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A Escola de Belas Artes

Maximina Girão Ribeiro

 

Localizada na freguesia do Bonfim, na Avenida Rodrigues de Freitas, está a antiga Escola de Belas Artes do Porto, considerada uma instituição prestigiada, no sector das Artes.

Sabemos como “[…] em Portugal, só tardiamente foi viabilizada a criação de um ensino artístico oficialmente organizado, de carácter regular e sistemático. Até ao reinado de D. Maria I, não existiram no nosso país mais do que alguns estabelecimentos dispersos, ministrando um ensino parcelar.” (Goulão, 1989: 21).

No Porto, salientaram-se duas experiências pontuais e efémeras, resultantes da existência de uma oficina em Santo Ildefonso e uma “escola” na Porta do Olival, dirigida pelo pintor francês, João Pillement, em meados do Séc. XVIII.

Outras tentativas, embora goradas, começaram a surgir, como foi a dos pintores Francisco Vieira Lusitano (1699-1793) e André Gonçalves (1685-1762) que, em Lisboa, por meados do século XVIII, tentaram estabelecer uma academia semelhante às congéneres estrangeiras e à imagem da já estabelecida Aula Pública de Náutica, em Portugal. Contudo, foram obrigados a desistir dos seus objectivos, pois corria pela cidade um boato de que na casa onde decorriam as aulas, aí se exibia, de forma escandalosa, um modelo nu e, por esse motivo, a população amotinada apedrejava o edifício.

Será, no entanto, na cidade do Porto que encontramos, pela primeira vez a nível nacional, a fundação de um ensino artístico organizado e sistematizado, criado por determinação régia.

Os primórdios deste ensino artístico têm raízes na Aula Pública de Debuxo e Desenho, decretada por D. Maria I, a 27 de Novembro de 1779, sendo nomeado como primeiro lente António Fernandes Jácome, pessoa que estudara em Roma e que foi o primeiro a dirigir a instituição, recebendo o salário de 16$000 reis por mês. (Santos,1996: 29).

Com início a 17 de Fevereiro de 1780, as aulas começaram no Seminário dos Meninos Órfãos do Porto (Colégio da Graça), vulgarmente conhecido por Colégio dos Órfãos que, naquele tempo, se situava em terrenos onde hoje existe a Reitoria da Universidade do Porto, na praça mais conhecida como dos Leões. A lição inaugural, sessão solene, teve a presença do juiz de fora, vereadores e nobreza da cidade.

Mas, depressa se percebeu que o ensino aí ministrado era muito elementar, baseando-se na cópia de desenhos e relevos, exigindo-se aos alunos que apenas soubessem ler, escrever e executar as quatro operações aritméticas. Contudo, este ensino artístico, baseado no desenho era orientado para aplicações práticas, no âmbito das diferentes manufaturas existentes.

O pintor Francisco Vieira Portuense (1765-1805), em 1800, foi nomeado para a vaga de Lente da Aula de Desenho e, a fama deste mestre fez atrair muitos alunos que, em 1802, perfaziam os cento e vinte, o que fez com que as aulas passassem a funcionar no Hospício dos Religiosos de Santo António da Província da Soledade, situado na Alameda (mais tarde designada por Cordoaria, futuro Campo dos Mártires da Pátria).

Vieira Portuense, a partir de 1802, passou a denominar por «Academia» a Aula de Desenho, o que traz uma certa dignificação à instituição e ao papel desempenhado pela vertente artística e pelos princípios orientadores dessa actividade.

Em 1806, a Aula de Desenho volta a ser transferida, desta vez para a Câmara Eclesiástica, situada nas escadas dos Grilos, passando depois a ocupar umas construções provisórias levantadas pela Companhia das Vinhas do Alto Douro, no terreno junto ao Colégio dos Órfãos.

Numerosos obstáculos e dificuldades urgiam uma reforma na instituição, no entanto, a desejada reforma deste ensino só teve lugar, apenas após a Revolução Liberal e a Guerra Civil Portuguesa quando, no dia 22 de Novembro de 1836, através de um decreto emanado pelo governo de Passos Manuel, se concretiza uma reforma, com a criação da Academia Portuense de Belas Artes, com o objetivo de “[…] promover o estudo das Bellas Artes, difundir, e aplicar a sua prática às Artes Fabris.” Assim, passaram a vigorar novas disciplinas, nomeadamente o Desenho de História, Pintura de História, Arquitetura Civil, Escultura e Gravura Artística.

