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Ir ao quadro

Ana Costa

 

Quando penso na minha escola primária, recordo muitas coisas boas que vivi e aprendi. Se fosse somar todos os acontecimentos, predominam os bons, porque nem sequer vou perder tempo a falar sobre os castigos ou as reguadas que levei, sobretudo por ser tão faladora. Por isso, recordo a minha escola, a minha sala, a minha Professora e a minha turma enorme, com saudades de ser criança e de viver uma era tão feliz.

O nosso cérebro é seletivo, e por isso tendo a não fixar as coisas menos boas da vida, mas que naquele determinado momento pareciam ser o fim do mundo. Sei que passei por momentos na escola em que me senti nervosa e aflita, sem saber como reagir e, agora sei que teria sido bem mais fácil se tivesse existido um simples abraço ou uma palavrinha querida em cada momento. Falo de uma simples ida ao quadro, para fazer alguma coisa que a Professora mandava.

E eu ia muitas vezes, porque estava sempre a falar e era uma forma de me mostrar que estando distraída não conseguia acompanhar a aula. Para mim, ir ao quadro era quase entrar num palco, com direito a público e censura. O que se sente naquele bocadinho em que se caminha até lá, é um misto rápido de emoções, do género ‘vou, não vou’. Na realidade, eu preferia não ir, mas tinha de ser. Na maior parte das vezes não corria mal, eu falava muito, mas conseguia ouvir o que se falava (como ainda hoje consigo), mas não era aquele momento de estrelato que eu mais ansiava.

Ir ao quadro é um desafio onde a ansiedade e o nervosismo são comuns, pois de repente, temos de falar em público e ser o centro das atenções. Essas sensações até podem agravar-se se a criança tiver a consciência de que aquele é um momento de avaliação. Quando eu andava na escola, na minha escola, sentia esses momentos assim, ir ao quadro era para me chamar a atenção e para me avaliar, coisa que hoje tenho dúvidas sobre o modo como se faz, mas enfim…

Uma ida ao quadro traz ao de cima o medo de cometer erros e ser julgado pelos colegas e pela Professora e isso pode ser verdadeiramente assustador.

Quando um dos meus pequenos vai ao quadro, estou certa que a sensação inicial não é boa, até porque são do primeiro ano e têm pouca experiência de escola, e por isso é fundamental desvalorizar e afastar certas formas de sentir. Quando faço uma série de perguntas, em que já se sabe quem responde a seguir, são muito comuns as idas à casa de banho ou até algumas indisposições. Na realidade consigo perceber e identificar o que significa, para uma criança, ir ao quadro.

Ainda hoje, sendo crescida, sinto isso algumas vezes, não quando vou ao quadro (já estou curada), mas quando tenho de falar em público e me sinto “olhada”, ao ponto de a minha voz me atraiçoar e falhar. Mas claro, como adulta, identifico o que sinto e tento antecipar de forma a não parecer tão ridículo. Ter muitos olhos em cima de nós é uma inquietação, deve ser por isso que o Sérgio Conceição não sossega na cadeira quando faz as pré match conferencies.

Tudo isto resume-se a uma coisa muito simples, ansiedade. É natural ficar um pouco nervoso quando estamos em situações novas ou desafiadoras, mas para uma criança, esses sentimentos podem ser paralisantes e tornar uma simples ida ao quadro numa experiência assustadora. É por isso que quando chamo um aluno ao quadro, eu também lá estou, para incentivá-lo e lembrar-lhe que todos nós nos enganamos e que se falharmos fica tudo bem na mesma.

É a prática que nos leva à perfeição e com o tempo as crianças vão-se sentindo mais confortáveis e confiantes na escola, e, os adultos podem ajudar, criando um ambiente acolhedor e seguro, dando feedback construtivo e encorajando a continuar a aprender e a crescer de forma feliz.

Todas as crianças são diferentes e aquilo que vão vivendo tem diferentes impactos na sua vida, mas se há coisa com que me preocupo é com os momentos de avaliação e na influência que podem ter no crescimento saudável de uma criança. Sim, não há dúvida que permitem avaliar o desenvolvimento dos alunos, verificar se estão a acompanhar as aulas e se aprendem os conteúdos e por outro lado servem como estímulo para a criança se esforçar mais, se ela se sentir motivada para alcançar melhores resultados.

Mas, continuo a insistir que uma ida ao quadro deve ser olhada como uma oportunidade de aprendizagem positiva, em que as crianças se envolvem no processo de ensino-aprendizagem, onde se valoriza as potencialidades de cada um e se proporcionam momentos acolhedores e seguros, onde não pode haver fugas para a casa de banho ou más disposições e dores de barriga…

Cada criança é diferente da outra e mais importante do que avaliar com uma ida ao quadro, é reconhecer e valorizar as diferenças individuais, ajudar a desenvolver o seu potencial, ajudar a desenvolver uma autoimagem positiva e saudável, pois as crianças merecem ser valorizadas e amadas e, merecem sobretudo, viver uma escola feliz.

 

01mai23

 

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