade…
Sim, sem dúvida! Ouvimos sempre a falar da Ilha da Bela Vista, no Bonfim, que foi uma obra importante, mas, infelizmente, é um exemplo quase que único, pois não se criou uma dinâmica com o objetivo de se fazer o apoio a este tipo de reabilitação, o qual permitisse fixar os moradores que lá residem, com melhores condições de habitabilidade, e proporcionar a junção de outros moradores.
“COM A SITUAÇÃO FINANCEIRA TÃO POSITIVA, É POSSÍVEL FAZER MUITO MAIS DO QUE AQUILO QUE A CÂMARA TEM VINDO A FAZER”
O mandato de Rui Moreira, que é o último, tem sido positivo, ou não, em termos globais?
Rui Moreira tem a melhor situação financeira que alguma vez o Município do Porto teve desde o 25 de Abril. Essa situação financeira é fruto de várias conjunturas: da situação económica do País, em particular; da questão do turismo muito acentuado no Porto e que é uma fonte de receitas muito significativa, e depois de um conjunto de negócios que Rui Moreira fez e que se traduziram numa grande fonte de receitas para o Município, apesar de os considerarmos negativos para a cidade e para os cidadãos. É o caso da concessão dos pacómetros e o dinheiro que é pago para o Município do Porto.
Aquilo que o PCP considera é que, com a situação financeira tão positiva, é possível fazer muito mais do que aquilo que a Câmara tem vindo a fazer na resolução de importantes problemas da cidade, e que não justificam os atrasos que se verificam nas grandes obras. Se for ver as notícias no início do mandato de Rui Moreira, o Mercado do Bolhão já devia estar mais que pronto, como também o Intermodal de Campanhã e o ex-Matadouro, assim como o Batalha. Portanto, há uma série de obras emblemáticas que se andam a arrastar, praticamente, há anos”.
“DEVE SER CONSTRUÍDA NOVA HABITAÇÃO SOCIAL”
“A outra caraterística é que Rui Moreira, que se considera liberal do ponto de vista económico, acha que o poder regulador da Câmara deve ser diminuto. Nós defendemos que deve ser construída nova habitação social! Não é compreensível que tenhamos – desde o início dos seus mandatos – mil famílias, permanentemente, em lista de espera para habitação. As pessoas a quem já foi decidido que têm direito a habitação! É a chamada lista para a atribuição de fogos.
Todos os anos, a Câmara entrega duzentas e tal casas… trezentas num ano bom. Mas, mesmo que as entregue, no ano seguinte estão, uma vez mais, mil famílias à espera de habitação. Rui Moreira tem de construir habitação e não tem de ser com verbas municipais, pois é imperativo constitucional que esse trabalho seja da competência da administração central. Aliás, refira-se que Rui Moreira considera que há habitação social a mais! Ele faz sempre questão de salientar que a nível nacional a habitação social é de dois por cento e, nós, no Porto, temos 13 por cento. Portanto, como estamos muito acima da média, não precisamos de habitação social?!
Nós o que dizemos é que… infelizmente, precisamos! Há gente a empobrecer trabalhando! Desse modo, essas pessoas não têm condições para ter habitação, já que ela está cada vez mais cara…”
Há a questão da renda acessível, por exemplo no Centro Histórico…
No programa da Renda Acessível – que é aquilo que o doutor Rui Moreira diz preferir em detrimento da Renda Social. Renda Social que é proporcional aos rendimentos, ao contrário da Renda Acessível que é proporcional ao valor da casa, definindo-se um valor limite para o direito da renda, que é, significativamente, mais elevado que o valor registado nas rendas sociais. Achamos que é importante a Renda Acessível…
… que tem colocado gente no Centro Histórico, que se encontrava, praticamente, desertificado?!
Bem. Se contarmos com os contratos que têm sido feitos por Renda Acessível no Centro Histórico, estamos a falar de uma centena de casos. É positivo, mas muitas famílias que lá vivem não têm capacidade para pagar os aumentos que se estão a registar nas vendas. O Turismo e a especulação imobiliária associada às rendas com contratos para cinco anos, fez com que algumas pessoas, ou famílias, fossem excluídas.
