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Quase meio século depois do 25 de Abril urge garantir e respeitar o direito à diferença na escola pública

José Lopes

 

A um ano de ser assinalado meio século do 25 de Abril, revolução que rasgou caminho para o acesso universal à Educação como uma das primeiras conquistas do movimento popular daquele Abril, em que se derrubou um regime ditatorial, autoritário e obscurantista, que oprimiu e reprimiu o povo, sujeitando-o a uma anestesia cívica durante décadas de injustiças sociais, de atraso económico e cultural.

Nas escolas e nas ruas voltam-se a fazer ouvir vozes de inquietação e determinadas na defesa da escola pública, que garanta, não só justiça laboral dos trabalhadores da educação, mas igualmente, consolide direitos e liberdades fundamentais para o progresso social e a democratização da sociedade.

Como se destaca nos objetivos da Lei de Bases do Sistema Educativo, responder “às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres (…)”, são contributos indispensáveis da educação, para, promover o “desenvolvimento do espirito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espirito critico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva”.

Nesta transformação progressiva, despertada e estimulada por um percurso de 50 anos de democracia, a defesa coerente de uma escola inclusiva ao contrário da escola seletiva do antigo regime, exige dar atenção a estudos internacionais que concluem, que “o gosto pela escola tem vindo a diminuir”. Um quadro preocupante que reflete não só o estado de espirito dos alunos e encarregados de educação, mas também de docentes e não docentes, tal a pressão de políticas neoliberais que resultam na descaraterização da escola pública e em riscos de ressentimentos sociais que alimentam efeitos tipo ‘Trumps’ ou ‘Bolsonaros’. Ameaças que devem ser tidas em conta, pedagógica e preventivamente.

Reconhecido a todos os portugueses o direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República. Quase meio século depois do 25 de Abril, urge garantir e respeitar o direito à diferença na escola pública, proporcionando “a aquisição de atitudes autónomas, visando a formação de cidadãos civicamente responsáveis e democraticamente intervenientes na vida comunitária”, como consagra a Lei de Bases do Sistema Educativo.

ESCOLA DE OVAR ALVO DE CAMPANHA ‘NEGACIONISTA’

Reavivados direitos fundamentais de Abril na educação, quando se assinala o 25 de Abril, liberdades e direitos conquistados nas ruas, nas fábricas e nas escolas. O ‘direito à diferença’ ainda exige ser conquistado, como se pode concluir de uma tentativa fundamentalista, para denegrir através das redes sociais as atividades pedagógicas em meio escolar e de sensibilização, neste caso promovidas pela própria PSP com o projeto ‘Sim à Diferença’.

Ações de formação e sensibilização dinamizadas neste ano letivo, cuja experiencia vivenciada na Escola EB 2.º Ciclo António Dias Simões (Agrupamento de Escolas de Ovar), viria a ser atacada de forma incendiária e repugnante, merecendo a atenção do jornal ‘Polígrafo’.

A notícia publicada em 19 de janeiro, com o título “Agentes da PSP deslocam-se a escola em Ovar para falar sobre identidade de género sem conhecimento dos docentes?”. Noticia que deixava claro ter sido baseada na campanha lançada no facebook, sobre o relato de uma aula que teve a colaboração da Escola Segura da PSP como há muitos anos acontece sobre os mais variados temas, neste caso a abordagem do direito à diferença, que acabou partilhada nas redes sociais, por pessoas promotoras do obscurantismo fundamentalista sobre tais temas serem trabalhados em meio escolar. Recorrendo assim a campanhas antipedagógicas e tantas vezes intimidação intolerante, que em liberdade e democracia a escola pública e a sociedade não pode aceitar silenciosamente, muito menos as inverdades que o ‘Poligrafo’ classificou como “impreciso”, esta denúncia maquiavélica sobre uma ação de sensibilização, que decorreu numa aula de ‘Fórum e Tecnologia’.

É ainda referido que o Ministério da Educação reafirmou, que, “Esta disciplina é uma oferta complementar, integrando o currículo, da autonomia da escola, dedicada a temas do dia-a-dia, devidamente planificada e aprovada pelos órgãos competentes da escola”. Também a PSP esclareceu tratar-se de trabalho em articulação entre o programa ‘Escola Segura’ e as atividades diversas que constam do Plano Anual de Atividades da Direção Nacional da PSP, designadamente ações de formação em sala de aula. “Neste caso, a atividade da PSP teve como tema: ‘Sim à Diferença’, que pugna pelo respeito à diferença e dignidade do outro”, não fazendo naturalmente a abordagem do ponto de vista da ideologia de género, que não caberá compreensivelmente a esta entidade policial, ao contrário do que a denúncia tenta propagar perante os correligionários de tais negacionismos.

A PSP refere ainda que, “esta ação em concreto, especialmente dirigida a alunos do 2.º e 3.º ciclo e ensino secundário, visa alertar a população estudantil para a necessidade de evitar todas as formas de discriminação”. E acrescenta: “com efeito, na apresentação que suporta as ações de sensibilização a nível nacional, entre muitas outras formas de discriminação aventadas, como racismo, xenofobia, intolerância religiosa, discriminação contra pessoas com deficiência ou igualdade de género; é também abordado o tema da discriminação sexual, sendo definidos, para esse efeito, os conceitos de identidade de género, orientação sexual, sexo e expressão de género”.

Estes são exatamente objetivos da ‘missão’ do Agrupamento de Escolas de Ovar, que se podem ler na sua página na internet, com a finalidade de “formar cidadãos críticos, responsáveis e atuantes, garantindo um processo de ensino-aprendizagem sustentado no conhecimento, na competência e na integração social”, em que são estabelecidos exatamente os seguintes direitos dos alunos: ser tratado com respeito e correção por qualquer membro da comunidade educativa, não podendo, em caso algum, ser discriminado em razão da origem étnica, saúde, sexo, orientação sexual, idade, identidade de género, condição económica, cultural ou social ou convicções políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas”. Bem como, conhecer e respeitar ativamente, os “valores e os princípios fundamentais inscritos na Constituição da República Portuguesa (…)” e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, entre outras convenções, enquanto “matrizes de valores e princípios de afirmação da humanidade”.

Perante estes ataques ao direito à diferença, resultantes de campanhas insidiosas contra esta comunidade escolar em concreto e às várias entidades que lutam e trabalham junto dos jovens sobre temas que incomodam obscurantistas. A resposta não deverá ser o silêncio nestes tempos em que reina a desinformação e a intolerância, nem tão pouco ceder a tais campanhas que querem fragilizar a escola pública democrática e a educação, como conquista transformadora alcançada no 25 de Abril de 1974 a caminho de meio século, com renovadas razões de luta que mobilizam as comunidades escolares.

 

Foto: pesquisa Google

 

01abr23

 

 

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