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Bolhão: 20 anos de lutas pela reabilitação

“O mercado do Bolhão começou a ser construído em 20 de Julho de 1914 com projeto do arquiteto municipal António Correia da Silva e sob impulso da primeira vereação republicana do Porto. Foi uma obra pioneira pela utilização de betão armado, estruturas metálicas e vidro. Mas não é apenas um edifício, é um símbolo da cidade, pela atividade tão caraterística das vendedoras, comerciantes e utentes. 

 Uma história de negociatas e promessas não cumpridas …

Durante muito tempo o mercado do Bolhão não mereceu a devida atenção dos poderes públicos. É certo que em 1992 foram expostos os 11 projetos apresentados ao concurso público de reabilitação do mercado. Mas o projeto de Joaquim Massena classificado em primeiro lugar não foi executado. E a partir de 2002, com a coligação PSD/CDS-PP a dirigir a Câmara, tudo se agravou. Passou a haver uma única ideia no município: entregar o Bolhão a privados.

 20 anos de lutas pelo Bolhão

Um comunicado da Câmara Municipal de 29 de julho de 2005 dirigido aos comerciantes do Bolhão anunciava a colocação de escoras  como resposta ao “estado de degradação em que se encontra o mercado”. E queixava-se  das “evidentes acções de desinformação, por parte da  Comunicação Social, que tem contribuído para a instabilidade interna e para a confusão geral”.

Em 30 de julho de 2005 os jornais do Porto davam notícia dum cordão humano em defesa do Mercado. E em 22 de fevereiro de 2006 o mercado do Bolhão, um dos espaços coletivos mais emblemáticos da cidade do Porto encontrava-se em vias de classificação como Imóvel de Interesse Público pela sua valia arquitetónica, processo que só culminou com a publicação da Portaria nº 613/2013.

Em 24 de janeiro de 2008 uma sessão no Ateneu Comercial do Porto constituiu a Plataforma de Intervenção Cívica do Porto que deu um novo impulso à luta em defesa dum mercado tradicional e de frescos e por uma gestão pública municipal com a participação dos comerciantes.

Em fevereiro de 2008, o grupo parlamentar do BE em requerimento dirigido ao Ministro da Cultura incitava o então IPPAR/IGESPAR a não emitir qualquer autorização de obra que colocasse em causa o relevante papel patrimonial e cultural do mercado do Bolhão.

Numa sessão pública realizada em 13 de abril de 2008, o BE pela voz de João Teixeira Lopes caraterizava o projeto de Rui Rio para o Bolhão como “destruição do espaço público”.

 Em maio de 2008, um Projeto de Resolução do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda “Recomenda ao Governo que tome medidas para impedir a descaraterização e demolição do Mercado do Bolhão”, instando à proteção e valorização arquitetónica e funcional do mercado e que os interesses das vendedoras e comerciantes que operam no Bolhão sejam acautelados.  

Foi em 10 de julho de 2008 que o Bolhão correu o maior perigo da sua existência, quando a Câmara do Porto, então dirigida por Rui Rio e PSD/CDS-PP, adjudicou à empresa TCN (TramCronNe – Promoções e Projetos Imobiliários) um projeto, apresentado como de obras de reabilitação, mas na verdade de demolição de todo o interior do mercado para, como diziam os proponentes, “assegurar a rentabilidade económica do investimento”. Habitação de luxo nos 3º e 4º pisos e um hipermercado constavam do projeto da TCN.  E o município também  cedia  todo o edifício à TCN em direito de superfície durante 50 anos…

Uma Comissão de Avaliação tinha chumbado o projeto da TCN ao atribuir a nota de 1,78 (em 5 possíveis). Mas o vereador do PSD atribuiu ao projeto uma nota de Bom (3,32). A Câmara do Porto convocou a empresa TCN (TramCronNe) para a assinatura dum contrato com aquela empresa. Tal cerimónia não se chegou a concretizar. “Defende-se a anulação do concurso” lia-se na imprensa de 6 de agosto de 2008. Foi uma notícia formidável para a cidade e para as vendedoras e lojistas do Bolhão

Uma grande mobilização cívica (mais de 50.000 assinaturas numa petição – nº 434/X/3 – contra a anunciada demolição do mercado, entregue em 27 fevereiro de 2008 e que foi votada favoravelmente pela Assembleia da República), a que se juntou o empenhamento das vendedoras e comerciantes do mercado e as iniciativas de forças políticas como o BE, conseguiram travar a destruição do Bolhão.