“DEIXAR O MERCADO FUNCIONAR SEM REGRAS É A VISÃO QUE TEM RUI MOREIRA”
E, no meio de tudo isto, ainda há o edificado que se encontra abandonado, parte dele da responsabilidade do Estado, mas não só…
O Estado tem grandes responsabilidades nessa questão, mas, a Câmara também as tem, pois tem um conjunto de património que lhe pertence. Algum já está recuperado, mas continua devoluto, e outro não foi sequer reabilitado e que poderia sê-lo.
Há também a Santa Casa da Misericórdia do Porto…
A Santa Casa é um grande senhorio da cidade, ainda que a Câmara tenha 13 mil habitações. Mas, dos privados, a Santa Casa é, sem dúvida, o maior senhorio. Por exemplo, a Câmara do Porto não teve interesse quando surgiu esta especulação associada ao turismo e quanto ao Alojamento Local – de ter posto uma limitação a esse tipo de alojamento. Nunca o fez! Fingiu fazer quando surgiu aquele caso na Rua de Alexandre Braga, no incêndio numa casa, onde morreu um senhor… aí criou-se um bruaá na sociedade, muito através da reportagem na SIC sobre os inquilinos, com pessoas, na zona histórica, a sua desesperante situação de habitabilidade. Rui Moreira disse, então, que iria regulamentar a coisa. Depois, com a pandemia veio a dizer que já não dava para fazer, e mesmo com o programa ‘Porto com Sentido’, que a Câmara criou, o objetivo não foi facilitar o arrendamento, o objetivo foi, isso sim, salvar muitos detentores de alojamentos locais, que, com a pandemia, deixaram de ter turistas e, como tal, tinham as casas vazias. A Câmara alugava-lhe, então, as casas com contratos por dois anos, porque estava sempre à espera que a pandemia acabasse e as casas voltassem para o Alojamento Local.
Quanto aos mandatos do doutor Rui Moreira: todos os presidentes de câmara fazem coisas positivas… ninguém está lá para fazer mal! Podemos é discordar de algumas opções… Isto de deixar o mercado funcionar, sem qualquer tipo de regras é a visão que Rui Moreira tem. Na minha opinião, ele, ao longo dos mandatos, tem ficado cada vez mais preso aos interesses dos partidos que o apoiam, e, agora, da Iniciativa Liberal, que, cada vez mais influencia a atividade municipal da maioria.
“COM RUI MOREIRA, O PORTO MANTEVE-SE ALHEADO DA ANMP”
E há marcos na gestão de Rui Moreira, como, recentemente, a saída da Câmara do Porto da Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP)?!
O doutor Rui Moreira tem toda a razão. Nós estivemos sempre de acordo com ele, e ele connosco, relativamente a esta errada política de descentralização.
É um passar de responsabilidades… e só de responsabilidades?!
É o passar de responsabilidade da administração central para as autarquias, sem lhes transferir as respetivas verbas, o que significa que a melhoria do serviço prestado aos munícipes não é preocupação. A preocupação é a das câmaras assumirem essa responsabilidade, e o de passar o ónus político do mau serviço prestado aos cidadãos, para os municípios.
Mas, o Governo reforçou a verba a enviar aos municípios…
Sim, agora, reforçou! Entretanto, acho que Rui Moreira também tem razão na crítica que faz à Associação Nacional de Municípios, que foi muito caixa-de-ressonância do Governo, não obstante ter aprovado um documento crítico relativamente ao Orçamento do Estado. Mas havia posições, no passado, da ANMP, de bater o pé ao Governo, independentemente, de se ser da mesma cor política. Isso aconteceu no passado! Para se tentar modificar as coisas, tudo deve ser feito em conjunto, e, em segundo lugar, é importante negociar.
Para nós é evidente que, para Rui Moreira, o Governo tem de negociar com o Porto e depois com 307 municípios. António Costa já veio dizer que só negoceia com a ANMP, pois é difícil andar a negociar com 308 câmaras municipais: Tipo: a ti dou-te dez mil, a ti, vinte mil…. Assim, não! Tem de haver uma posição conjunta. A união faz a força! E eu já critiquei o doutor Rui Moreira pelo facto de ele também se ter sempre borrifado para a ANMP. Desde que ele é presidente de Câmara, nunca o vi a ir à ANMP, a congressos, a fazer intervenções, etc. O Porto manteve-se, praticamente, alheado da ANMP; e, depois, achamos que o Porto… só, não vai ter mais capacidade negocial.
