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As Estátuas do Bonfim (03) – ‘Universo 4+3’ – Self-Portrait as a Fountain

Maximina Girão Ribeiro

 

Desta vez, falaremos de duas peças escultóricas que se encontram no Jardim das Águas (SMAS) – Parque de Nova Sintra, o grande museu a céu aberto que guarda as fontes retiradas das ruas da cidade, quando deixaram de servir para o fim a que se destinavam: fornecer água aos munícipes, antes de se generalizar a distribuição da água canalizada até às habitações. Mas, essas fontes antigas, que tanto embelezam aquele jardim, não estão sós. Existem duas obras escultóricas de grande valor estético que, afinal, são também fontes/chafarizes.

Começamos por referir a peça que se encontra perto da entrada do Parque, a belíssima e monumental escultura em bronze, intitulada ‘Universo 4+3’, da autoria da artista escultora Irene Vilar, de seu nome completo Maria Irene Lima de Matos Vilar.

A escultora Irene Vilar

Irene Vilar, nascida em 1930, em Matosinhos, foi autora de uma variada e riquíssima obra plástica, estando esta distribuída pelas áreas da escultura, da pintura, da medalhística, da numismática e da ourivesaria. A sua arte foi exibida em diversas exposições individuais e colectivas, sendo distinguida, ao longo da vida, com vários prémios e variadas distinções.

A sua produção escultórica encontra-se espalhada por vários pontos do mundo, mormente na Alemanha, Bélgica, Holanda, África do Sul, Brasil e Macau mas, talvez seja no Porto e em Matosinhos, que a sua obra se encontra representada em maior quantidade.

As mãos de onde brota água

A obra ‘Universo 4+3’, datada de 1987, é uma peça de vertente abstracta que merece uma descodificação para ser plenamente compreendida, pois ostenta as mãos dadas de onde brota água e, todo o conjunto, tem um significado simbólico e esotérico, unindo-se numa fórmula cósmica: os Quatro Elementos Clássicos que vêm descritos desde a Antiguidade pelos filósofos gregos e que se referem aos 4 conceitos de terra, água, fogo e ar, propostos para explicar a natureza e a complexidade de toda a matéria, em termos de substâncias mais simples. O número 3 representa a Trindade (Pai, o Filho/Jesus Cristo e o Espírito Santo), ou seja, um Deus em três pessoas. A Terra e o Céu estão representados num braço comum que sustenta as mãos, que é uma espécie de tronco que mergulha na água.

O Universos (4+3)

Uma outra interpretação é considerar a peça ‘O Universo (4+3)’, simbolizando a totalidade do espaço e a totalidade do tempo, associando-se o número 4 à Terra (os 4 pontos cardeais) e o número 3 estando ligado ao Céu. A soma de 4+3 é o número 7 que representa a totalidade do Universo em Movimento.

A obra desta escultora, que estudou na Escola de Belas Artes do Porto, está sempre muito ligada à representação do sagrado, a aspectos simbólicos e, até, a um certo esoterismo.

Irene Vilar também se dedicou ao ensino e começou por dar aulas na Escola Clara de Resende, no Porto. Aos 36 anos assumiu a direcção da Escola Aurélia de Sousa, também no Porto, até 1974.

Era uma mulher de convicções religiosas profundas, pessoa simples, afável e comunicativa, que considerava a arte como um combate permanente entre ela e o mundo que a rodeava. Em 1976, Irene Vilar legou, num gesto de grande generosidade, parte da sua criação artística, à Câmara Municipal de Matosinhos.

Faleceu aos 77 anos, no dia 12 de Maio de 2008, no Hospital de S. João, no Porto, onde se encontrava internada.

Uma outra peça escultórica encontra-se neste espaço do jardim das Águas, mas um pouco mais longe da entrada, localizada em frente ao rio de onde se desfruta uma admirável paisagem. Aí se encontra uma obra do escultor Julião Sarmento, a que este deu o nome: SELF-PORTRAIT AS A FOUNTAIN (Fat chance Bruce Nauman).

O escultor Julião Sarmento

Julião Sarmento, nome como ficou conhecido no mundo da arte, chamava-se Julião Manuel Tavares Sena Sarmento. Nasceu em Lisboa, a 4 de Novembro de 1948. Era filho único, neto único, teve dois casamentos e dois filhos. Estudou na Escola de Belas-Artes de Lisboa, onde cursou arquitetura e pintura.