E foram vários os Manifestos e iniciativas cívicas para salvar o mercado do Bolhão.

Na Assembleia Municipal do Porto de 29 de setembro de 2008 uma Recomendação do BE salientava o cancelamento da adjudicação à TCN do contrato que previa a demolição do Bolhão como uma vitória para todas e todos que se lhe opuseram. E insistia num processo de reabilitação do mercado com ampla participação da população e das vendedoras e lojistas. Foi rejeitada por 27 votos contra (PSD e CDS/PP) e 26 a favor (BE, PS e PCP). Mas a reabilitação já não podia ser travada. As mulheres do Bolhão, os comerciantes, as utilizadoras de todos os dias não permitiam nem a degradação do mercado nem a sua apropriação por um qualquer projeto empresarial.

Em abril de 2010 foi a vez do IGESPAR apresentar um projeto-base de remodelação do mercado. E em 30 de novembro de 2012 o Projeto de Resolução nº 517/XII/2ª  do BE, recomenda ao Governo “que apoie a recuperação do Bolhão respeitando os comerciantes e as características arquitetónicas do mercado”.

 Nos 100 anos do Bolhão, a reabilitação avança ou não ?  títulava o  comunicado distribuído pela Concelhia do Porto do BE em 8 de março de 2014 realçando a luta persistente das mulheres do Bolhão, a sua coragem e persistência na defesa do mercado. Existiam projetos viáveis de arquitetura, e dinheiro também não faltava, era só uma questão de prioridades: uma pequena parte dos 40 milhões de euros que o município recebia por ano de IMI, eram mais que suficientes para arrancar com as obras.

O Bolhão é para reabilitar! Não se pode recuar!

Num texto de março de 2015 o BE/Porto afirmava não esquecer as promessas municipais de reabilitar o mercado. “Não desistimos da luta por um Bolhão bem vivo, com gente dentro, com novas valias, como mercado de frescos e produtos alimentares, emblema da cidade”.

Com a apresentação dum projeto municipal em Abril de 2015 com uma equipa coordenada pelo arquiteto Nuno Valentim que preservou a memória do mercado, foi aberta uma nova fase na tão ansiada reabilitação do Bolhão. Mas os trabalhos preparatórios e a consequente perturbação no funcionamento do mercado exigiam o aprofundar do relacionamento entre o município e as vendedoras e lojistas. Por isso, na sequência dos alertas da Associação do Comércio Tradicional Bolha de Água que representava os comerciantes do Bolhão, o BE apresentou na Assembleia Municipal do Porto em 7 de novembro de 2016 uma recomendação (não aprovada), para melhorar a informação e uma ligação mais próxima entre todos os intervenientes no processo.        

As obras de reabilitação arrancaram em 2017. Mas dias antes, em 3 de dezembro de 2016, Marisa Matias esteve no Bolhão a exigir garantias para as vendedoras e comerciantes. Porque, como dizia uma vendedora, “o Bolhão tem uma beleza enorme, é o coração da cidade”.

E na reabertura em 15 de Setembro de 2022 há que (re)lembrar o empenhamento da população do Porto, a intervenção persistente do BE, o exercício de cidadania por tanta gente e principalmente a coragem das vendedoras e comerciantes do mercado (a Sara Araújo, a Fatinha e tantos outros rostos). Sim, coragem porque tiveram que defrontar durante tantos anos uma Câmara rendida aos grandes poderes económicos contra a reabilitação do mercado do Bolhão”.

 

 

José Castro– jurista, membro da Concelhia do Porto do Bloco de Esquerda

 

Porto, 15 de setembro de 2022

 

Foto em destaque: Ursula Zangger (Etc. e Tal)

 

01out22

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