José Lopes
A propósito de mais um livro da autoria do médico Valdemar Correia Gomes, este sobre a temática da longa caminhada para a inclusão das e dos cidadãos com deficiência, a que dá o titulo de ‘Cidadãos de Ouro’, que me deu o privilégio de escrever o prefácio. Não resisti a partilhar na minha habitual rúbrica ‘Hoje escrevo eu’ neste jornal, o texto do prefácio deste livro que vai ser apresentado no dia 16 de junho, pelas 18h30 na Escola Secundária José Macedo Fragateiro, Escola Sede do Agrupamento de Escolas de Ovar.
PREFÁCIO
Foi com particular satisfação que recebi o convite do Dr. Valdemar Gomes, para escrever algumas notas sobre mais este seu livro, “Cidadãos de ouro”, dedicado ao seu filho Diogo e também, “a todos os cidadãos especiais, que de uma forma ou doutra são segregados e excluídos do bem social”.
Afirmação eventualmente dura, mas também corajosa, sem medo das palavras como há muito nos habituou no seu exercício de cidadania, o cidadão, o pai, o ativista insubmisso de tantas causas sociais, mas ainda o profissional de saúde médico especialista, que não se verga às injustiças laborais de que é alvo, em processos que se arrastam no tempo, sem que consigam desviar o autor deste livro, da preocupação e investigação sobre temas, cujas abordagens representam indiscutíveis contributos sobre a sua humanização na nossa sociedade e comunidade.
Neste livro, destacam-se temáticas, como: direitos das pessoas com deficiência; respeito pela diferença; necessidades educativas especiais (NEE); educação inclusiva; preconceitos; discriminação; alfabetização emocional; suporte familiar, na escola e sociedade; soluções laborais e inclusão; desporto e deficiência; filosofia da espiritualidade; sexualidade; beleza e amor. São alguns dos temas e causas indissociáveis da evolução civilizacional, que merecem particular e atual relevância nos inquietantes tempos que correm, ensombrados por retrocessos que negam e fragilizam direitos.
Esta breve reflexão, sobre os temas tratados no livro, remetem-me ainda para uma vivência profissional como assistente operacional (educação), em que tenho tido o privilégio de acompanhar diferentes percursos escolares de alunos e alunas NEE. Numa relação de proximidade vivida em meio escolar durante várias gerações, com alunos de diferentes diagnósticos clínicos e multiplicas limitações de autonomia, a quem, na componente não docente, os assistentes operacionais procuraram, ainda que de forma empírica, mas com humanismo, ultrapassar as muitas barreiras que a escola inclusiva tem por missão derrubar, para construir e garantir o coerente direito à diferença e à diversidade.
O convite para escrever este prefácio, assumiu também um redobrado significado, considerando o ponto de partida deste livro, em que se encontram naturais testemunhos da experiencia e vivência familiar, a que o autor Valdemar Gomes, recorre, numa exemplar cumplicidade com o filho Diogo, assumindo que, “ter um filho especial é uma dádiva de Deus”, porque, “sem eles o mundo seria mais pobre e mais egoísta. São diferentes, singulares e especiais e nestas diferenças demonstram a sua grandeza como seres humanos”. Já a mãe do Diogo, Maria Teresa Silva Lopes, partilha o testemunho de “Ser mãe de um filho especial”, em que destaca, “a capacidade do amor dele será sempre a sua barreira contra a discriminação, o voyeurismo e a crueldade das outras crianças/pessoas”.
Marcante nesta partilha de cumplicidades, numa vivência familiar apaixonante, é também o testemunho de vida do Diogo, que, no seu próprio texto no livro ‘Cidadãos de ouro’, não esqueceu por exemplo, a Escola EB António Dias Simões, entre as escolas dos vários ciclos que frequentou no seu percurso escolar. Referencia a esta escola do 2.º Ciclo em que exerço a minha atividade profissional e exercício de cidadania, que me trás há memória a convivência com o menino Diogo, que a exemplo de tantos outros alunos nos sensibilizou e ensinou a respeitar a diferença.
Um menino diferente, com Síndrome de Dawn que também ajudámos a ser feliz, porque afinal, como conclui a sua mãe no maternal texto, “O amor não conta cromossomas…”, realçando, “o meu filho é igual a qualquer outra pessoa, que fala, escreve, sorri, discute, aprende… apenas necessita do seu próprio tempo e ritmo”, assim como, “cada pessoa tem também o seu tempo e ritmo”.
Não querendo resumir estas breves notas, à influência de naturais sentimentos e alguma nostalgia sobre meios de intervenção, debate e exercício de cidadania na escola pública e democrática, que a transferência de competências para os municípios não veio estimular nem valorizar. O livro “Cidadãos de ouro”, não só nos desperta para muitos dos temas tantas vezes tabus, como a sexualidade das pessoas com deficiência intelectual. Como sensibiliza ainda as comunidades escolares e educativas para a necessidade de uma empenhada disponibilidade que vá para além do papel da escola, dando-se mais atenção ao meio familiar como determinante suporte, em que, “a criança irá realizar a socialização das emoções e a autorregulação emocional”.
Bem como a necessidade de estarem todos os intervenientes no processo educativo, mais “atentos às disfunções emocionais”, a fim de que se “desenvolvam estratégias para promover o bem-estar indispensável para que o processo de aprendizagem tenha sucesso”. E não se perca demasiado tempo burocrático, até que as equipas multidisciplinares cheguem a conclusões em tempo útil, sobre as estratégias a adotar caso a caso para uma efetiva inclusão.
Como se afirma neste livro, “Para se criar um sistema educativo inclusivo, não basta mudar a escola. A escola é um sistema permeável não só às orientações legislativas, como também aos valores sociais e culturais dominantes na sociedade”. É primordial mudar a sociedade, “tornando-a mais humana, tolerante e solidária (…)”.
Foto: Capa do livro
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