Mas, há municípios que ameaçam seguir as pisadas do Porto…
É evidente que este grito de revolta tem o mérito de pôr o assunto em cima da mesa, mas depois o que é que, isoladamente, esses municípios vão fazer? Temos que estar na ANMP criticando-a, com o objetivo de tentar modificar essa situação. Não tenho dúvidas que esta situação também se deve ao enfraquecimento da CDU relativamente ao poder local democrático, pois tínhamos mais capacidade, na ANMP, para fazer valer os nossos pontos de vista.
O Porto pode dizer o que disser, mas, a verdade, é que nos termos da transferência de competências, a da área da Educação já cá está desde o dia 01 de abril. Foi uma Lei que o impôs! Numa situação destas, sair, agora, é uma má decisão. A seguir vem a Saúde…
“EM TERMOS DE SEGURANÇA A RESPOSTA DEVERIA SER DADA PELO GOVERNO! É UMA VERGONHA A CÂMARA DO PORTO TER COMPRADO DEZ VIATURAS PARA A PSP…”
Em termos de segurança, como é que se encontra a cidade?
O Porto, nessa questão, não está bem! A situação que se vive, por exemplo, na Pasteleira e em Pinheiro Torres. E, outra vez, na Sé. Os focos em Ramalde, Francos e no Viso, e também no Cerco. Estas são zonas de território entregues à marginalidade e de quem põe e dispõe daquela gente. A resposta a esta problemática deveria ser dada pelo Governo, pois é quem tem competências nesta matéria. E, a verdade, é que o que vemos das forças policiais é uma vergonha! Como é uma vergonha, por exemplo, a Câmara do Porto ter comprado dez viaturas para a Polícia de Segurança Pública, isto não cabe na cabeça de ninguém. É um Estado mendigo! Uma autarquia a oferecer ao Estado, esse tipo de meios?!
Preocupa-nos também as situações – que esperemos ser pontuais -, como o assassinato daquele jovem, aquando das comemorações da conquista do título pelo Futebol Clube do Porto. E vemos gente com armas a disparar, em plena luz do dia, no Cerco do Porto…
“GOSTARIA QUE A POLÍCIA MUNICIPAL ESTIVESSE VOCACIONADA PARA ESTAR MAIS PRÓXIMA DAS PESSOAS”
A videovigilância poderá travar essa onda de violência, principalmente, na zona central do Porto, onde a mesma será colocada? O resto da cidade parece não ter sido contemplado…
As pessoas percecionam que, com a videovigilância, ficam mais acauteladas. É evidente que pode ter alguma importância do ponto de vista pontual, mas há perigos associados à videovigilância, como a proteção de dados; a utilização abusiva de imagens… que é algo que nos preocupa, e isso não resolve o problema! Estamos fartos de ver, nos Estados Unidos, que tem muita videovigilância, etc., crimes e mais crimes, pelo que isso não inibe à prática crescente da criminalidade. Como também nos preocupa o policiamento de proximidade…
…isso quase que desapareceu!
Se fosse eu a mandar, as prioridades da Polícia Municipal eram revistas. Vejo a Polícia Municipal muito mais preocupada com questões relacionadas com o estacionamento para resolver os problemas dos concessionários dos parcómetros, e eu gostaria que a Polícia Municipal estivesse mais vocacionada para estar próxima das pessoas e dar-lhes, assim, o sentimento de segurança que todos nós necessitamos. Sendo que, a Polícia Municipal não é uma polícia de segurança, mas a presença de um agente da Polícia Municipal fardado daria, naturalmente, um maior nível de confiança às pessoas.
Portanto, quando se fala em videovigilância está a descurar-se aquilo que deveria ser uma intervenção mais eficaz… de outro tipo. Daí, o voto contra, de Ilda Figueiredo, no Executivo, à videovigilância. O foco principal é reforçar as forças de segurança, dando-lhes mais meios, e colocando-os em maior proximidade, nos locais onde as pessoas necessitam da sua presença.
“É PRECISO UMA REDE DE TRANSPORTES PÚBLICOS MELHOR!”
Relativamente à mobilidade… transportes públicos, etc.. A CDU tem-se mostrado bastante crítica nesse setor.
Nós convocámos uma Assembleia Municipal para se debater a questão da mobilidade, e fizemos um levantamento de todas as situações, e das propostas que para elas fazíamos. É evidente que a pandemia diminuiu os problemas de mobilidade. Houve uma diminuição muito significativa de tráfego e, portanto, as coisas não atingiram a proporção que agora começam a atingir.
