Luísa Camarinho
“Era uma vez” é a expressão que introduz todas as boas histórias. As histórias infantis são as primeiras que conhecemos e são também aquelas que nos mostram, pela primeira vez, o poder do amor e dos sonhos. Talvez tenha sido esta a razão pela qual José Saramago escolheu colocar na contracapa do ‘Memorial do Convento’ a dita expressão.
O ‘Memorial do Convento’ é a história do amor que liberta um pobre soldado maneta e uma mulher feiticeira e do desamor que mantém uma rainha no cárcere da sua própria mente. É a história do sonho que, embora apelidado de loucura, fez viver um padre e é, também, a história dos que não tendo nada, têm tudo, dos que pagaram com uma vida amargurada a megalomania de um rei que não olhou a meios para atingir os fins.
Baltasar Mateus é o ‘Sete-Sóis’ porque vê o que está à vista dos olhos e Blimunda de Jesus é a ‘Sete-Luas’ visto que vê por dentro das pessoas. Ambos se completam e vivem, segundo Pilar Del Rio, “a história de amor mais bonita de todos os tempos”. Ele, embora seja maneta, segura-a com o coração e ela, embora tenha o poder da ecovisão, promete nunca o ver por dentro já que só o quer amar tal como o conheceu: um soldado que veio da guerra sem nada e viu nela o seu tudo.
Ainda assim, nem só de amores se fez este livro. Aliás, acho até que a personagem principal deste romance histórico é o sonho. Saramago dá vida aos sonhos na pessoa do Padre Bartolomeu Lourenço, um homem que “queria voar e morreu doido.”. Na grande maioria das vezes, os sonhos tornam-se maiores do que a própria vida e, aqui, não foi exceção. O sonho de voar do padre passou também a ser o sonho de Blimunda e de Baltasar, mesmo depois do seu desaparecimento, porque “são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita.”
Concluo dizendo que, para além de um romance histórico, o ‘Memorial do Convento’ é o nada que é tudo, é a história de amor entre Saramago e os leitores desta obra, é o incentivo a amar sem reservas e a sonhar sempre, mesmo que digam que é loucura, porque loucos são aqueles que vivem acomodados na pequenez das suas vidas sem nunca ousarem ter mais.
01dez22