O problema não é novo e está cada vez mais presente na cidade do Porto. As dificuldades em encontrar habitação levam dezenas de famílias a morar ilegalmente em casas abandonadas. Em Ramalde há uma ilha inteira ocupada desta forma, onde grande parte dos moradores vive sem água e luz. Agora vão ter de sair, a pedido dos proprietários, mas ainda não sabem o que o futuro lhes reserva.
O prazo (informal, assegura o proprietário) para as cerca de seis famílias que moram nesta ilha, na zona de Pereiró, perto da zona industrial do Porto, abandonarem as casas estava definido para esta segunda-feira (17abr23). O despejo acabou por não acontecer, mas a incerteza mantém-se entre os moradores, que garantem viver com medo do dia em que não terão onde morar.
As casas estão ocupadas ilegalmente há vários anos com consentimento da proprietária, que “era indiferente à situação”. Entretanto, a idosa morreu no ano passado e os filhos querem desocupar os terrenos. Para isso acontecer já começaram algumas operações de limpeza, mas garantem que não vão demolir as casas até que todas as pessoas saiam para outro lugar.
Ao ‘Porto Canal’, um dos proprietários explica que recebeu uma notificação da Câmara do Porto para proceder à limpeza do espaço e demolir os anexos que não constam em planta, mas que nos edifícios onde vivem pessoas vai “analisar caso a caso”. Já a Câmara do Porto explica que “não é verdade que tenha pressionado os proprietários” a avançar com a demolição e que “tratando-se de obras ilegais a reposição da sua legalidade não carece de autorização”.
Antes da primeira intervenção no local, Joana Moura, uma das moradoras da ilha, conta que lhe foi entregue em mão um papel escrito de forma “ameaçadora”, em nome de uma empresa de demolições. No documento pode ler-se que se os habitantes não colaborarem “a ilha será selada pela Proteção Civil e tudo será demolido com uma máquina gigante”.
O movimento ‘Habitação Hoje!’, que está a ajudar os moradores, lembra que só podem existir despejos com ordem do tribunal. “Mesmo tratando-se de uma situação irregular o despejo tem que acontecer como qualquer outro”, explica Alexandre Viana, membro da associação.
Apesar disso, os moradores mostram-se receosos, sobretudo porque não têm ainda uma alternativa. A maioria já submeteu várias candidaturas para conseguir habitação camarária, mas os pedidos nunca foram aceites.
“EXISTE UM REGULAMENTO E UMA MATRIZ QUE TÊM DE SER CUMPRIDOS“
Vera da Luz, de 24 anos, vive na ilha há cerca de dois anos. Antes disso vivia numa carrinha com o namorado. “Passámos aqui, vimos as casas e, como sabíamos que vivam aqui muitas pessoas, entrámos”, explica ao ‘Porto Canal’. A jovem assegura que ainda tentou que a proprietária aceitasse o valor de uma renda, o que acabou por nunca acontecer.
Entretanto, e desde que estão na ilha, tanto Vera como o namorado garantem ter feito vários pedidos para a habitação social, mas que são sempre recusados. A justificação é que um deles não vive há mais de quatro anos no Porto e que o outro não atinge a pontuação necessária.
O mesmo acontece com Joana Moura, que vive na ilha desde que os desentendimentos com o pai a obrigaram a sair de casa. Aos 32 anos já vai no terceiro pedido de habitação camarária à Domus Social e em outros tantos para o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IRU). Foram todos negados.
Em entrevista ao ‘Porto Canal’, o vereador com o pelouro do urbanismo na Câmara do Porto explica que “a entrega de fogos municipais no âmbito da habitação social é feita de acordo com um regulamento e uma matriz de pontuação”.
Segundo Pedro Baganha, “há um conjunto de critérios e de condições que têm de ser garantidas à partida para as pessoas serem elegíveis”.
Em comunicado, a autarquia explica ainda que é a Segurança Social que “tem competências de resposta de emergência destinadas ao acolhimento, por um período de tempo limitado, de pessoas em situações de carência”. Na prática trata-se de alojamento em pensões ou hospedarias até que seja encontrada uma solução definitiva. Na ilha os moradores dizem que não querem ir para esses espaços, localizados, por norma, em zonas “com prostituição e muita criminalidade”.
O movimento “Habitação Hoje!” critica a resposta dada pela Câmara e pela Segurança Social. Alexandre Viana considera “lamentável” a atuação das duas instituições e garante que a situação “só vem provar a incapacidade e a incompetência de quem é responsável para assegurar o direto à habitação”.
“OUVIMOS OS RATOS A PASSEAR NO TETO”
Mas na Rua do Dr. Pedro Sousa o cenário também não é o mais agradável à vista. A verdade é que as casas habitadas pelas seis famílias que agora terão que encontrar uma nova morada têm muito poucas condições. A grande maioria não tem casa de banho e água canalizada e a eletricidade é assegurada por um gerador que compraram em comunidade.
“Nós ouvimos os ratos a passear no teto. Desde que demoliram isto, eles andam sempre aí de um lado para o outro”, conta Vera da Luz. A jovem explica ainda que no inverno a chuva dentro de casa é uma constante e que quando quer ir à casa de banho tem que ir a casa da sogra
Uma das poucas exceções é a casa de Joana Moura. Além de ter casa de banho foi sofrendo algumas reformas para ficar “mais habitável”. Há móveis e eletrodomésticos, fruto do investimento feito ao longo dos últimos quatro anos. A preocupação é, por isso, também ter tempo para poder mudar as coisas para outro lugar, antes do despejo.
Texto: Henrique Ferreira (Porto Canal) / Etc. e Tal
Fotos: Porto Canal
20abr23