Achamos que em termos de mobilidade, diversas coisas deveriam ser feitas: primeiro, uma rede de transportes públicos melhor, e essa melhoria passa pelo Metro. Mas, infelizmente o Metro – e essa é uma das críticas que nós fazemos – perdeu oportunidades históricas. Tivemos uma empresa do Metro com muita experiência de gestão, mas foi descapitalizada em termos de recursos humanos.
Agora, quando se avançou, novamente, com as obras, as mesmas ficam aquém do planeado e do necessário: o que estava previsto era construir uma linha desde S. Bento à Casa da Música, mas passando pelo Campo Alegre. Do Palácio, passar por cima de D. Pedro V, ir à zona do Polo 3 da Universidade do Porto, e, depois, ia para a Casa da Música, aproveitando esse último tramo para depois ir para Gaia (Devesas).
Se se recorda, o retomar do Metro deveu-se áquilo a que se chamou o Plano Juncker, que favorecia o investimento público em resposta à crise financeira que se fez sentir na Europa, com as verbas desse plano, avançou-se com as novas linhas do Metro, mas a Linha Rosa foi ‘achatada’, passando do Santo António para a estação da Galiza, amputando a ligação ao Polo Universitário, e da Galiza vai para a Casa da Música.
Por outro lado, quanto à Linha Rubi, que é importantíssima, ainda não entendo quem foi o inteligente que decidiu que essa linha, ao contrário do que estava previsto no PDMR, passasse para montante da Faculdade de Arquitetura e impôs uma cota para ver o tabuleiro da ponte Arrábida, do lado do Palácio de Cristal.
Fizeram, assim, um concurso de ideias para uma ponte que vai ter um impacto profundo no Polo 3 da Universidade. A ponte será certamente uma belíssima obra de arte. Nós somos bons a fazer pontes! Temos bons projetistas. Teremos, assim, uma ponte que não nos envergonhará, o que nos vai envergonhar é a ancoragem da ponte no lado do Porto, que achámos lamentável.
Por outro lado, ao mesmo tempo que se decidiu a Linha Rosa, ficou definido que se iam fazer uns estudos para ver quais eram as linhas mais importantes. Foi, assim, visto que a linha do Campo Alegre era a que teria maior procura; que poderia ser de Metro, ou de metrobus, com ligação à zona ocidental da cidade. Isso foi aprovado. Depois… foi considerado difícil de fazer tecnicamente, e tirou-se o metrobus do Campo Alegre passando para a Boavista e para Marechal Gomes da Costa até à Praça do Império.
Mas a Marechal Gomes da Costa tem alguém para utilizar o sistema de metrobus? Não. E por isso, a frequência que estava prevista de 5 em 5 minutos, passa para dez em dez minutos! E, na Marechal Gomes da Costa, não vai haver um canal dedicado ao referido meio de transporte, passando o mesmo, a ser partilhado pelos automóveis.
E por lá passam diversas linhas de autocarro…
Pois passam!
Fomos pioneiros em transportes amigos do ambiente. Além do elétrico, o troleicarro. Do troleicarro, nem restos…
Na primeira metade da década de oitenta acabaram tanto com os elétricos como com os troleicarros; troleicarros que ligavam o Porto a concelhos vizinhos – exceção feita a Matosinhos – e que tinha uma flexibilidade que o elétrico não tinha.
“O ‘METROBUS’ É UM NOME POMPOSO PARA UMA COISA QUE NÃO É MUITO DIFERENTE DE UM TRADICIONAL AUTOCARRO”
E temos o corredor central da Boavista “desativado”, onde antigamente circulavam os elétricos…
Pensamos que os carros elétricos deviam ser reforçados. Hoje, toda a gente fala nos autocarros elétricos, mas a sua autonomia é muito pequena, portanto, terá de haver paragens com zonas de abastecimento elétrico. O projeto para o corredor central da Boavista é para um autocarro a hidrogénio, e que está agendado para circular já o próximo ano. Mas, o que estamos a ver, é que o metrobus é um nome pomposo para uma coisa que não é muito diferente de um tradicional autocarro. Metade do seu percurso vai ser partilhado com os automóveis, o que quer dizer que quando estiverem por lá automóveis parados o metrobus não anda. Depois, terá uma frequência de dez em dez minutos.