Foi um renomado artista plástico português, com uma obra multidisciplinar e um invejável percurso internacional, por estar presente nas mais importantes galerias das principais capitais do mundo da arte. Foi considerado “o nosso artista mais global”.

Começou a trabalhar em meados dos anos 70 e a sua produção artística é extensa, pois a quantidade de obras é enorme – foram cinquenta anos a trabalhar no seu ateliê. Podemos dizer que foi o primeiro criador português a obter reconhecimento internacional generalizado, sem ter de abandonar o país. É considerado como um pioneiro da experimentação que a arte portuguesa fez na segunda metade do século XX.

“Autor de uma obra multifacetada que abrangeu meios tão diversos como pintura, vídeo, som, desenho, escultura e instalação, Julião Sarmento foi influenciado pela literatura e pelo cinema e explorou artisticamente os temas da sensualidade, do feminino, do voyeurismo e da transgressão.” in net Entrevista a Julião Sarmento, no Jornal OBSERVADOR

Julião Sarmento faleceu, em 2021, em Lisboa, aos setenta e dois anos.

Self-portrait fountain (Fat chance Bruce Nauman)

A ‘fonte’ de Julião Sarmento, por ele intitulada de Self-portrait fountain (Fat chance Bruce Nauman), é a peça escultórica mais recentemente instalada neste parque e, por ele considerada como o seu “alter-ego feminino”. Esta peça pretende homenagear Bruce Nauman, um artista norte americano, autor de arte contemporânea, com obras em neón, vídeos e instalações sonoras,…

Sopro pela boca em jacto de água

A peça escultórica de Julião Sarmento, neste jardim, é uma escultura em bronze, colocada sobre um plinto de betão que mergulha num pequeno lago. Trata-se uma jovem mulher de tronco nu, braços abertos e equilíbrio instável que sopra, através da boca, um jacto de água que cai para um pequeno lago. O autor da obra explicou, durante a inauguração, que a sua criação é devedora do norte-americano Bruce Nauman (n. 1941), “[…] uma figura absolutamente seminal da arte do último meio século […]”, que Sarmento confessou ser o seu “pai espiritual”.

A água cai num espelho de água

Julião Sarmento transformou a fotografia de Bruce Nauman, de 1966, em que este artista deitava água pela boca, num objecto tridimensional e adaptou-o ao contexto e ao cenário de um jardim romântico, como é o da empresa Municipal de Águas do Porto, no Bonfim.

Não há qualquer dúvida que esta bela peça escultórica veio enriquecer o jardim e a arte pública da cidade do Porto.

 

Obs – Por vontade da autora e, de acordo com o ponto 5 do Estatuto Editorial do “Etc. eTal jornal”, o texto inserto nesta rubrica foi escrito de acordo com a antiga ortografia portuguesa.

 

Bibliografia Consultada

Dados sobre Irene Vilar:

Pamplona, Fernando, Dicionário de Pintores e Escultores Portugueses (5 Vol. 1987 a 2000), Livraria Civilização Editora, Porto.

https://sigarra.up.pt/up/pt/web_base.geral U.Porto > MemóriaU.Porto >Antigos Estudantes Ilustres U.Porto:- Irene Vilar

 

Dados sobre Julião Sarmento:

Andrade, Sérgio, O “alter ego” feminino de Julião Sarmento saiu à rua (10 Julho de 2017), in net Jornal Público.

Crespo, Nuno, Julião Sarmento faz a sua maior retrospectiva em Serralves, in net Jornal Público.

Melo, Alexandre, Arte e artistas em Portugal (2007) Bertrand Editora, Instituto Camões, Lisboa.

Entrevista a Julião Sarmento, “Nunca me movi no sentido de ser famoso” (2016), in net Jornal Expresso.

Morreu Julião Sarmento, pai de toda a arte contemporânea portuguesa recente, (4 maio 2021). in net Jornal Observador

Morreu o artista plástico Julião Sarmento (1948-2021), in net Jornal Expresso.

 

Fotos: pesquisa web

01mai23

 

 

 

 

 

 

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