Os alunos entravam, por essa altura, para a Academia com dez anos, possuindo a instrução primária mínima e saíam aos quinze, com habilitação profissional própria.

“Seria necessário esperar pela reforma de 1932 para que as Escolas de Belas Artes de Lisboa e do Porto pudessem ser classificadas de estabelecimentos ‘superiores’, mas não de ensino ‘superior’, note-se, subindo grandemente o nível cultural exigido para a admissão. Radicará talvez aqui a tradicional ‘inferiorização’ das Belas Artes face à Arquitectura, na Escola portuense: para a frequência deste último curso era exigido o 7.º ano dos Liceus, enquanto que para os de Pintura e Escultura bastava o 5º ano.” (Goulão, 1989: 31)

Constantes dificuldades económicas iam afectando a instituição, comprometendo uma modernização do ensino e salientando a premente necessidade de compra de material didáctico que era escasso e antiquado, havendo também falta de estampas, de gessos e outros materiais, além da continuada oposição à existência de modelos vivos (figura humana) para a realização de trabalhos a nível da pintura e escultura. Com a extinção dos privilégios da Companhia das Vinhas do Alto Douro a situação económica agravou-se, dado que a Academia perdia aquela que era, até essa altura, a sua única fonte de recursos, passando as verbas destinadas ao seu funcionamento a ser incorporadas nas receitas gerais do Estado.

Até 1853 a Academia funcionava provisoriamente no edifício do Colégio dos Órfãos, que era também a sede da Academia Politécnica mas, a partir desta data passou a ocupar o edifício do extinto Convento de Santo António, junto ao Passeio de S. Lázaro destinado, desde 1839, a albergar a Academia de Belas Artes, o Museu Portuense e a Biblioteca Pública.

Foi na década de 40 do séc. XX que a degradação das instalações do velho Convento de Santo António, se tornaram inadaptáveis para o funcionamento de uma instituição de ensino, dado que não ofereciam condições nem de salubridade, nem de iluminação e até de espaço. Nestas condições, a Escola precisava, com urgência, de uma nova casa com melhores acomodações.

Muito perto das instalações que ocupavam existia um palacete, mais tarde conhecido por Palacete dos Braguinhas, inicialmente pertença da família de António Ribeiro Fernandes Forbes (1791-1862), natural de Fafe e emigrante regressado do Brasil. Este, em 1857, escolheu a Rua do Heroísmo para se instalar, mas em 1861 adquiriu um terreno na Rua de São Lázaro, hoje Avenida de Rodrigues de Freitas, onde pretendia construir a sua residência. No entanto, este projecto só foi concretizado entre 1863 e 1873, por sua viúva, D. Maria do Carmo Calazans Rodrigues (1816-1901). O palacete da Viúva Forbes era requintado, apresentando um refinado trabalho da pedra e, no interior, o refinamento das madeiras exóticas e dos belos estuques, tornavam-no um edifício imponente dotado, também, de um grandioso jardim.

Fachada do palacete dos Braguinhas

Em 1875, o palacete foi vendido a outro brasileiro por 70 contos de reis. O novo proprietário, também natural de Fafe e emigrante no Brasil, José Teixeira da Silva Braga (1811-1890), ao regressar a Portugal, em 1860, residiu até falecer, nessa casa. Um seu herdeiro, José Braga Júnior, um dos “Braguinhas”, que chegou a ser Vice-cônsul do Brasil no Porto, deu uma nova vida à residência, com concertos e reuniões elegantes. Contratou o arquitecto paisagista belga, Florent Claes para construir um novo jardim com a introdução de espécies exóticas, especialmente as de proveniência sul-americana, para além da criar um núcleo museológico de História Natural. Com a morte de José Braga Júnior, o palacete foi ocupado pelo Instituto de Comércio do Porto e, onze anos mais tarde, com a extinção deste, passou a ser as novas instalações da Escola de Belas Artes do Porto, onde se ensinava Arquitetura, Pintura, Escultura e, mais tarde, na década de 1970, também o Design de Comunicação e demais áreas artísticas.