O projeto fica, assim, mais barato? Pudera! Com tantas amputações feitas … Agora, tiraram da cartola, o metrobus da Rotunda da Boavista até à Anémona, descendo a avenida da Boavista e passando pelo Castelo do Queijo. No início do século, discutimos se a Linha da Boavista ir até à Fonte da Moura (pois daí para baixo não tem movimento, excetuando na altura das praias) e a partir daí vira para Pereiró, servindo a Zona Industrial, o Bairro das Campinas, Fonte da Moura, etc..
Os novos projetos foram discutidos na Câmara? Nada! Foram apresentados à Assembleia Municipal? Nada! Nós contestamos este tipo de atitude. Fala-se que a cidade é muito contestatária, que qualquer projeto que se faça dá sempre barulho, mas, hoje em dia… nada! Havia o mérito de se discutirem essas coisas.
Mudam-se os projetos e os autarcas não são nem tidos nem achados! Há uma forma de governar a Câmara com uma maioria absoluta, e com ela procurar que haja o mínimo de discussão…
“A ASSEMBLEIA MUNICIPAL DEVIA SER UM GRANDE FÓRUM DE DEBATE…”
E o papel da Assembleia Municipal? Trata-se, para as pessoas na sua generalidade, de mais um boletim de voto aquando das eleições autárquicas?!
A Assembleia Municipal tem um importante papel de fiscalização da Câmara Municipal. Assisto a muitas discussões na Assembleia Municipal em que, muitas das vezes, temos a capacidade de ver coisas que a Câmara nem sequer registou. Depois, a Assembleia Municipal devia ser um grande fórum de debate. A CDU é a única força política que, todos os anos convoca uma Assembleia Municipal Extraordinária, definindo um tema para debate O Bloco de Esquerda também convocou algumas. Os outros partidos ignoram essa prerrogativa. É necessário debaterem-se temas, com pontos de vista diferentes. A debater é que se constrói a cidade! A última Assembleia extraordinária por nós convocada foi sobre a requalificação e dinamização do espaço público.
E houve participação?
Surgiram propostas, ainda que, infelizmente, todas reprovadas. Se há pessoas satisfeitas com o que está feito, nós estamos insatisfeitos… queremos fazer mais! Imaginemos que foram construídos vinte quilómetros de passeios, mas, se faltam cinquenta temos que levantar esse problema. No fundo, é isto: nunca estamos satisfeitos pois queremos melhorar a cidade.
“HÁ COISAS IMPORTANTES QUE SE FIZERAM NO PORTO QUE SE DEVEM À INTERVENÇÃO DA CDU!”
A CDU, e isto é um facto, é a única força política da cidade – e neste jornal já o revelamos relevando – que faz periódicas visitas, para contacto com os moradores, a determinadas zonas da cidade. Isso é para vocês uma mais-valia?
Sim. Há coisas importantes que se fizeram no Porto que se devem à intervenção da CDU. As questões relacionadas com a Habitação, por exemplo! Eu recordo-me de nos mandatos do doutor Fernando Gomes – estamos a falar desde 1989 -, que as rendas dos bairros municipais eram superiores ao montante que a autarquia investia na reabilitação desses aglomerados habitacionais. Abordamos o assunto, constantemente, na Câmara e nas assembleias municipais, dizendo o falecido José Saraiva, que nós estávamos sempre contra tudo. Não! As pessoas viviam em condições miseráveis! Até que, mais tarde, conseguiu-se que a reabilitação fosse considerada prioritária.
No final da década de 90, eram atribuídas casas sem obras. As pessoas estavam tão desesperadas em terem casa, que iam para lá mesmo que estas estivessem completamente desfeitas. Hoje, só se entrega uma casa a uma família depois de ela estar completamente reabilitada. A maneira como hoje as pessoas são recebidas na Habitação Social, em nada se compara com a maneira que eram na década de 90.
Nós, na persistência, fomos ganhando adeptos das nossas ideias. Há muita coisa que vamos conseguindo fazer…
Foi vereador do Ambiente, a cidade, nesse aspeto, deu um grande salto em frente?
