Ana Costa
Aqui há uns anos, num dia normal de escola, estava na sala de aula com os meus alunos de um segundo ano, numa aula de Estudo do Meio. Falávamos das diferentes profissões que existem, das profissões dos pais e da profissão que achavam que gostariam de ter um dia. Depois disso, conversámos sobre a importância de cada profissão e de como nós precisamos uns dos outros para viver. A mensagem principal passou, mas ainda assim, nada como reforçar todas as ideias abordadas dando o exemplo do adulto presente, eu! Quando inicio a frase, dizendo “Então, no meu trabalho…”, sou interrompida pelo Diogo, que com um ar escandalizado e de olhos bem abertos, me diz “Tu trabalhas?”
Bem, a minha primeira reação foi abrir a boca de espanto e franzir a testa e os olhos. O primeiro pensamento foi dar-lhe uma ‘purificadora aprendizagem’ sobre o assunto, que imediatamente fizesse com que ele percebesse a gravidade daquelas duas palavras e de como aquilo me afetava. Mas pronto…. Iniciei um sermão daqueles que faz com que os meus alunos mais crescidos olhem fixamente para o relógio. E o sermão começou: “Não trabalho? Eu não trabalho? Então o que é que eu estou aqui a fazer? Não me explicam?” (Sim, porque nas minhas turmas os sermões passam logo para o plural com o objetivo duplo de explicar com pormenor o que se passa ao principal implicado e aproveitar para que os outros pensem também no assunto antes de falar.) Silêncio, claro… Porque depois do meu franzir de testa, convém sempre não arriscar logo uma resposta.
Claro que continuei: “Então levanto-me às sete horas da manhã, faço cerca de quinze quilómetros até chegar aqui, não me atraso, não falto, falo um dia inteiro… (pausa para respirar) e tu perguntas-me se eu trabalho?”
O silêncio geral manteve-se, mas o Diogo era assim, nada receava e por isso mudando o ar de espanto para um desconcertante ar de troça, diz-me: “Se tu trabalhas, nós também, porque tu passas a vida a mandar-nos fazer coisas”. Bom, eu decidi respirar fundo, mas mesmo muito fundo e pensar que “da boca das crianças vem sempre a verdade” … E realmente…. Abrir um caderno, fazer isto e aquilo, fazer exercícios, copiar coisas do quadro, escrever nos livros, fazer testes, estudar, fazer contas, resolver problemas… Credo! Na minha cabeça, deixei de ser professora e mudei para um comandante, um monstro do mandar fazer! Então eu…. Só mando?
Passado tanto tempo, continuo a achar que o Diogo tinha um dom. Conversávamos muito e ele dizia o que pensava, era verdadeiro, com umas verdades mordazes e que muitas vezes, me desconcertavam, e outras magoavam. Parei, parei a pensar… Terminou ali a conversa das profissões e a aula de Estudo do Meio e passávamos para outra área (onde eu ia ‘mandar’).
O Diogo modificou-me e fez-me ver o papel de um professor de outra forma e, na realidade, tirando a mensagem importante daquele dia, de que ninguém é mais importante que o outro, quem mais aprendeu fui eu! Eu não queria ser aquela professora que o Diogo falou…
Tentei modificar a forma como falo e a forma como explico o que quero que os meus alunos façam e o porquê. Passei também a usar o plural, uma vez que entenderão melhor que o que fazemos é um trabalho de equipa, mas sobretudo para entenderem que eu também trabalho. E pronto, aprendi a minha lição, tentei corrigir-me e fui esquecendo este meu pequeno incidente… Mas nunca o Diogo.
Só que este ano, com a minha nova turma, tive um ‘deja vu’, quando a meio de uma conversa com os pequenitos, um me diz “E tu professora, trabalhas?” Já não franzi a testa e nem foi preciso respirar tão fundo, mas disse logo: “Tu conheces um Diogo? Tens algum amigo chamado Diogo que tenha sido meu aluno?”
Só que não…. Passado tanto tempo, o pequeno lá explicou que eu estava sempre a dizer piadas e a rir e que isso não era trabalhar. (Ainda lhe pedi para falar baixinho, não fosse alguém da minha entidade patronal ouvir e descontar-me no ordenado) e expliquei-lhe que faço o que gosto e por isso me divirto todos os dias. Expliquei que todos os dias são diferentes e vivo cada dia como uma nova experiência, onde todos juntos aprendemos. E como sou feliz a fazer o que faço, gosto que também os pequenos estejam felizes. Mas ao que parece, aos olhos dos meus alunos, isso não é trabalhar…
Realmente, pelos olhos das crianças, não há contribuição minha para o crescimento económico do país, o que há é uma visão simples da vida e se te divertes e fazes o que gostas, não é trabalho.
Imagino o que pensariam disto alguns políticos, que têm vindo a infernizar a vida dos professores e feito com que nós estivéssemos sempre a preencher papeladas e tabelas e fazer projetos, atolados em trabalho burocrático…. Só que os professores, os verdadeiros, gostam do que fazem com as crianças, e por isso é que são professores! E segundo o meu aluno, os professores divertem-se e essa simples ideia faz-me sorrir e continuar a minha caminhada, mesmo perdida no meio da papelada, a aprender com eles, a ver as coisas da forma mais simples, como só uma criança consegue fazer.
01nov22
Uma professora não tem fim. Ela fica. Ela sempre fica. Porque ser professora é continuar no outro, nos outros, na gente.
Professora fica. Ela sempre fica. No colo que ofereceu. No sorriso que deu. Na história que contou. Na pergunta que fez. No olhar que encorajou. Na escuta que acolheu. No sentido que provocou.
Professora fica. Ela sempre fica. ??
E – de certo – tens ficado guardadinha em muitos corações. Que sorte de tantas crianças e de minha Heleninha. Que sorte a nossa!
Adoro tuas palavras!
Beijinhos.
Espetacular!!!! Continua assim amiga Ana !!!! Amei fazer esta leitura !!!
Tu transformas tudo em leveza e beleza! A vida é bela se realmente acreditamos nela! E aprender a viver é um aprendizado constante em que os bons Professores não só ensinando as matérias também ensinam como se trabalha com amor no coração. Bem hajas.