Átrio da Escola com estátuas laterais

A Escola é constituída pelo Palacete de entrada, com um amplo átrio. O edifício alberga a Aula Magna, a Biblioteca, o Museu e os serviços Administrativos e Directivos. A Escola de Belas Artes organiza-se ao longo de um jardim com árvores centenárias, esculturas e um lago. Aí se situam os vários pavilhões de ensino, de épocas, linguagens e funções diferentes, mas todos assinados por reconhecidos arquitectos do Porto.

A partir de 1934 o edifício começou a ser alvo de remodelações e alterações diversas, executando José Marques da Silva um projecto de reestruturação do imóvel. Contudo as obras prolongavam-se e só a 27 de Abril de 1950 foi inaugurado o primeiro de 4 pavilhões destinados a acolher a Arquitectura, Desenho e a Biblioteca, trabalhos orientados pelo engenheiro e arquitecto Manuel Lima Fernandes de Sá.

O pavilhão de Arquitectura, mantém a designação de quando albergava as aulas e o auditório de ensino de Arquitetura, curso agora autonomizado e instalado na FAUP, no Campo Alegre, desde 1979, integrando-se na Universidade do Porto como Faculdade de Arquitectura mas, a mudança para as suas novas instalações, no Campo Alegre, duraram até 1992.

Pavilhão Carlos Ramos

Além do pavilhão de arquitectura que simboliza uma época, hoje existem outros pavilhões, de exposições, de técnicas e desenho, ou o mais recente, o pavilhão Sul, que criou uma nova fachada, na Praça da Alegria.

A Escola de Belas-Artes do Porto tornou-se também uma galeria com exposições de autores actuais e autores célebres de outros tempos como, entre outros, Polidoro de Caravaggio (1495- 1543), e Giovanni Battista Paggi (1554-1627) e, o mais célebre de todos, Leonardo da Vinci, representado com um desenho denominado “Rapariga lavando os pés a uma criança”, conhecido como o “desenho do Porto”, que faz parte do acervo desta instituição.

É a única obra de Leonardo da Vinci existente em Portugal e terá sido realizada entre 1480 e 1483. Pensa-se que o desenho do mestre italiano da Renascença terá chegado ao Porto, no século XIX, pela mão de algum dos muitos estudantes bolseiros da Academia Portuense de Belas-Artes que então frequentavam as academias italianas. Contudo, só no século XX se assegurou a “paternidade” desta obra, oficialmente reconhecida.

Desenho de Leonardo da Vinci – ‘Rapariga lavando os pés a uma criança’

Acompanhámos o percurso da Escola de Belas Artes do Porto, desde a Aula de Debuxo setecentista que esteve na sua origem até, sucessivamente a Academia Portuense de Belas-Artes / Escola de Belas-Artes do Porto (1836-1950) / Escola Superior de Belas-Artes do Porto (1950-1992) e, por último, em 1994, também a Escola Superior de Belas Artes do Porto passou a fazer parte da Universidade do Porto e a designar-se por Faculdade de Belas Artes.

Relembrámos aqui o papel fundamental que esta instituição de ensino artístico desempenhou na formação e na prática de algumas das figuras mais marcantes no panorama das artes em Portugal, como Vieira Portuense, Domingos Sequeira (assumiu a direcção da Aula de Desenho e Pintura da Academia Real de Marinha e Comércio da Cidade do Porto, entre 1806 e 1821), Henrique Pousão, Marques de Oliveira, Soares dos Reis, Aurélia de Sousa, António Carneiro, Teixeira Lopes, Henrique Moreira, Salvador Barata Feyo, Domingos Alvarez, José Rodrigues, Júlio Resende, Zulmiro de Carvalho, Graça Morais, entre muitos e muitos outros ilustres artistas.

 

 

Fotos: pesquisa web

 

Bibliografia consultada:

GOULÃO, Maria José (1989), O Ensino artístico em Portugal: subsídios para a história da Escola Superior de Belas Artes do Porto, Mundo da Arte. Nº 3, p. 21- 37.

SANTOS, Cândido dos (1996), Universidade do Porto Raízes e Memória da Instituição, Quatro Cores Editorial Design.

 

 

Obs: Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc. eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

 

01dez22

 

 

 

 

 

 

 

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