Sim. Tivemos uma delegação da Assembleia Municipal a visitar a Empresa Municipal do Ambiente, e lembrei que, há 20 anos, quando era vereador do Ambiente, as pessoas colocavam sacos de lixo à porta de casa. Foi nesse mandato, como responsável pelo pelouro do Ambiente na Câmara Municipal do Porto, que se contentorizou a cidade. As pessoas deixaram de colocar sacaria à porta de casa e começaram a utilizar os contentores. Mas, houve contestação, ora, porque o contentor era considerado uma ‘lixeira’; ora porque as pessoas não queriam o contentor à sua porta. Mas, hoje, isso é consensual!
Hoje, até já se faz a recolha de recicláveis porta-a-porta… é um processo evolutivo! Do ponto de vista dos espaços verdes tem havido um aumento do seu número, acompanhando a sensibilização das pessoas para as questões ambientais. De salientar, que o pelouro do Ambiente é um pelouro da década de 90. O engenheiro Oliveira Dias, antes dessa altura, tinha a responsabilidade pela recolha de resíduos sólidos, e era tratado como o ‘vereador do lixo’, dos resíduos…
“NO PONTO DE VISTA DA ATIVIDADE CULTURAL AS COISAS MELHORARAM, ASSIM COMO DO PONTO DE VISTA DA ANIMAÇÃO NA CIDADE”
E em que estado se encontra o associativismo na cidade?
No tempo de Rui Rio as coisas foram difíceis, pois ele considerava que a Cultura não era importante para a cidade. Entregou, como se deve recordar, o Rivoli, ao Filipe La Féria. Os espaços culturais foram fechando. Atualmente, há uma melhoria nesse campo. O falecido Paulo Cunha e Silva também lançou importantes projetos para que essa melhoria seja, hoje, uma realidade.
Felizmente – creio que foi em 2018 ou 19, altura em que Rui Moreira não tinha maioria absoluta na Assembleia Municipal – que o presidente da Câmara começou a ouvir mais as forças políticas, e a CDU, uma das condições que lhe colocou, foi a questão do apoio ao associativismo. O doutor Rui Moreira aceitou a nossa proposta, atribuindo 600 mil euros do fundo do associativismo através de concurso.
No ano seguinte, propusemos que o fundo do associativismo passasse de 600 mil para um milhão de euros, até porque as coletividades também representam a agregação das pessoas e da manutenção de relações sociais, isto numa sociedade cada vez mais individualista… E estávamos a negociar isso, quando, nessa altura, o doutor Manuel Pizarro, do PS, disse: ‘nós viabilizaremos o Orçamento. Não sabemos se nos abstemos ou votamos a favor, mas o Orçamento será viabilizado, por causa da pandemia’.
A partir daí, o doutor Rui Moreira, que estava a negociar connosco o reforço das verbas para o fundo do associativismo, vendo que o Orçamento iria ser viabilizado… deixou de negociar connosco., Não houve, assim, o necessário reforço de verbas; conseguiu-se impor um apoio extraordinário, por força da pandemia, a algumas coletividades que estavam a passar por muitas dificuldades, mas nada mais do que isso.
Contudo, penso que, no ponto de vista da atividade cultural, as coisas melhoraram, assim como do ponto de vista da animação na cidade. Quanto aos parentes pobres destas atividades culturais, desportivas e recreativas, que é o movimento associativo de base, alguma coisa melhorou com a proposta da CDU, ainda que a mesma não tenha sido reforçada, como estávamos a negociar.
“O PARTIDO COMUNISTA TAMBÉM TEM CULPAS PRÓPRIAS NA MANEIRA COMO COMUNICOU O SEU POSICIONAMENTO” EM RELAÇÃO À GUERRA NA UCRÂNIA
O Partido Comunista Português anda nas bocas do mundo pela sua opinião em relação à Guerra na Ucrânia, sendo acusado de estar ao lado do regime de Putin. Qual a sua opinião sobre essa posição do PCP?
É um posicionamento que tem sido muito deturpado, numa campanha anti PCP como nunca tinha visto. Mas acho que o Partido Comunista também tem culpas próprias na maneira como comunicou o seu posicionamento. Que é muito claro: antes de começar a guerra, nós criticámos aquilo que estava a ser feito na Ucrânia, em particular pela NATO, que estava a fazer uma provocação em relação à Rússia, pois todos sabemos que a Rússia nunca aceitaria que a Ucrânia entrasse para a NATO. Isso é o que achávamos… antes.
A partir da altura em que a Rússia entrou na Ucrânia, a Rússia perdeu a razão! Isto é como aquele comediante, aquando da entrega dos Óscares, que fez uma piada estúpida sobre a mulher de um outro ator. A piada era estúpida, mas, a partir do momento que o marido da senhora deu um estaladão ao humorista, este perdeu a razão?! Ou seja, a Rússia tinha a razão em criticar aquilo que estava a ser feito, mas a partir do momento em que invadiu… perdeu a razão toda!
O Partido Comunista critica esta invasão. Não escamoteámos que há todo um processo que leva à invasão, mas a invasão… nós criticámo-la. O que também não concordamos é que procurem apagar o fogo com gasolina, injetando armas cada vez mais sofisticadas para fazer prolongar o conflito. O que achamos que é necessário é fazer tudo para tentar sentar à mesa os dois contendores…
E depois há sempre o povo, que é a primeira vítima destas coisas…
O povo ucraniano está a sofrer, assim como o povo russo com os familiares que estão na guerra.
Mas, o PCP perdeu apoio considerável com esta sua posição, ou ‘erro de comunicação’…
O Partido Comunista teve erros de comunicação, pelo facto de não ter sido mais explícito… mais evidente. O PCP remou contra a maré! E, atenção, que neste processo há responsabilidades de Zelensky! Ele também não é flor que se cheire. Ele tem a superioridade moral, pois o seu país estar a ser invadido, mas foi o Zelensky quem ilegalizou o Partido Comunista da Ucrânia, em 2014; nós sabemos que o Batalhão de Azov, que foi integrado nas Forças Armadas da Ucrânia, é um batalhão da raiz nazi. Disso não há dúvidas! Mas uma coisa é criticar Zelensky, outra é dizermos que apoiamos o Putin, que de comunista nada tem e que na Rússia promoveu um capitalismo selvagem…
O PCP tem essa posição, mas as pessoas não a entenderam, e isso pode prejudicar o partido…
Pode prejudicar, da mesma maneira que prejudicou as pessoas percecionarem – ao contrário daquilo que eu acho que aconteceu – que foi o PCP que rompeu com as negociações com o Governo sobre o Orçamento do Estado.
Facto que se refletiu nos resultados eleitorais…
As pessoas deram uma maioria absoluta ao PS. Com as sondagens, uma vez mais, a influenciarem a opinião pública… Mas, um partido que tem mais de cem anos, que já passou por muita coisa, não é, agora, que vai tomar posições só a pensar nos votos em detrimento daquilo em que acredita.
“MENTIRIA SE DISSES QUE NÃO GOSTO DESTA ATIVIDADE DE AUTARCA…”
Nas autarquias, o PCP também perdeu muita influência…
Perdeu… perdeu muita.
Isso é preocupante?!
É! Embora haja situações que são distintas. Há situações em que as câmaras não estavam a satisfazer aquilo que eram as necessidades dos seus munícipes.
Os eleitores deixaram de votar nas pessoas, para votarem, essencialmente, nos partidos?
Há dados curiosos: No Porto, a CDU reforçou a sua posição, assim como em Lisboa. Noutras houve um enfraquecimento. Em outras câmaras, a CDU até saiu reforçada. As eleições autárquicas devem ser medidas caso a caso, mas, a tendência geral, foi de um enfraquecimento eleitoral da CDU.
De salientar que uma das razões pela qual reforçamos a nossa posição, aqui no Porto, deveu-se ao bom trabalho que tem vindo a ser realizado pela vereadora da CDU, Ilda Figueiredo.
E a CDU, no Porto como noutros locais, é muitas vezes prejudicada pelo chamado ‘voto útil’. Eu fui três vezes candidato à presidência da Câmara Municipal do Porto, e, nessas três vezes, senti, na última semana de campanha, a CDU a perder votos por força do voto útil artificialmente criado pelas sondagens.
Quanto ao seu futuro como autarca?
O meu futuro, hoje com quase 60 anos?! Acho que já dei muito do ponto de vista autárquico. Mentiria se dissesse que não gosto desta atividade de autarca. Gosto da discussão dos problemas da cidade. Gosto, essencialmente, de contribuir, ou tentar contribuir, para melhorar as condições de vida das pessoas. Sou deputado municipal, gosto, e é nisto que estou…
Entrevista realizada a 06 de junho de 2022
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